Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Especialista fala sobre causas e impactos de incêndios no Cerrado

O Cerrado brasileiro, conhecido por sua extensa biodiversidade, enfrenta ameaças constantes durante o período seco, com a ocorrência frequente de incêndios em suas vastas extensões. Em 2023, um total de 2,15 milhões de hectares de matas em todo o Brasil foram consumidos pelas chamas. Nesse sentido, o Cerrado emergiu como o segundo bioma mais afetado, sofrendo a destruição de 639 mil áreas. Segundo dados divulgados pela Mapbiomas, esse número representa uma preocupante parcela de 30% de todas as queimadas registradas no país.

O professor de ciências biológicas do CEUB, Stefano Aires, destaca os impactos significativos desses incêndios, ressaltando a diferença crucial entre queimadas e incêndios, bem como suas consequências devastadoras para a fauna, flora, recursos hídricos e clima da região. Esse cenário alarmante exige medidas urgentes de preservação e gestão ambiental para proteger esse importante bioma e suas valiosas contribuições para a diversidade e o equilíbrio ecológico do Brasil.

“Queimadas são práticas de queima controlada usadas para gerenciar áreas rurais ou controlar o acúmulo de combustível, geralmente realizadas de forma planejada por órgãos ambientais. Por outro lado, os incêndios, frequentemente de origem acidental ou criminosa e muitas vezes causados pelo homem, tendem a fugir do controle, podendo envolver múltiplos focos e se espalhar rapidamente”, detalha.

Stefano Aires ainda destaca os principais fatores que contribuem para o aumento dos incêndios durante o período seco. “Acúmulo de matéria seca (combustível), maior intensidade de vento e baixa umidade relativa são fatores que aumentam a propagação do fogo. A estação seca é muito utilizada para queima de pastagem e lixo e, com isso, o fogo foge do controle”, explica.

Impactos diferentes

O especialista ainda diferencia as queimadas naturais e os incêndios causados por atividades humanas, em termos de impacto nas florestas durante o tempo seco.

“Todos os incêndios que ocorrem na estação seca (nosso inverno) são de origem antrópica e acontecem quando o combustível está mais seco. Desta forma, apresentam maior intensidade e atingem áreas extensas, frequentemente se tornando extremamente difíceis de extinguir. Incêndios de origem antrópica podem ocorrer na mesma área por vários anos consecutivos, eliminando a capacidade natural da vegetação de se regenerar e ocasionando alta mortalidade de espécies vegetais e animais em um dado local”, pontua.

“Incêndios de origem natural ocorrem no início da estação chuvosa (outubro) quando parte do combustível já está úmida e são iniciados por raios. Estes incêndios tendem a atingir áreas menores e ocorrem em maiores intervalos de tempo, permitindo uma regeneração da vegetação nativa”, completa.

De acordo com Stefano Aires, a remoção da cobertura do solo é um dos efeitos imediatos das queimadas nos ambientes florestais e desérticos. “Isso deixa o mesmo exposto a chuva e agentes climáticos, podendo causar erosões e desmoronamentos em áreas de encosta. Exposição do solo a altas variações de temperatura, o que pode gerar morte dos microrganismos e, portanto, tornar o solo estéril e consequentemente dificultar plantio ou regeneração da vegetação nativa”, afirma.

“Incêndios recorrentes exaurem a reserva energética das plantas, diminuindo sua capacidade de rebrota e frequentemente podem causar a morte dos indivíduos. Extinção local de espécies. Fauna: Diminuição da disponibilidade de alimento e água, morte direta de indivíduos, fuga e remoção de indivíduos da área, extinção local de espécies”, complementa.

Mito

Além disso, o professor de ciências biológicas explica que é um mito dizer que os incêndios que ocorrem anualmente são normais e sazonais, uma vez que queimadas naturais ocorrem em intervalos de 2 a 10 anos em áreas pequenas e de forma menos intensa.

“Queimadas naturais não ocorrem na mesma área de forma consecutiva, acontecendo de forma mais parecida com um mosaico. Plantas de cerrado ou ambientes com uma certa frequência de fogo natural (Outback, savanas, vegetações mediterrâneas, florestas de coníferas, entre outros) podem apresentar características que possibilitam uma rápida regeneração do extrato herbáceo-arbustivo. No Cerrado, a vegetação rasteira pode retornar em questão de meses após o incêndio, mas não significa que não há impacto causado pelo fogo. Árvores e arbustos de maior porte podem ser mais afetados e apresentam regeneração mais lenta”, ressalta.

Diferente do que se pensa, queimar parte do combustível pode ser benéfico, desde que seja um fogo controlado e por pessoas aptas ao trabalho, ao contrário de um incêndio descontrolado.

“Reduz-se a quantidade de combustível em uma dada área e caso haja um incêndio em área adjacente, ele não se propagará por uma área muito extensa. Desta forma, restringe-se o dano a áreas menores e pode-se proteger grandes áreas de vegetação natural com queimadas prévias nas duas bordas, dando descontinuidade ao combustível (aceiro negro)”, coloca.

Biodiversidade

Os incêndios podem afetar a biodiversidade das florestas e matas a longo prazo, como por exemplo a extinção de espécies, conforme alerta Stefano Aires.

“Além disso, abertura dos ecossistemas para espécies exóticas invasoras agressivas que ocasionam uma ainda maior redução das espécies locais, tanto da fauna quanto da flora. A longo prazo, os incêndios podem provocar alterações climáticas severas através da liberação de carbono e mudanças na vegetação. O solo se torna estéril e improdutivo”, declara.

Para isso, Aires acredita que gestores de áreas protegidas precisam adotar maior fiscalização, capacitação e manutenção de brigadas de incêndio permanentes próximas à área de interesse para prevenir e controlar incêndios prejudiciais durante os períodos secos.

“Assim como possível ampliação do número de brigadistas, ou renovação dos equipamentos e viaturas. Educação ambiental e conscientização da população sobre o perigo ocasionado pelo fogo, que pode gerar riscos aos assentamentos urbanos e à vida das pessoas”, exemplifica.

Clima

O fogo em florestas pode influenciar os padrões climáticos locais e regionais durante o tempo seco, além dos outros impactos ambientais já mencionados pelo professor de ciências biológicas.

“Aumento da temperatura por meio do excesso de CO2 advindo da queima das plantas, diminuição da umidade e consequentemente da chuva, pois não existem mais plantas para proporcionar a evaporação da água. Desta forma, inicia-se um ciclo de incêndios mais intensos devido à maior temperatura e estações chuvosas cada vez mais curtas”, cita.

A fragmentação de habitat, além disso, influencia a propagação de incêndios florestais e impacta sobre as espécies durante esse período. “Pastos e vegetação alterada tendem a ser mais inflamáveis e apresentam grande quantidade de combustível. Com a fragmentação, áreas urbanas e rurais se tornam muito próximas de áreas de proteção e geralmente os incêndios se originam da queima de pastos ou lixos nas ocupações humanas, esses focos se propagam até a vegetação nativa (agora próxima), ocasionando os incêndios”, destaca.

Por fim, o especialista explica como os incêndios em florestas durante o tempo seco podem afetar os recursos hídricos locais e a qualidade da água. “Rios e nascentes podem ficar expostos e sujeitos ao assoreamento. A diminuição da umidade devido à falta de evapotranspiração pode afetar a recarga dos lençóis freáticos, levando algumas nascentes e córregos menores a secar”, finaliza.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática; ODS 14 – Vida na Água; ODS 15 – Vida Terrestre

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