Enquanto o Centro-Oeste atinge números recordes de produção de grãos, principalmente soja e milho, quase 60% das famílias vivem com algum nível de insegurança alimentar. Esse foi um dos temas abordados pela 7ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado de Goiás (Cesan-GO), realizada em Goiânia, nesta terça-feira (31/10).

De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), que analisa dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, 12,9% das famílias da região vivem em insegurança alimentar grave, 15,5% moderada e 31,1% leve. O II Vigisan entrevistou famílias de 69 municípios da região e calcula os resultados com base em uma amostra probabilística dos dados obtidos.

Ao todo, a pesquisa realizou entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, em todos os estados. Ao mesmo tempo em que a fome aumentou, a produção agrícola bateu recordes. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Centro-Oeste colheu 137 milhões de toneladas de grãos na safra 2021/2022, sendo 28,8 milhões no estado de Goiás.

Conferência Estadual

A abertura da Conferência reuniu diversas autoridades políticas, entre elas o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT), do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), além do prefeito de Goiânia Rogério Cruz (Republicanos). Também estiveram presentes a primeira-dama de Goiás, Gracinha Caiado, a deputada federal Adriana Accorsi (PT) e o deputado estadual Mauro Rubem (PT).

O estado de Goiás e a Prefeitura de Goiânia assinaram o termo de adesão ao ‘Plano Brasil sem Fome’, do governo federal. O evento, que aconteceu na sede da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), teve início com uma palestra sobre o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ministrada pela nutricionista Gisele da Silva Freitas, da Vigilância Sanitária e Ambiental de Goiânia.

O Consea reúne membros da sociedade civil e é responsável pela organização da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Fundamental para a formulação de políticas públicas de combate à fome, o órgão foi extinto no primeiro dia de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, e reativado após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2023.

Em seguida, a professora Géssica Mércia, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (Fanut/UFG), apresentou os dados de Goiás obtidos pelo II Vigisan, que serviram de base para as discussões das mesas redondas. Foram abordados temas como a relação entre a produção de alimentos e a fome, além dos desafios para a população negra e comunidades tradicionais.

Ao final do evento, Grupos de Trabalho (GTs) foram montados com base em três eixos temáticos para formular propostas para a Conferência Nacional, sendo eles: determinantes estruturais e macrodesafios para a soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SAN); sistema nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e políticas públicas garantidoras do Direito Humano à Alimentação Adequada; e democracia e participação social.

Também foram encaminhadas 49 propostas e sugestões formuladas pela Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Goiânia.

Combate à fome

As políticas públicas de combate à fome precisam passar por iniciativas intersetoriais, de curto, médio e longo prazo, dada a complexidade do problema no Brasil. Essa foi a conclusão de um dos GTs, que formulou sugestões para o debate nacional. A contradição entre a forte produção agrícola no estado de Goiás e os alarmantes números de insegurança alimentar pode ser compreendida a partir do modelo de produção, estruturado com base na monocultura de exportação.

O combate à fome precisa passar por uma reestruturação agrária do país, uma vez que a maior parte das terras estão concentradas nas mãos de grandes proprietários de terra, que não produzem alimentos. O principal comprador da soja brasileira, por exemplo, é a China, que utiliza o grão como matéria-prima para a produção da ração para bovinos.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) é um exemplo de política pública referência mundial no combate à fome, que regulamenta o fornecimento da merenda e conecta a produção de alimentos da agricultura familiar com as escolas. A aplicabilidade do Programa, no entanto, esbarra na dificuldade de atuação conjunta de todos os atores sociais envolvidos, desde os governos federal, estadual e municipal, até a sociedade civil.

Outra barreira à Segurança Alimentar e Nutricional são os ultraprocessados, produtos cuja fabricação envolve várias etapas e técnicas de processamento e contêm muitos ingredientes, a maioria de uso exclusivamente industrial. São exemplos de ultraprocessados: refrigerantes, biscoitos recheados e macarrão instantâneo.

Este conteúdo está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas.