“A violência na escola não é por acaso, uma vez que aquela representa a barbárie e a morte se insurgindo contra a cultura e a vida”. A análise é do professor Douglas Emiliano, do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Na última segunda-feira (23), um ataque em uma escola estadual na Zona Leste de São Paulo, trouxe à tona o debate sobre violência no ambiente escolar. O autor foi um adolescente de 16 anos e deixou uma vítima fatal e três pessoas feridas.
Para Marilene Proença, docente do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP, o Massacre de Realengo (RJ), ocorrido em abril de 2011, representou um marco para o início dos estudos sobre ataques em escolas.
A especialista, porém, comenta a importância do ambiente escolar na vida dos jovens. “A escola tem se tornado um lugar de proteção social fundamental, em que é possível constituir ações multiprofissionais e intersetoriais que venham a identificar situações de maus tratos, violência, discriminação e preconceitos”.
Ações urgentes
Segundo a especialista, no entanto, os índices referentes à violência contra crianças e adolescentes no Brasil são alarmantes e revelam a urgência de ações estratégicas. Um estudo do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de 2021, apontou que, de 2016 a 2020, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos intencionalmente. Ademais, ano a ano, o número está em crescimento.
Além disso, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicou que, em 2022, todos os indicativos de violência doméstica cresceram no País, sendo as mulheres as maiores vítimas.
Possíveis causas e soluções
Neste ano, acontecerá a Conferência Nacional de Educação, que contribuirá para a construção do Plano Decenal de Educação para Todos (2024 – 2034), que dará oportunidade aos participantes de manifestar a dimensão da vivência escolar, diante dos desafios postos nas relações socioculturais no País.
Nesse cenário de ataques frequentes a escolas, o preconceito e a discriminação são mencionados como fatores diretos. Relatório da Unicef descreve que o bullying provoca desafios para a saúde mental das pessoas, como depressão, ansiedade e isolamento social. Esse contexto proporciona evasão escolar, pois esses jovens se sentem desprotegidos ao frequentar a escola.
Emiliano, da Faculdade de Educação, ressalta a importância dos educadores na transmissão de conhecimento para seus alunos. “Quanto à questão de que as pessoas que cometem violências na escola sofreram bullying, isso não deve ser subestimado. Contudo, a questão mais crucial talvez seja que, quanto menos os professores oferecem conhecimentos, menos demanda por esses conhecimentos os alunos apresentam.” Dessa forma, na visão dele, os jovens se sujeitam à tirania de grupo e às pressões sociais.
O docente destaca que essa realidade ocorre por um descrédito da sociedade para com os professores e, assim, a transmissão da cultura na escola não tem reconhecimento como uma via para enfrentar a violência.
“Não duvido da importância de uma acolhida psicológica em escolas, sobretudo quando acometidas por violências extremas. Entretanto, os psicólogos, de modo geral, são convocados sob a crença de que os professores não dão conta do recado”, afirma.
Saúde mental
Outros motivos podem ser igualmente responsáveis por esses incidentes. Por exemplo, possíveis transtornos psíquicos “naturais do indivíduo” ou a “desestruturação” familiar. Nesse sentido, o professor realiza um contraponto, ao levar em consideração o simbolismo da escolha da escola como palco da violência.
A professora Marilene explica que uma possível solução para a problemática seria a realização de uma política intersetorial e interdisciplinar para contenção dos ataques: “Portanto, se trabalharmos conjuntamente – professores, psicólogos escolares e os profissionais do Serviço Social – na perspectiva educativa, construiremos possibilidades de compreensão e de enfrentamento aos desafios postos no processo de escolarização”.
Para isso, ela pontua: “Os estudantes nos trazem a necessidade de diálogo entre escola, família, comunidade; ampliação da participação nas decisões escolares; melhoria da infraestrutura com acesso à tecnologia e a metodologias participativas e das condições de trabalho dos docentes e funcionários das escolas; e a criação de programas que enfrentem o preconceito e a violência contra as escolas e nas escolas”.
Referente às funções específicas dos psicólogos e assistentes sociais, a psicóloga Marilene Proença comenta algumas funções que podem ser tomadas: “Ações conjuntas objetivando melhorias nas condições de ensino, considerando a estrutura física das escolas, o desenvolvimento da prática docente, a qualidade do ensino, entre outras condições objetivas que permeiam o ensinar e o aprender”.
“É importante considerar que as ações devem ser inseridas no Plano Nacional de Educação, no Plano Estadual de Educação e no projeto político-pedagógico das escolas e das redes públicas de educação”, afirma a professora.
Psicólogos nas redes estaduais
Em abril, o governador de São Paulo anunciou um projeto para contratação de psicólogos e seguranças desarmados para atuação nas escolas estaduais, duas semanas após um ataque que ocorreu na Zona Oeste da capital paulista, que deixou uma professora morta e quatro pessoas feridas. Atualmente, a rede estadual de ensino conta com 550 psicólogos para trabalhar em 5.500 unidades, média de um profissional para cada dez escolas.
Emiliano comenta: “A meu ver, o veto ocorreu, antes de tudo, pelo fato de o projeto de contratação de novos psicólogos ser considerado uma política pública progressista, ao contrário de ser concebido como política de Estado”.
Marilena ainda destaca que o Estado possui todas as condições para proporcionar a melhor educação básica às futuras gerações, desde que utilize o conhecimento das universidades e os saberes docentes construídos no cotidiano escolar. “A educação básica é o alicerce fundamental da formação humana, de pessoas que tenham gosto pela democracia e que lutem pelos direitos humanos e sociais”, ela reforça.
Com informações do Jornal da USP
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 04 e 16 – Educação de Qualidade e Paz, Justiça e Instituições Fortes, respectivamente
Leia mais
Novo Ensino Médio: entenda as mudanças do projeto de lei encaminhado pelo MEC ao Congresso
Aplicativos podem estimular o hábito da leitura desde a infância