Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Entenda os motivos que levaram o Brasil ter a maior seca da história já registrada

Diversas regiões do Brasil estão enfrentando uma seca severa devido a uma combinação de fatores climáticos, que remetem a um fenômeno já conhecido: o El Niño. De acordo com Larissa Warnavin, geógrafa, mestre e doutora em Geografia, e pesquisadora de mudanças climáticas e meio ambiente, a atual situação é semelhante à registrada em 2015, quando a seca levou ao desabastecimento dos reservatórios na capital paulista, desencadeando uma crise hídrica que preocupou toda a população.

“Estamos passando por uma transição do El Niño para a La Niña, o que normalmente traz períodos mais secos”, explica. “Já tivemos registros de estiagem em anos recentes, como em 2020 e 2021, durante a pandemia, que também foram períodos marcados por uma seca severa”, completa em entrevista ao Sistema Sagres de Comunicação.

No entanto, a especialista, que também é docente de Geociências do Centro Universitário Internacional (Uninter), pontua que o que agrava a situação atual é a combinação do aquecimento das águas dos oceanos Atlântico e Pacífico. “Além do El Niño, que se caracteriza pelo aquecimento das águas do Pacífico, estamos vendo uma anomalia no Atlântico. O aquecimento de ambos os lados do continente cria um cenário preocupante”, alerta.

Outro fator crítico é o bloqueio atmosférico, fenômeno que impede a chegada de frentes frias e, consequentemente, de chuvas. “Estamos com uma massa de ar quente estacionada sobre o Brasil. Essa barreira impede a entrada da frente fria que vem dos polos, conhecida como massa polar atlântica, e também da umidade do Atlântico”, explica.

Economia

Há previsão de que o bloqueio atmosférico persista por mais algumas semanas. Assim, as autoridades alertam para a necessidade de economia de água e planejamento para mitigar os efeitos da seca. “A população deve ficar atenta, pois a situação pode se agravar. Em 2015, vimos o impacto da falta de água e não podemos deixar que isso se repita”, afirma.

A seca, além de comprometer o abastecimento, afeta diretamente a agricultura, a produção de energia hidrelétrica e a qualidade de vida dos brasileiros, especialmente em áreas urbanas. O Cerrado, conhecido como o “berço das águas” do Brasil, desempenha um papel fundamental na manutenção dos recursos hídricos de várias regiões do país.

Essa importância, no entanto, está ameaçada pelo avanço do desmatamento. Nesse sentido, Larrisa alerta para os impactos desse fenômeno, que vão desde a redução da disponibilidade de água até o agravamento das mudanças climáticas.

“O Cerrado se comporta como uma floresta invertida”, explicou um especialista em meio ambiente. “Apesar de sua vegetação parecer adaptada a climas secos, suas raízes profundas permitem que a água penetre no lençol freático, abastecendo grandes bacias hidrográficas brasileiras, como as dos rios Tocantins, São Francisco e Paraná.”

Importância dos biomas

Essas bacias são responsáveis por fornecer água para as regiões Nordeste, Sudeste, Sul e até mesmo parte da região Norte do Brasil. No entanto, o desmatamento no Cerrado prejudica essa dinâmica. “Quando a vegetação do Cerrado é removida, a capacidade do solo de absorver e armazenar água diminui, afetando diretamente o abastecimento dessas bacias”, acrescentou.

Além do impacto direto no ciclo hídrico, o desmatamento do Cerrado e da Amazônia também afeta a circulação de umidade na atmosfera. A Amazônia, através do processo de evapotranspiração das árvores, é responsável por um fenômeno conhecido como “rios voadores”. “Esses ‘rios voadores’ são massas de ar úmido que se deslocam da Amazônia para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. Com o desmatamento e as queimadas em larga escala, essa umidade diminui, o que resulta em períodos mais secos nessas regiões”, explicou.

Recentemente, o Sul e o Sudeste do Brasil foram afetados pela fumaça trazida das queimadas no Centro-Oeste e Amazônia. Portanto, exemplifica a interdependência entre os biomas do país. “Estamos falando de um sistema climático extremamente complexo, onde o que acontece na Amazônia impacta diretamente o restante do Brasil”, afirmou.

Larissa Warnavin, geógrafa, mestre e doutora em Geografia, pesquisadora de mudanças climáticas e meio ambiente, docente da área de Geociências do Centro Universitário Internacional (Uninter) | Foto: Arquivo pessoal

Desmatamento

Além das questões hídricas e climáticas, o desmatamento também provoca uma perda significativa de biodiversidade. Espécies vegetais e animais, muitas ainda não catalogadas, estão sendo destruídas. “Sempre vemos imagens de grandes mamíferos e aves sendo afetados, mas há uma perda igualmente grave de insetos, que são fundamentais para a polinização e o equilíbrio do ecossistema”, destacou.

A destruição dos biomas brasileiros não traz qualquer benefício. “O que estamos presenciando agora terá reflexos a longo prazo, com a intensificação do aquecimento global e um clima possivelmente mais seco e quente nos próximos anos. Precisamos agir agora para preservar nossos recursos naturais e a biodiversidade”, alerta.

Com a aproximação dos meses de setembro e outubro, o setor agrícola e energético do Brasil enfrenta uma grande incerteza devido à falta de chuvas, o que pode gerar impactos significativos na produção de alimentos e na geração de energia. De acordo com previsões meteorológicas, o esperado período de chuvas ainda não se consolidou em várias regiões do país, o que traz preocupações tanto para o campo quanto para a população.

A falta de chuvas nos próximos meses afetará diretamente as lavouras de verão, que incluem culturas essenciais para a economia brasileira, como soja, milho e outras commodities agrícolas. “Se não tivermos um período de chuva agora, esperado entre setembro e outubro, isso vai impactar toda a safra de commodities, especialmente as espécies de verão”, explicou Larissa. “Esse será o principal impacto, e, com certeza, vai refletir no bolso da população, encarecendo os produtos em função da alta demanda e da pouca oferta.”

Setor energético

Além da agricultura, o setor energético também está sob ameaça. Com a redução do nível dos rios que abastecem as hidrelétricas, a produção de energia corre risco, o que pode resultar em aumentos significativos na conta de luz. “A baixa dos rios vai afetar a geração de energia. No Norte, Sudeste e Nordeste do país, temos várias hidrelétricas que podem ser impactadas”, acrescentou a especialista. “A conta de energia, inevitavelmente, deve aumentar devido à queda no nível dos reservatórios.”

Para minimizar os efeitos dessa crise hídrica, a orientação é clara: racionamento. “Precisamos começar um racionamento prévio, tanto de energia quanto de água, porque provavelmente virá uma política oficial para evitar falta de energia ou água nos próximos meses”, alertou.

Embora haja previsão de chuvas em algumas regiões do país até o final de setembro, a incerteza continua, uma vez que as precipitações podem variar conforme a localidade. “Há uma tendência de que tenhamos chuvas entre a próxima semana e o final do mês, mas isso depende muito da região”, explicou.

Queimadas

As queimadas no Brasil, um fenômeno amplamente discutido nos últimos anos, continuam a ser um problema recorrente, especialmente durante os meses de seca. Larissa aponta que a maior parte desses incêndios tem origem em ações humanas, muitas vezes de forma criminosa ou acidental, e defendem a necessidade de uma conscientização mais ampla da população, além de políticas públicas mais eficazes.

Segundo ela, a conscientização é essencial para lidar com a questão. “Bom, tudo passa por uma conscientização, porque a gente está falando de muitas queimadas criminosas, de fogo provocado. Obviamente tem áreas no Brasil, como o próprio Cerrado, que tem essa característica de ser uma vegetação que acaba queimando em função da seca extrema. Ele tem um ciclo do fogo natural”, explica.

No entanto, nem todas as regiões têm esse comportamento natural. A Floresta Amazônica, por exemplo, não é uma área propensa a queimadas espontâneas. “Na Floresta Amazônica, ou até no sul do país, onde a gente tem a Mata Atlântica, não é comum ter uma queimada natural. A gente acredita que são todos incêndios provocados por interação humana, seja de forma criminosa ou acidental”, acrescenta.

Fiscalização

Larissa destaca ainda a importância de se intensificar a fiscalização e aumentar o efetivo de agentes ambientais. “É preciso aumentar o efetivo de agentes do meio ambiente. Isso deve ser uma política tanto do governo federal quanto dos estados, que precisam ter uma política mais combativa e eficaz em relação aos crimes ambientais. O Brasil é muito vasto, mas assim como temos polícia e exército, precisamos de um número grande de profissionais que atuem nessas áreas, tanto na fiscalização quanto no treinamento de brigadistas”, reforça.

Para além da fiscalização, o investimento em políticas públicas voltadas ao meio ambiente é visto como fundamental para a preservação dos ecossistemas e o combate a incêndios. “Isso é um recurso que deve ser investido no país pensando no futuro. Políticas públicas voltadas ao meio ambiente são tão importantes quanto educação, saúde, segurança e saneamento. Precisamos de um meio ambiente saudável para continuar existindo como seres vivos, não tem como fugir disso”, defende.

Por fim, a conscientização da população e a educação ambiental também são apontadas como caminhos importantes para combater as queimadas. “A população precisa denunciar crimes ambientais e participar da preservação. A educação ambiental é fundamental para que as pessoas tenham mais consciência sobre como preservar e auxiliar na fiscalização”, conclui.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática

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