Os números do desmatamento no Cerrado em janeiro trouxeram um alarme. O bioma perdeu  441,85 km² de vegetação, mais que o dobro da Amazônia para o mesmo período, que registrou um desmate de  167 km². O vice-coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig/UFG), Manuel Eduardo Ferreira, explicou que “os impactos são enormes e a lista é longa”. Mas citou que três deles são muito sérios na vida humana: o hídrico, no clima e na biodiversidade.

Impacto hídrico

Nascentes
Foto: Prefeitura de Anápolis

O impacto no recurso hídrico é bastante sentido pelas pessoas no dia a dia. Ferreira explicou que ele acontece porque o desmatamento remove a cobertura natural do solo, que promove a infiltração da água. “Essa cobertura auxilia a água da chuva porque o filtro atua de uma forma gradual evitando o escoamento. Mas se a entrada de água no solo é muito rápida ele satura e essa água vai acabar transbordando e ficar na superfície”, contou.

Segundo o professor, a remoção da cobertura natural afeta a saturação do solo, provocando uma variação na velocidade do processo. “Se o relevo for mais íngreme, a água vai correr com a saturação no solo. Então tem solos que vão saturar mais rápido e outros em velocidade menor, mas em todos os casos sem a cobertura vegetal essa água vai acabar escoando na superfície ou vai ficar acumulada, mas não vai infiltrar”, pontuou.

Manuel Ferreira destacou que o efeito desse processo é a perda do solo e a remoção de matéria orgânica, que é a fertilização natural para plantio. Além disso, pode haver o “carreamento de produtos como fertilizantes e agrotóxicos para um curso hidrográfico”.

“Não há outro jeito! Essa água vai correr, encontrar um curso hidrográfico e contaminar o canal de um rio. Isso pode causar o assoreamento, reduzir a profundidade desse canal e sua eficiência, e aos poucos se vai causando a morte daquele canal”, afirmou. “São rios onde se captava água para beber, para o abastecimento público, onde produtores rurais captavam para  irrigação. Então o recurso hídrico é um impacto e vai faltar água em todos os aspectos”, disse.

Impacto no clima

O professor Manuel Eduardo Ferreira afirmou que o  segundo impacto importante é no clima. As mudanças climáticas já são sentidas em todo o mundo e, frequentemente, ocorrem eventos extremos ligados a elas, como chuvas fortes e intensas, enchentes e inundações, altas temperaturas e grandes períodos de secas.

“A floresta regula o clima. Todos sabem que a fisionomia florestal tem um microclima diferente, umidade maior e temperatura mais baixa, ou seja, ela tem um papel de regulação climática. E quando se retira essa vegetação esses aspectos climáticos mudam, se agravam com o tempo e causa o que chamamos de mudança climática”, explicou o especialista.

Área atingida por enchentes no Estado da Bahia
Área atingida por enchentes no Estado da Bahia (Foto: Isac Nóbrega/PR)

As mudanças climáticas podem ocorrer regionalmente, abrangendo grandes cidades de uma região. Entretanto, esse fenômeno está acontecendo no mundo todo e de forma simultânea. Ações humanas em relação ao meio ambiente, como extração de minerais, combustíveis fósseis, petróleo, madeira e desvios de cursos d’água,  estão provocando transformações na temperatura do planeta, o que conhecemos como aquecimento global.   

“Num primeiro momento a gente acha que isso não afeta a nossa vida, mas afeta. Quando observamos áreas muito urbanizadas que tem pouca vegetação natural, por exemplo, se percebe um clima mais abafado. É uma temperatura mais alta que ocasiona chuvas mais fortes”, disse.

Exemplo

Para o professor, o principal exemplo disso são os alagamentos e enxertos nas cidades, causados por constantes precipitações intensas em poucas horas.

“Às vezes o volume de água no ano é o mesmo, mas ele é mais concentrado. Estamos tendo extremos climáticos numa região que aumenta a concentração de água em alguns momentos do ano e isso tem ocasionado vários danos para a sociedade. As cidades não estão preparadas para esse grande volume de água precipitado em poucas horas e por isso ocorrem as inundações. E há vários danos contra a vida humana, e elas trazem também consequências fatais”, afirmou.

Impacto na biodiversidade

Abelhas
Foto: Pixabay

O terceiro impacto muito sério do desmatamento na vida humana é a perda da biodiversidade. Manuel Eduardo Ferreira explicou que esse ponto é o menos sentido diretamente pela população, mas ressaltou sua  importância.

“Com o desmatamento a gente troca uma área diversa natural por uma monocultura de árvores. Por exemplo, se eu planto árvores, o clima pode ser regulado com aquele plantio, mas pode ser que a temperatura fique mais amena com uma diversidade  maior. Mas esse plantio não terá a biodiversidade que tinha antes”, destacou.

Além da flora, o desmatamento também impacta a fauna. Manuel citou a importância dos insetos que tem a função de polinizadores. “Isso nas questões ambientais não nos custa nada, mas eles nos prestam um grande serviço”, disse. O desmatamento também afeta uma fauna que os seres humanos não estão acostumados a ver.

“A redução dessa biodiversidade afeta também a microfauna microbiana, que são organismos que estão no solo e são responsáveis por vários processos de crescimento das plantas e na assimilação de CO2. A gente tanto fala do efeito estufa, desse dióxido de carbono, porque a gente precisa absorver esse gás e tirá-lo da atmosfera”, afirmou.

Solo

Agricultura. (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)
Agricultura. (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

O professor Manuel Ferreira afirmou que essa fauna microbiana é responsável pela absolvição de carbono em aspectos químicos e aspectos físicos do solo. Por esse motivo, o especialista destacou a importância de não “estragar” o solo.

“O solo é um bem natural de grande valor e de difícil produção porque ele é uma decomposição de rochas e minerais que leva centenas e milhares de anos para ter finas camadas e isso é perdido com o desmatamento. Então há vários impactos, a gente perde mais do que ganha com o desmatamento, mesmo que esse desmatamento dê acesso a produção de alimentos e a produção de carne”, contou.

No caso da remoção da vegetação nativa para produção de alimentos, Manuel Eduardo Ferreira afirmou que a “conta do produto que se consome ou exporta não traz esse preço embutido ainda, mas em algum momento vai começar a trazer”. 

“É uma perda grande que não é mensurada e não está nem no preço deste produto. O impacto também é nesse nível de não mensurar o custo ambiental da produção. Se o custo do desmatamento voltado para a produção fosse colocado na ponta do lápis, teria que repensar o uso da água, do clima, da biodiversidade e os serviços do próprio solo”, pontuou.

Leia mais: