Várias instituições, ONGs e universidades brasileiras calculam e analisam anualmente os números do desmatamento no país. Dentre elas, estão o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas você sabe como classificar como desmatamento?
“O desmatamento, com base na ciência florestal, é a extração de madeira de uma área de vegetação nativa, com uma extração seletiva ou um corte raso. E normalmente o processo acontece de forma gradual”, explicou o professor e vice-coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig/Iesa/UFG), Manuel Eduardo Ferreira.
O professor afirmou que o corte seletivo é o tipo de desmatamento mais comum na Amazônia e no Cerrado. No entanto, ele destacou que no Cerrado o processo é “um pouco diferente” por causa da fisionomia savânica do bioma, da abertura de novas pastagens e depois com a incorporação de grandes cultivos de larga escala.
Limpeza de áreas

Ferreira associou o desmate a outro problema frequente nos biomas Cerrado e Amazônia: as queimadas. É ‘comum’ que estados como Goiás registrem muitos focos de incêndios em meses como agosto e setembro. “A retirada da madeira é seguida de queimadas e o processo das queimas acompanham muito o desmatamento. Então se usa a queima para ajudar nesse processo”, disse.
O professor diz que essa associação do corte com uso do fogo para limpar áreas é um processo de desmatamento observado como fenômeno no Cerrado e sobretudo na Amazônia.
“O diferencial do Cerrado são as estações bem definidas, uma seca e outra chuvosa, praticamente seis meses para cada. Então tem muitas queimadas nos meses de seca, que começa em maio e com um auge no mês de setembro. Desta forma, a queimada no Cerrado passou a ser muito frequente, inclusive para limpar pasto, e isso é algo cultural e muito recorrente no bioma”, contou.
O professor da UFG analisou que o fogo é usado no Cerrado para limpar áreas já desmatadas. E, assim, controlar a rebrota da vegetação e manter áreas livres para o cultivo, com a queima de palhadas. “Então o desmatamento seria esse processo”, destacou.
Desmatamento legal
O desmate de áreas é comum para a expansão de cidades, mas frequentemente chama mais atenção em atividades pecuárias e do agronegócio. A extração de madeiras e o desmate de áreas de vegetação nativa são atividades reguladas pelo Código Florestal Brasileiro, que estabelece as normas de proteção das Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal. Além da exploração do suprimento de matéria-prima da floresta e o controle dos incêndios florestais, tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável.
“O desmatamento ilegal é aquele que ocorre sem uma licença pedida para desmatar. No Cerrado, por exemplo, a legislação ambiental preconiza que as propriedades rurais tenham áreas de vegetação nativa entre 20% e 35%. E Goiás é um dos estados que tem 20% de áreas que devem ser preservadas na propriedade rural, é um número até baixo, mas deve ser mantido”, explicou Manuel.
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Em estados que além do Cerrado também estão incluídos na Amazônia Legal, como é o caso do Mato Grosso, essa reserva é de 30%. Ferreira explicou que se a reserva legal da propriedade foi respeitada o produtor rural não terá descumprido a lei, por exemplo. No entanto, destacou que outros aspectos da legislação também são observados.
“Não basta apenas ter mapeado a área da reserva legal que deve ser mantida na propriedade e desmatar o restante sem pedir autorização para o desmatamento. Nesse caso, a ilegalidade decorre do não pedido de uma licença porque o governo precisa ser informado da intenção de realizar o desmatamento. É assim que a maioria dos proprietários incorrem na ilegalidade, em não comunicar ao órgão responsável”, disse.
Caso recente

Na sexta-feira (16), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Goiás (Semad) interrompeu uma ação criminosa de desmatamento ilegal no município de Jandaia e o território da fazenda foi embargado. A ação ocorreu porque um casal iria fazer um pasto no local, mas o desmatamento cometido foi em áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais.
A Semad informou ainda que a área é passível de licenciamento, no entanto, não havia qualquer liberação para exercer a atividade de desmate no local. As multas atingiram o valor de R$ 214,3 mil.
Desmatamento ilegal
Manuel Ferreira afirmou que estudos já indicam que mais de 80% dos desmatamentos são ilegais. O professor ressaltou que a extração é legal quando não há o desmate em Áreas de Preservação Permanente ao longo de rios, topo de morros e entorno de nascentes.
“São áreas protegidas por lei. A largura da faixa de proteção de um rio por exemplo varia de acordo com o curso hidrográfico, mas boa parte deles tem uma faixa de 30 metros até 100 metros. Entorno de nascentes são 50 metros. O entorno de reservatórios, sejam eles naturais ou artificiais, também tem essa faixa de proteção. Topo de morro também. E cada um tem regras próprias”, disse.
Ferreira enfatizou que a licença ambiental é necessária para realizar qualquer extração e desmatamento. E nos casos que há a irregularidade constatada, é preciso restaurar a área que desmatada ilegalmente. “Muitos produtores estão nesta situação e por isso boa parte dos desmatamentos são ilegais”, pontuou.
Desmatar APPs é crime. Assim, Manuel Ferreira avaliou que há a necessidade de um controle rígido por parte das autoridades ligadas a área de meio ambiente e justiça, no acompanhamento dos processos e punições.
“Uma infração precisa ter uma resposta dos órgãos de fiscalização ambiental para que evitem esse desmatamento. E se detectar o desmatamento, que já intervenha na propriedade. Então é uma ação que precisa ser conjunta e bastante orquestrada. Quando só uma instituição faz, não tem efeito, tem que ser coordenado”, avaliou.
Consequências

O professor da UFG destacou que a crise hídrica é uma das principais consequências da extração de madeira e desmate para as pessoas. Como exemplo, ele citou a importância do Rio Meia Ponte, que corta mais de 40 municípios e abastece várias cidades goianas, inclusive Goiânia e sua região metropolitana.
“O Rio Meia Ponte está bastante degradado, estudos recentes indicam até 80% de degradação em APPs nessa bacia. Ou seja, a proteção do rio foi retirada e o canal hidrográfico exposto a todo tipo de intervenção, que podem ser construções, solo, assoreamento, erosão, e contaminação. E isso acaba afetando a disponibilidade hídrica, a própria vazão de água do curso hidrográfico. Então, o caso do Meia Ponte é emblemático porque é um rio muito importante na região e está bastante degradado e já com déficit hídrico”, disse.
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