O governo federal deve apresentar uma proposta de regulamentação do trabalho por aplicativo até o fim deste semestre. De acordo com o ministro do Trabalho e Previdência, Luiz Marinho, a pasta tem ouvido representantes dos trabalhadores. das plataformas e especialistas. Além disso, tem estudado a legislação de outros países para chegar a um consenso sobre uma proposta que assegure direitos à categoria.
“Do jeito que está hoje não dá para ficar. Estamos numa fase de escuta, por enquanto, tentando encontrar pontos de convergência. A ideia é ter uma proposta até o fim do semestre”, projetou.
Caso possam contribuir para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com eventual contrapartida das empresas, por exemplo, os trabalhadores de aplicativo podem ter direito à aposentadoria, pensão por morte, auxílio invalidez, entre outros benefícios previdenciários.
Regulamentação do trabalho por aplicativo
Entretanto, a proposta de regulamentação ainda não tem uma definição. O governo ainda avalia se editará uma Medida Provisória (MP) ou apresentará um projeto de lei. Nos dois casos, a iniciativa precisa passar pelo Congresso Nacional, com a diferença de que uma MP tem tramitação mais rápida e validade imediata por até 180 dias até ser aprovada.
Nesse sentido, Lula criticou os atuais níveis de exploração do trabalho e o alto grau de informalização do emprego no país.
“O trabalho informal ganha dimensão maior do que o trabalho formal e as empresas de aplicativos exploraram os trabalhadores como em jamais outro momento da história os trabalhadores foram explorados. E cabe outra vez aos dirigentes sindicais encontrarem uma saída que permita à classe trabalhadora encontrar o seu espaço, não apenas na relação com seus empregadores, mas na conquista da seguridade social, que os trabalhadores estão perdendo no mundo todo”, afirmou.
Pelo Twitter, o presidente disse que é preciso “repensar as relações no mundo do trabalho e recuperar direitos e dignidade para trabalhadores”.
Especialistas
Para entender melhor o assunto, o Sistema Sagres de Comunicação entrevistou duas advogadas trabalhistas sobre o tema. De acordo com Carolina Cintra, essa é uma situação polêmica dentro do direito do trabalho.
“Com certeza o direito trabalhista tem que se adequar à modalidade. “Hoje, esses trabalhadores são considerados autônomos ou Micro Empreendedores Individuais (MEIs) e não detém de nenhum direito trabalhista”, revela.
A presidente da Comissão de Trabalho de Bela Vista de Goiás, Thamara Akemi Watanabe, explica que, caso o trabalhador sofra um acidente, ou adoeça, ele mesmo deve arcar com os próprios custos.
“Se ele está afiliado ou não ao INSS, não é uma preocupação dos aplicativos. Então, o que existe é uma relação entre uma empresa jurídica, o aplicativo, e uma pessoa prestadora de serviço. Essa pessoa pode ser MEI ou autônoma informal, que não está registrado no INSS e tem total responsabilidade por tudo o que acontece durante a prestação de serviço”, pontua.
Mudanças
Carolina Cintra destaca que a categoria luta para considerar os direitos trabalhistas semelhantes a de um empregado CLTista, como ocorre na Alemanha, por exemplo. “Lá, os motoristas por aplicativo são considerados empregados, ou seja, cumprem os requisitos de um vínculo de emprego. São pessoas físicas, com pessoalidade, que é ter uma função e responsabilidade por ela, têm um salário e também uma subordinação”, afirma.
Vale ressaltar que a regulamentação do trabalho por aplicativo ainda não tem uma proposta de definição. Sendo assim, Carolina Cintra também diz que o governo pode se basear no modelo do Reino Unido. “Esses trabalhadores foram considerados parassubordinados e têm alguns direitos trabalhistas como salário e férias. Aqui podemos regulamentar contando com 13º, enfim, para criar uma segurança jurídica a esses trabalhadores”, destaca.
De acordo com Thamara Akemi Watanabe, o Governo Federal tem como principal intenção deixar os trabalhadores garantidos na Previdência Social. Nesse sentido, eles terão direito a auxílio-doença, maternidade, acidente, aposentadoria, etc.
“Como ainda é uma matéria em debate, nós não sabemos se a proposta do governo vai entrar outros direitos. Como por exemplo, contrato de seguro de vida, contrato de ressarcimento de acidente, nós não sabemos. O único que é certo é a previdência, que vai obrigar os aplicativos a pagarem uma porcentagem e os prestadores de serviço outra. Agora, não sabemos se vai ser uma regulamentação sobre o valor mínimo por km rodado, se vai ter uma obrigatoriedade de horário”, questiona.
Novo modelo
Segundo a Agência Brasil, o ministro evitou entrar em detalhes. No entanto, explicou que a ideia é construir um modelo de contrato que não crie um vínculo empregatício como o previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “Há trabalhadores que atuam para dois ou três aplicativos diferentes e não querem vínculo. Então, vamos encontrar uma solução que assegure direitos”, explicou.
A advogada Thamara Akemi Watanabe explica que hoje existe o contrato de prestação de serviço autônomo e MEI. Por outro lado, ela afirma que, qualquer um que não seja prestador de serviço e sim um empregado com subordinação, estará dentro das regras das leis trabalhistas.
“Então, vai ter que criar um tipo novo de contrato. O que existe atual não ampara a regulamentação, porque acaba que vai existir um pouco de obrigações dentro da legislação trabalhista. Entretanto, vai estar dentro da prestação de serviço, em que o prestador pode trabalhar para dois ou três aplicativos”, afirma.
MEI
Regulamentar esse trabalhador como MEI pode ser uma alternativa para o governo. Apesar disso, Thamara Akemi Watanabe acredita que o ministério não fará esse tipo de regulamentação.
“Acho que o MEI não vai se enquadrar nessa nova regulamentação, porque o principal foco do governo é a previdência. O MEI, quando você registra, tem que pagar mensalmente e ele já te coloca como segurado do INSS. Então, de todas as formas o MEI não é opção para regulamentação. Realmente acredito que vai ser criado outro tipo de contrato”, argumenta.
Para Carolina Cintra, o trabalhador se tornar MEI não é uma boa saída. “Acredito que a melhor forma seja regulamentar através de um novo instituto, que se encaixe dentro dessa nova categoria, que dê a eles não só o amparo de salário e 13º com férias. Além disso, também um amparo em casos de acidente de trabalho, em que eles tenham uma segurança dentro da categoria”, analisa.
Como fica para as empresas
É importante lembrar que, no caso de uma regulamentação, as mudanças não ocorrem somente para os trabalhadores. Do mesmo modo, os aplicativos enquanto empresas terá responsabilidades.
Nesse sentido, Carolina Cintra defende uma regulamentação que fique bom para ambos os lados. “Essas empresas precisam proporcionar esses empregos às pessoas, mas que não torne algo tão oneroso para a empresa”, avalia.
Assim como ela, Thamara Akemi Watanabe também afirma que esse é um ponto de preocupação. A advogada teme que nem todos os aplicativos possam conseguir arcar com os custos de previdência e outros impostos.
“Vai gerar um custo para os aplicativos que não sei se, nesse momento, eles estão aptos a ter custos sem ter uma troca. E que troca será essa? Porque nenhuma empresa vai arcar com custo de graça. Agora, se ela aceitar sem ter esse retorno ou ele é um aplicativo muito bem estruturado, com condições financeiras para isso, ou vai ser um aplicativo fadado ao fim”, opina.
Opiniões
Polêmico ou não, temas costumam gerar diferentes opiniões. Carolina Cintra, por exemplo, espera que a regulamentação da categoria possa realmente sair. “A melhor forma seria criar um novo instituto adequando a essa categoria. Não reconhecendo o vínculo, mas trazendo alguns direitos para que esses trabalhadores tenham uma segurança jurídica”, declara.
Já na visão de Thamara Akemi Watanabe, não é o melhor momento para regulamentar a categoria no atual cenário. Ela explica que precisa de mais estudo e negociação, sobretudo pelo momento crítico da pandemia de Covid-19 ainda estar recente.
“Quem mais sofreu nessa pandemia foram os prestadores de serviço de aplicativo. Então, estamos vindo de uma crise financeira e implantar isso do nada, fazer uma obrigação, eu não sei se seria o melhor momento. A gente precisa ver primeiro quais são as propostas, tanto do governo, dos aplicativos e dos entes sindicais, para termos uma opinião correta. Da forma como está agora, sou contra”, argumenta.
“Tem que beneficiar os trabalhadores, mas tem também que beneficiar os aplicativos. Sem aplicativo, não temos para quem prestar serviço. Quem são esses entes sindicais? Realmente vão defender de fato todos os direitos dos prestadores de serviço? Previdência social, por mais que você seja um autônomo informal, você pode pagar. Precisamos ficar atentos ao grupo de trabalho que será formado, porque pode ser que vá beneficiar entre aspas. Beneficia superficialmente e quando a gente vê não foi bom como pensávamos”, finaliza.
*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 08 – Trabalho Decente e Crescimento Ecônomico
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