Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Ainda na onda do Halloween, entenda como nosso cérebro interpreta o medo

Na constante busca pela compreensão das emoções humanas pelo cérebro, o medo se destaca como uma das reações mais primitivas e essenciais para a sobrevivência. O neurocientista Dr. Fabiano de Abreu, em entrevista ao Sistema Sagres, revelou os processos neurocientíficos que regem essa emoção e explicou como o corpo humano responde ao medo, seja ele real ou imaginário.

“Do ponto de vista neurocientífico, o medo é uma reação. Ele faz parte do instinto humano e é uma resposta automática do cérebro para nos proteger de possíveis ameaças”, esclarece Dr. Abreu.

Ele aponta que a experiência do medo envolve diversas regiões do cérebro, especialmente o sistema límbico e o eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal), responsáveis por uma série de reações físicas e químicas.

“Quando há uma percepção de perigo, a região frontal do cérebro envia um sinal para o sistema límbico, acionando a amígdala. A partir daí, ativa o eixo HPA, levando ao aumento de hormônios como cortisol e adrenalina para que possamos reagir à situação”, completa.

Lutar e fugir

Segundo o Dr. Abreu, essa resposta automática é o que permite a famosa reação de “lutar ou fugir”. “Nosso corpo não diferencia o tipo de medo. A mesma circuitaria é acionada, seja para fugir de um predador ou ao assistir a um filme de terror”, explica o neurocientista.

Essa reação intensa é acompanhada pelo aumento de um neurotransmissor excitatório chamado glutamato, responsável por estimular as células neurais e iniciar a resposta física. “Nesse instante, a amígdala cerebral é ativada junto ao hipocampo, onde buscamos memórias que possam nos ajudar a resolver a situação”, detalha.

Mas o medo envolve mais do que apenas o glutamato. Dr. Abreu destacou o papel de outros neurotransmissores que agem em conjunto para equilibrar essa reação. “Existem muitos neurotransmissores e hormônios envolvidos. A serotonina, por exemplo, é fundamental para a regulação emocional e do humor, modulando a intensidade do medo”, diz.

Já o GABA, um neurotransmissor inibitório, atua para controlar e impedir uma reação excessiva, enquanto a dopamina, conhecida como o neurotransmissor da recompensa, ajuda a reduzir a sensação de emergência, trazendo uma sensação de calma quando o perigo passa.

Filmes de terror

Ele exemplifica isso com a experiência de assistir a um filme de terror, que são ainda mais procurados durante o Halloween, celebrado em 31 de outubro: “Quando nos assustamos com uma cena, nossa consciência de que é apenas um filme nos tranquiliza. Após o susto, o GABA e a dopamina agem para nos tirar do estado de alerta.”

O Dr. Fabiano de Abreu ainda destaca que o medo, em sua complexidade, é uma reação de sobrevivência que garante a segurança do indivíduo em situações de risco.

“Essa resposta é fundamental para nossa proteção e foi crucial para a evolução da espécie humana, permitindo que enfrentemos ameaças, reais ou imaginárias, de forma equilibrada”, conclui o neurocientista.

Dr. Fabiano de Abreu | Foto: Arquivo pessoal

Complexidade das respostas

O especialista ainda destacou a complexidade das respostas do cérebro diante de situações de perigo e de como a interpretação do medo pode variar de pessoa para pessoa. Segundo ele, essa resposta envolve uma série de regiões cerebrais e neurotransmissores que atuam de forma única em cada indivíduo, influenciando diretamente suas reações em situações de risco.

“Todas as regiões do cérebro têm relação com a própria consciência. Os cinco lobos cerebrais, em conjunto com o córtex pré-frontal, são responsáveis por avaliar o tamanho do perigo sob diferentes circunstâncias”, explicou o neurocientista. Abreu afirma que neurotransmissores específicos são acionados de acordo com o impacto da situação e o funcionamento ou disfunção deles determina a intensidade da reação.

O especialista também ressaltou que a experiência de um trauma pode causar disfunções em neurotransmissores específicos. “Se você tem trauma de algo e apresenta reflexos desse trauma, isso já indica uma disfunção em neurotransmissores específicos”, explicou. “A resposta e o controle da intensidade das emoções estão alinhados com o tamanho do problema e o trauma associado à situação.”

Como exemplo, ele mencionou a experiência de um assalto, onde o risco de morte eleva a intensidade da reação cerebral. “Durante um assalto, você tem um impacto muito maior devido ao risco de morte que acontece naquele momento”, apontou. Esse estresse extremo leva ao aumento da produção de certos neurotransmissores, como a adrenalina, que ajudam a preparar a pessoa para uma resposta rápida.

Reação única

Dr. Fabiano também esclareceu que cada indivíduo reage de forma única em situações de risco, tornando difícil ensinar a maneira “correta” de reagir em uma emergência. “É muito complicado você trazer uma lição para alguém sobre como reagir em um assalto, já que o indivíduo é único. Muita gente acaba por morrer ao ter uma reação espontânea em uma situação assim, acreditando que pode enfrentar o assaltante naquele momento”, ressaltou.

Questionado sobre a possibilidade de controlar ou reprogramar a resposta ao medo, ele explicou que isso depende de vários fatores, como predisposição genética e circunstâncias ambientais. Ele mencionou o modelo do “Big Five”, que descreve cinco traços de personalidade – abertura, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo – como indicadores de características neuroquímicas.

“Por exemplo, uma pessoa com maior neuroticismo tende a ter maior produção de glutamato e menor dopamina, o que pode aumentar a ruminação sobre problemas”, destacou Dr. Fabiano. Já a “amabilidade” está relacionada à produção de oxitocina, também conhecida como o “hormônio do amor”, que promove empatia e cooperação.

Filmes e esportes radicais

Dr. Fabiano de Abreu explorou uma questão curiosa sobre o comportamento humano: o que leva algumas pessoas a procurarem ativamente experiências assustadoras, como filmes de terror ou esportes radicais? Em suas palavras, o fenômeno está ligado a uma complexa interação entre neurotransmissores, genética e ambiente.

Para Dr. Fabiano, cada pessoa nasce com uma predisposição genética que influencia seu temperamento, mas essa predisposição pode ser moldada ao longo do tempo. “Se nós mapearmos os neurotransmissores, ela [a ciência] revela como eles são produzidos, como eles funcionam no seu organismo”, explicou.

“Isso tem uma relação genética. Então você já nasce com temperamentos que te condicionam, com probabilidades, aquela personalidade que o ambiente também pode moldar, já que o nosso cérebro é plástico e os neurotransmissores podem mudar o modo de funcionamento mediante as circunstâncias do que você passa na vida”.

Segundo o neurocientista, a busca por experiências intensas, como assistir a um filme de terror ou saltar de paraquedas, está relacionada ao funcionamento da dopamina e da adrenalina. Essas substâncias químicas desempenham papéis importantes na sensação de prazer e no sistema de recompensa do cérebro. “A busca pelo filme de terror é para sentir aquela sensação, aquele impacto de dopamina de recompensa, ciente que aquilo ali é um filme, ciente que aquilo ali mudou o seu percurso naquele momento”, esclareceu.

Dopamina e comportamento de risco

Ainda mais intrigante é a correlação entre a dopamina e o comportamento de risco. De acordo com Dr. Fabiano, “pessoas que têm excesso de dopamina cometem mais riscos. Elas têm mais adições com maior probabilidade de risco e consequência dos riscos”. Ou seja, o equilíbrio dos neurotransmissores parece ser determinante para o comportamento de risco ou de prevenção.

Outro ponto destacado pelo neurocientista é o papel da região frontal do cérebro. Ele aponta que pessoas mais inteligentes e cautelosas tendem a evitar riscos devido à robustez dessa região no sentido de prevenção. “A pessoa, geralmente, que tem maior preocupação sobre as consequências, ela tem os neurotransmissores mais bem regulados e a região frontal do cérebro robusta no sentido de prevenção”, afirmou.

Essa complexidade entre genética, química cerebral e ambiente nos ajuda a entender por que alguns buscam o perigo enquanto outros preferem a segurança. Como destaca Dr. Fabiano, a chave para o comportamento humano está, muitas vezes, escondida na intrincada teia dos neurotransmissores.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar

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