No Congresso Nacional, está em análise a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 03/2022, que abre a possibilidade de privatização de “terrenos de marinha”, que abrange praias, ilhas, mangues, bem como as áreas adjacentes a rios e lagoas sujeitas à influência das marés. Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), adverte que essa PEC pode representar um grande retrocesso no que diz respeito ao gerenciamento costeiro no país e às discussões sobre mudanças climáticas.

O texto da PEC está pronto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e permite a transferência de terrenos da Marinha para estados e municípios, além de possibilitar a expansão dos direitos de “foreiros, cessionários e ocupantes”. Na prática, isso poderia resultar na privatização dessas áreas. Ronaldo enfatiza que essa proposta cria uma brecha legal para a ocupação irregular de regiões marinho-costeiras, desmatamento de manguezais e restingas, bem como a privatização de áreas públicas.

Devido à mobilização de organizações da sociedade civil e de alguns setores do Governo Federal, a PEC foi encaminhada para uma audiência pública, que poderá ser seguida pela votação a qualquer momento. Um dos argumentos para a aprovação da PEC é a regularização de áreas que foram ocupadas por empreendimentos e edifícios em áreas de marinha no passado, quando a legislação ambiental era menos desenvolvida.

“Como o texto da PEC não estabelece a indicação geográfica ou histórica para a regularização de áreas, abre a possibilidade de que qualquer terreno de marinha possa ser ocupado. Dessa forma, a legislação pode ser utilizada como clamor pela privatização”, pontua.

Proteção ambiental

Além de ameaçar a preservação dos ecossistemas marinhos e o sustento das comunidades costeiras, é importante salientar que a privatização das praias viola a Constituição, podendo resultar na exclusão de espaços públicos de lazer para a elite. Conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988, os “terrenos de marinha e seus acrescidos,” situados entre a linha média das marés e uma faixa de 33 metros rumo ao continente, são propriedade da União.

Devido à vasta extensão territorial do Brasil, que se estende por 7,5 mil quilômetros de litoral, o país apresenta uma rica diversidade de paisagens costeiras. Isso abrange desde as planícies formadas por manguezais e áreas de maré no litoral norte até as falésias, dunas e estuários do nordeste, passando pelas praias de enseadas com seus característicos costões rochosos no sudeste e se estendendo até as longas praias arenosas do sul. Adicionalmente, o Brasil conta com deltas e baías que sustentam uma ampla variedade de ecossistemas e atividades socioeconômicas.

As praias desempenham uma série de serviços ecossistêmicos cruciais, incluindo fornecimento de alimentos, proteção contra erosão e inundações, áreas de recreação e lazer, bem como a preservação de valores culturais. No entanto, relatórios técnicos do próprio governo, como os apresentados no livro “Panorama da Erosão Costeira no Brasil,” revelam que aproximadamente 60% a 65% da linha costeira nas regiões norte e nordeste do país já estão sofrendo erosão. Nas regiões sudeste e sul, esse fenômeno afeta cerca de 20% do litoral.

Dadas essas circunstâncias, o gerenciamento costeiro integrado se torna ainda mais urgente, de acordo com a avaliação de especialistas como Christofoletti: “Quando a gente privatiza algumas partes e traz esse retalho na orla, dificulta a aplicação de outros instrumentos legais que auxiliam na gestão da costa.”

“Uma boa relação não é estar mais próximo da praia nas férias e caminhar menos para chegar até o mar. O estar bem é estar em um lugar, sabendo que o meio ambiente está sendo conservado e respeitado”, finaliza.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 14 – Vida na Água; ODS 15 – Vida Terrestre

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