Representantes de escolas de Goiânia e Aparecida de Goiânia concordam com a suspensão por 60 dias do Cronograma de Implementação do Novo Ensino Médio. A dificuldade de execução do currículo é o principal motivo que levou à decisão do Ministério da Educação (MEC), na quarta-feira (5). Segundo o ministro Camilo Santana (PT), o processo de implementação “foi atropelado” e a decisão de suspender o cronograma acontece principalmente por causa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024.

O diretor-geral do Colégio Integrado de Goiânia, Thiago Oliveira, concorda com a suspensão. “A gente não tem um currículo hoje desenhado para todas as escolas do país. O Novo Ensino Médio deixou um pouco livre parte do currículo. Cada escola pode fazer o que achar conveniente. E não dá pra ter uma prova lá na frente que meça isso, já que cada escola faz do jeito que acha válido”, disse o gestor do colégio privado. Ele explica que o primeiro ano de implementação foi difícil e encontrou problemas na divisão das matérias entre os núcleos comuns e específicos. 

No ano passado filosofia e sociologia eram matérias optativas, então elas ficavam no contraturno e os alunos que queriam aprofundar nessa área de humanas poderiam escolher fazer essas disciplinas. A gente percebeu que isso não foi bom pra eles, porque quem não escolheu isso perdeu senso crítico para colocar numa redação. Mesmo quem é de exatas precisa ter esse senso crítico que vem da área de humanas, de sociologia, de filosofia, para escrever um bom texto. Esse ano colocamos na grade do matutino, todos os alunos assistem às aulas de filosofia e sociologia, passou a fazer parte da grade comum, não é mais optativa.”

O alto custo com infraestrutura e a dificuldade de formação dos professores para as áreas de formação técnica profissional são outras barreiras para a implementação do novo currículo, mas que atingem de forma diferente as escolas privadas e públicas. O diretor-geral do Colégio Integrado relata a dificuldade de implementar uma disciplina optativa de gastronomia na escola. 

“Ter uma eletiva (optativa) de gastronomia, para quem nunca tinha tido, foi muito difícil no ano passado. Arrumar professor, arrumar laboratório, investimento em estrutura física, tudo isso pesa muito para uma mudança que mesmo tendo sido planejada, ou prevista desde 2017, com a pandemia acabou dando uma postergada nesse processo”, afirma o gestor.

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Desigualdade

Na rede pública de ensino, o déficit é ainda maior. Professor de História e coordenador de Humanas do Colégio Estadual José Alves de Assis, em Aparecida de Goiânia, Thiago Martins conta que a falta de estrutura para executar o novo currículo é generalizada. “O colégio tentou, está tentando, mas não tem material, nem humano, nem físico para poder implementar […] Por exemplo, querem estudar robótica. Como que o José Alves vai colocar robótica se não tem laboratório, nem internet pega, o sistema elétrico do colégio não tem suporte nem para todas as lâmpadas. Se colocar em todas as salas, o sistema não suporta”, relata o professor.

De acordo com o último Censo Escolar, 83% dos estudantes brasileiros estavam matriculados na rede pública de ensino no ano de 2022, considerando todos os níveis de ensino. Além da falta de estrutura física nas escolas públicas, a capacitação dos professores para cada área do conhecimento esbarra na sobrecarga de trabalho, segundo Martins.

“Está sendo desarticulado por falta de tempo por parte dos professores. Como muitos professores trabalham em duas redes (de ensino), fica difícil dialogar para articular essas trilhas (matérias). Falta tempo para os professores poderem fazer essa articulação”, explica o coordenador.

Na visão do coordenador de Humanas, o Novo Ensino Médio não tem alcançado os objetivos. “Como que um colégio que não nem tomada vai querer proporcionar gastronomia aos alunos. E é uma região nossa que seria bom ter curso técnico de gastronomia, que os alunos poderiam ter a oportunidade de ir para uma faculdade de gastronomia. Precisa ter renovação, mas do jeito que foi feito não dá de fato a oportunidade de jovens irem para a universidade e não contempla o que realmente queria, que era o ensino técnico”, conclui Thiago Martins.

Processo de implementação

No entendimento do MEC, a última gestão foi omissa e não houve diálogo necessário para a implantação. “Quem executa as políticas são os estados brasileiros, precisamos ouvir os representantes, secretários estaduais de educação, conselhos de educação”, argumentou o ministro da Educação Camilo Santana. Em 9 de março, o MEC abriu uma consulta pública com duração de 90 dias para avaliação e reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio.

A consulta acontece por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares. O Novo Ensino Médio foi criado por meio da Medida Provisória (MP) nº 746, de 22 de setembro de 2016. As MPs são normas com força de lei editadas pelo presidente da República em situações consideradas de relevância e urgência.

O Cronograma de Implementação foi definido em 2021 e se iniciou em 2022, ano de inclusão da primeira série no Novo Ensino Médio. Em 2023, a segunda série passou a adotar o novo currículo e, por fim, a terceira série passará a adotá-lo em 2024. Sendo assim, os alunos que farão a prova do Enem 2024 serão os primeiros formados pelo Novo Ensino Médio. 

O novo modelo aumenta a carga horária anual de 800 para 1.000 horas, divididas em matérias comuns a todas as áreas de conhecimento e os itinerários formativos. A grade comum ocupa 60% da carga horária total e abrange as áreas de Linguagens e Matemática. Os itinerários formativos são divididos em quatro grupos voltados para a formação técnica profissional, preenchendo os 40% restantes da carga horária do Novo Ensino Médio.

Os grupos de itinerários formativos devem ser escolhidos conforme o interesse de cada estudante e a disponibilidade na escola. O Novo Ensino Médio deixa a cargo da direção escolar a definição de quais itinerários formativos a escola vai ofertar, além de permitir o acréscimo de matérias na grade comum.

Enem 2024

A prova do Enem 2024 aconteceria em duas etapas. O primeiro dia avaliaria os conhecimentos comuns a todas as áreas (Linguagens e Matemática), e o segundo dia avaliaria os conhecimentos dos itinerários formativos, divididos em quatro grupos:

Bloco I – Linguagens e Suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Bloco II – Matemática e Suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Bloco III – Matemática e Suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Bloco IV – Ciências da Natureza e Suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas