Marielle Franco (Foto: Reprodução/ Internet)

Entre o mar e o morro, a voz que se pretendeu calar ganhou eco, cruzando oceanos e terras, repercutindo as ações, denúncias, preocupações e a vida da vereadora Marielle Franco (PSOL, RJ), executada na cidade do Rio de Janeiro no último dia 14 de março.

E a voz que se pretendeu calar anunciava, por denúncias, a podridão dos sistemas que definem nosso país. Estamos entregues a grupos que falseiam a verdade, manipulam informações e desviam não somente dinheiro público, mas atenções, valores, ética e moral sociais. Polícia, políticos, sociedade, nossos valores foram invertidos, e não é de hoje.  

São políticos usurpadores do patrimônio público, com malas e cuecas com dinheiro, são caixas 2 e enriquecimento ilícito, contas no exterior, mantidas por negociatas com empresários igualmente imorais em um sistema surreal: cheio de regras e burocracias, com flancos abertos à corrupção. É a autoridade policial, moldada na hierarquia e treinada para enxergar o cidadão como subordinado, ser inferior. A voz autoritária em qualquer abordagem contrasta com sua missão oficial de ordem, respeito e segurança. Inspiram insegurança. No Rio de Janeiro, como em várias outras partes do país, se filiam ao crime, orquestrando ações que vão desde vistas grossas até a divisão dos resultados das ações criminosas.

A sociedade, de modo geral, igualmente se corrompe nos pequenos delitos diários, na oferta de um “cafezinho” para ser atendido com prioridade ou com mais atenção, nos delitos de trânsito, na tentativa de crescer passando por cima de outras pessoas, no compartilhamento de notícias falsas, cujo objetivo é provocar efeitos de desorientação pública.

De médicos que negociam próteses e vidas a empresários que burlam o sistema público. De projetos que resultam em elefantes brancos a decisões judiciais negociadas. De juízes em greve que recebem auxílios imorais a professores em greve, que escondem as reivindicações de aumento de salário em frases sobre melhoria da educação, ao mesmo tempo em que resistem bravamente a uma profissionalização do setor, mantendo nossa educação em índices calamitosos.

O Brasil denunciado por Marielle Franco não fragilizou somente a segurança, a saúde, a educação, a economia, a pesquisa e o mercado brasileiros. Ele construiu um lugar de exceção, uma cultura amparada pelo discurso falso, por ações canhestras e mobilizações que fazem calar as poucas vozes que ainda ousam falar verdades. Ao final, e ainda que em versos, nossa realidade continua nada poética, em um épico dramático invertido, sem heróis.

Cleomar Rocha, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG)