Quando algo novo chega no mercado, a primeira reação da grande massa é o espanto e a rejeição ao que é moderno. Em pleno 2023, estamos debatendo se um dos segmentos mais consolidados do mundo, os esportes eletrônicos, são ou não esportes.

Na última terça-feira (10), a ministra do Esporte, Ana Moser, afirmou em entrevista ao portal UOL que os esportes eletrônicos não são esportes e o cenário não vai receber investimento da pasta. Além disso, a ministra falou que os games são previsíveis e comparou os cyber atletas à cantora Ivete Sangalo, cuja comparação não faz jus ao cenário competitivo do eSport.

Esport é ou não esporte?

Afirmo com todas as letras que, sim, o eSport é esporte! O cenário precisa de políticas públicas para proporcionar oportunidades igualitárias para todos e todas. Qualquer atividade esportiva, independente qual seja, das tradicionais às mais alternativas, também geram entretenimento. Aquele futebol com os amigos no final de semana, ou o vôlei e até mesmo o xadrez. Aliás, o jogo de tabuleiro é considerado esporte, pois fomenta competição, estratégias, treinos, preparo psicológico e regras.

De fato, estamos acostumados a associar esporte com esforço físico, mas como vimos, o xadrez segue o mesmo caminho do eSport. Mas um é no tabuleiro e o outro, no digital. Novas modalidades surgem e, com elas, novas categorias também.

A afirmação da ministra mostra a necessidade de debatermos sobre o reconhecimento de que o eSport é esporte. A visibilidade já é demonstrada pelos números, como, por exemplo, o streamer brasileiro de CS:GO, Gaules, que atingiu a marca de 710 mil espectadores simultâneos durante jogo entre Imperial e Cloud9 no PGL Major Antwerp 2022.

Outro ponto a se destacar é a torcida no Major Rio 2022, disputado no Rio de Janeiro, em que as arquibancadas da Jeunesse Arena ficaram lotadas e os torcedores tocaram tambores e cantaram os tão conhecidos “gritos de guerra” para torcer pelos seus times favoritos. Tal prática é usada com frequência nos estádios de futebol.

Já a transmissão do futebol tradicional, realizada por Casimiro, atingiu 5,2 milhões de pessoas no YouTube e 330 mil espectadores na Twitch, durante o jogo do Brasil x Coreia, pelas oitavas de final da Copa do Mundo 2022.

Comparando um esporte centenário, que saiu da tradicional TV aberta para o novo, que são as plataformas de streaming, a um eSport que “acabou de chegar”, os números positivos falam por si só. Os esportes eletrônicos são merecedores de tal reconhecimento como esporte. Afinal, os eSports fazem parte da nova geração e dos novos tempos.

Conceito

Os esportes eletrônicos nasceram graças aos games, uma mídia digital considerada, por muitos anos, um “passatempo”, ou entretenimento. Com o avanço da internet e da tecnologia, os campeonatos de esportes eletrônicos e as plataformas de streaming proliferaram por todo o mundo, conquistando pessoas de diversas faixas etárias. Por essa razão, moldou os esportes tradicionais e trouxe para os novos tempos o eSport. Uma nova categoria associada ao esporte.

Esse cenário carrega todos os traços esportivos, como narradores, comentaristas, torcedores, equipes, ligas, premiações e competições, nacionais e mundiais. E não só isso, o público passou a acompanhar os torneios de games na televisão, nas plataformas de streaming e nos estádios. Nitidamente, já vemos uma semelhança de atuação como no futebol, por exemplo.

De acordo com o dicionário Oxford, o termo “esporte” significa “prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza, com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição; desporte, desporto”.

Os cyber atletas residem em suas gaming houses – local onde os jogadores moram juntos -, e possuem horários de treinos, psicólogos, nutricionistas, coaches e também praticam exercícios físicos. O mesmo suporte que os esportes tradicionais possuem para aparar seus atletas, os competidores de eSport também recebem o mesmo tato, em busca da tão sonhada vitória. As competições eletrônicas podem ser individuais, como o FIFA, ou coletivas, como nos jogos de primeira pessoa, chamados First Person Shooter (FPS), a exemplo do Counter-Strike, e o gênero Multiplayer Online Battle Arena (MOBA), do tão conhecido League of Legends.

Por exemplo, o Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL), o Major de CS:GO ou o Valorant Champions são competições coletivas, e os jogadores precisam criar estratégias, conhecer o campo, estudar seus adversários, treinar e focar na sua autoperfomance durante as partidas. Cada ação individual pode impactar ou não a vitória. Então, não é um jogo previsível, já que, muitas das vezes, é necessário “mudar a rota” e tomar decisões solo. Essa linha de raciocínio te lembra algo? Sim, o futebol ou qualquer outro esporte, seja individual ou não. Mas cada um em suas respectivas categorias e regras.

Vale ressaltar que os times de futebol também investiram no cenário competitivo dos games, como o Corinthians, que está em negociação com a ex-Daotsu para entrar no mundo do FPS de Counter-Strike: Global Offensive. Em Goiás, temos o time do Vila Nova, que investiu em atletas para disputar campeonatos de Free Fire.

Realidade do cenário de eSport

Antigamente, as crianças queriam ser jogadores de futebol e, hoje, também anseiam se tornarem grandes players profissionais de eSport ou um streamers. Comparar o eSport ao cenário musical mostra que a atual ministra do Esporte ainda não possui conhecimento o suficiente sobre o assunto. Diferente de Ivete Sangalo, ou de qualquer outro artista, os cyber atletas buscam competir e alcançar a vitória. Afinal, o objetivo dos cantores é fazer show e levar sua arte ao seu público, e, dos eSports, levantar o tão sonhado troféu e vibrar com a torcida.

São novos tempos, a Web 3.0 e a tecnologia só reacenderam uma nova modalidade digital. Como ignorar, ainda mais em uma era em que as pessoas não saem da internet e estão sempre conectados? Acredito que rejeitar o “novo” não seja o melhor caminho, afinal, está nítido que o avanço tecnológico não vai parar. Como toda evolução, é natural que haja mudanças e adaptações, ainda mais no mundo digitalizado e midiático que vivemos. Por essa razão, novos segmentos, independente de qual seja, podem surgir. E, neste caso, o eSport, um esporte digital, surgiu e faz, sim, parte da categoria de esporte.

Impacto na economia

Cada campeonato, como qualquer outro esporte, existem suas recompensas. Em 2022, as premiações dos torneios de eSports foram de US$ 221.174.373,34 (R$ 1,105 bilhão na cotação atual). Com essa informação, já podemos perceber o quão estrondoso é o segmento, e que precisamos sim da atenção do Estado. Os jogos eletrônicos e suas competições proporcionam renda, empregos e, claro, uma nova profissão: o cyber atleta.

De acordo com os dados da Newzoo, em 2022, os brasileiros gastaram, em média, US$ 2,7 bilhões com jogos. A 9ª edição da Pesquisa Game Brasil apontou no mesmo ano que o público de jogos eletrônicos subiu em 74,5%.

A prova do aumento do interesse do público nos games são as escolas voltadas ao eSport, que não só profissionalizam os interessados em se tornarem players profissionais, como também ofertam cursos de design de jogos, trilha sonora, animação e entre outros. Outro fator importante é a educação alinhada ao eSport, em que professores usam os jogos para dar aulas. Temos também a AfroGames, o primeiro centro de formação de atletas de eSports em favelas do mundo, localizada no Rio de Janeiro.

Incentivo Público

Em Goiás, a Prefeitura de Goiânia e a Secretária Municipal de Esportes investiram na Copa Goiânia de eSport, e promoveram um campeonato para que vários jovens e adultos possam competir e se destacar. E não é apenas para times profissionais, diversas equipes construídas por grupos de amigos podem competir. As inscrições foram gratuitas, com direito a premiação em dinheiro. Outro ponto a ser observado é a importância de dar espaço para os cyber atletas. No futebol, vôlei, natação ou qualquer outro segmento esportivo, quando o atleta se destaca, organizações realizam contratações.

O jogo Free Fire é um dos games mais acessíveis por rodar em diversos celulares, independente da marca. Não só Free Fire, mas outros jogos também proporcionam novas oportunidades de emprego e geram renda para diversas famílias, sendo no cenário competitivo ou no streaming. Ao observar a realidade e a desigualdade social do Brasil, muitos jovens não possuem acesso aos grandes campeonatos, e, muitas das vezes, até mesmo aos equipamentos eletrônicos. Através do incentivo público, eles podem buscar um caminho e usufruir dos incentivos destinados ao eSport.

Independente do esporte, todos geram entretenimento. Todos se divertem. Acredito que o dever da pasta seja promover políticas públicas para o nicho, já que computadores e videogames não são acessíveis para todos. Com o apoio do governo, sonhos podem se transformar em realidade. Projetos voltados para campeonatos, escolas, cursos ou qualquer outra necessidade que o nicho exigir para oferecer à população um espaço destinado ao eSport.

É importante, sim, o Estado olhar com mais carinho para um cenário consolidado que transforma vidas a cada dia.

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