Um boletim do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) divulgado na sexta-feira (10), apontou que 441,85 km² da vegetação do Cerrado foi desmatada em janeiro de 2023. O programa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) destacou que as unidades da federação que mais contribuíram com esse desmatamento do bioma foram: Bahia (156,37 km²), Piauí (123,79 km²), Maranhão (44,57 km²) e Mato Grosso (39,41 km²). A maior parte desses estados compõem a região do Matopiba.

“Esses estados que ranquearam esses últimos desmatamentos, Piauí, Maranhão, Mato Grosso, Bahia e Tocantins, já são bastante conhecidos nesta situação porque há uma questão de momento da fronteira agrícola no país. É então um desmatamento que vai subindo, se orientando para a região norte do bioma. Ele pega essa região que se chama Matopiba e traz os números mais elevados do Mato Grosso também”, disse Manuel Eduardo Ferreira, vice-coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig/UFG).

O Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, denominado de região do Matopiba, foi delimitado por decreto em 2015 por orientação do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) da Embrapa. O termo é um acrônimo com as iniciais dos quatro estados que a compõem. Essa demarcação ocorreu através de limites de 31 microrregiões geográficas do IBGE, após observações de imagens de satélites, procedimentos numéricos e cartográficos e ainda com o apoio da análise territorial.

Características do Matopiba

Região do Matopiba (Fonte: Embrapa)

A análise para a criação do Matopiba se baseou em aspectos agroecológicos e socioeconômicos dessas áreas majoritariamente de Cerrado. Além de características da expansão da agricultura no bioma, como a alta produção de grãos, como soja, milho e também do algodão.

“Esses estados ainda estão num processo de novas fronteiras agrícolas. São novas terras que vão sendo adquiridas por novos grupos e que trazem as suas expertises num plantio de soja por exemplo, uma commodities agrícola bastante presente no bioma Cerrado. Assim como algodão, cana, milho e outras commodities. Os produtores vão trazendo essa experiência das monoculturas já realizadas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,  Goiás, Mato Grosso e até Mato Grosso do Sul, que não pega o Cerrado, mas também sofre com essa situação. Então, no bioma, esses estados são as novas fronteiras e é um processo que pega muito desmatamento, ainda vai ter bastante”, explicou.

Manuel Ferreira afirmou que o desmatamento na região do Matopiba é um processo que ocorre há quase 15 anos e avaliou que ainda acontecerá por muito tempo. Neste ponto de vista, o professor apontou os números altos  do desmatamento e analisou conforme o ranking atual do desmatamento no bioma.

“No centro, no sul e um tanto a oeste do bioma os processos já foram incorporados e hoje se vê menos desmatamento e mais transições. Então as áreas de pastagens estão dando lugar a agricultura, por exemplo. A pastagem foi a primeira abertura, mas em algum momento ela deixa de ser o trabalho destinado à pecuária e passa agora para cultivos”, destacou.

Bioma Cerrado

Fonte: Embrapa

O Cerrado não tem um grupo de trabalho na organização econômica e proteção do bioma, como no caso da Amazônia. Formada por nove estados, a Amazônia Legal é a delimitação do bioma em território brasileiro, já que ela também está presente em outros oito países. “O  Cerrado é um bioma que corta pelo menos 12 unidades federativas, incluindo o Distrito Federal, mas não há um grupo coordenado a nível nacional, a não ser, claro, a própria atuação do Ibama numa atuação federal e as Secretarias de Meio Ambiente estaduais”, disse.

Apesar disso, Ferreira avaliou que todas as unidades da federação e o Governo Federal se empenham para reduzir e controlar o desmatamento no bioma. E ressaltou que nenhum governo quer descumprir o Código Florestal. “Há um interesse em manter esses números mais baixos e conter esse desmatamento. Porque o desmatamento nem sempre pode ser traduzido como uma ação de degradação, eles acontecem também com licenças ambientais. Então, nesse sentido sim, os governos compactuam com o Código Florestal Brasileiro, com as leis”, contou Ferreira.

O professor da UFG afirmou que as unidades federativas são os órgãos responsáveis pelo controle, licenças ambientais, fiscalização e acompanhamento do uso dos recursos naturais do bioma.

Goiás

Assim como outros estados, Goiás também tem cobertura de mais de um bioma. Em relação a Mata Atlântica, um levantamento do MapBiomas mostrou que desde 2021 o estado é o segundo com menor cobertura nativa entre os 17 estados em que o bioma está presente. A maior parte da vegetação goiana é de Cerrado.

Apenas cerca de 50% da vegetação de todo o Cerrado ainda é natural. O professor Manuel Ferreira afirmou que Goiás não figura entre os maiores desmatadores do bioma, aparecendo em quinto ou sexto no ranking anual.

“Goiás tem um ranking mais baixo porque já é uma área de ocupação do agronegócio que está bastante consolidada. E também existe uma questão de ordem econômica e física em relação à região do Matopiba. Essa região ainda tem muitas áreas propícias ao agronegócio, com um relevo mais plano e áreas boas para mecanização. Ela está próxima de um eixo de logística que tem uma estrutura muito boa para exportação”, destacou.

Cerrado
Foto: Toninho Tavares/Agência Brasília

Ferreira ressaltou outros aspectos que favorecem a ocupação do Matopiba, que o fazem avaliar que os desmatamentos na região ainda ocorrerão nos próximos anos. “Há um bom preço das terras que vão sendo aos poucos negociadas mais ao norte. Isso vem acontecendo até chegar na fronteira onde se contorna toda a Amazônia, que é aquela área de desmatamento que pega o Mato Grosso e vai até o Maranhão. E toda essa região fica com essa interface de Cerrado e Amazônia”, explicou.    

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