A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) acontece este ano em Belém (PA) num contexto geopolítico complexo para o debate ambiental. Os assuntos que se referem a COP que ocorre no Brasil foram pauta da entrevista do presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (31). Com dúvidas sobre Estados Unidos e questões sobre o financiamento climático, ele aposta ainda mais na conferência.“Esse ambiente negativo torna essa COP ainda mais importante”, afirmou.

Estados Unidos fora do Acordo de Paris

Um dos primeiros atos de Donald Trump de volta à presidência dos Estados Unidos da América (EUA) em janeiro foi assinar um decreto que retira o país do Acordo de Paris. Firmado em 2015, na COP 21, ele é o principal marco das negociações climáticas para limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis de temperaturas pré-industriais.

O embaixador disse que se preocupou com a influência dos EUA sobre outros países na possibilidade de outros países seguir o exemplo, mas ficou tranquilo ao perceber que não houve tal debandada. Para Corrêa do Lago, o momento geopolítico intenso se deve ao início do governo Trump, o que causou “circunstâncias não ideias” para uma COP, e falou em repensar a maneira de tratar vários temas sobre o Acordo de Paris.

Contudo, André Corrêa do Lago destacou que o país norte-americano ficou dividido entre governo federal e os estados na questão climáticas

“Há uma grande parte dos estados americanos que querem continuar a acompanhar tudo que é relacionado aos Acordo de Paris, são mais de vinte estados que pelo jeito tem mais de 60% do PIB americano. Empresas americanas também, segundo vários analistas, algo como 2/3 (dois terços) a 3/4 (três quartos) das empresas americanas também acompanhariam o Acordo de Paris. Então, quem está saindo do Acordo de Paris é o governo americano, mas não são os Estados Unidos”, afirmou.

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Donald Trump assumiu pela segunda vez a presidência dos Estados Unidos. O Pauta 2 analisa os reflexos para o mundo (Foto: Divulgação/Twitter @WhiteHouse)

Questionamentos ao Acordo de Paris

O presidente da COP 30 afirmou que os Estados Unidos são essenciais para as questões do clima por causa de tecnologias, ciência e instituições e ressaltou que, apesar da posição de Trump, será possível trabalhar com vários lados e dimensões dos país. “Uma gestão de quatro anos não seria o suficiente para interromper vários investimentos que são feitos pensando em prazos muitos maiores”, argumentou.

A questão, para ele, será de que maneira o Brasil irá conseguir assegurar o sucesso da COP 30 nesse ambiente tensionado. Mas respondeu que está visitando países importantes, como a China, para onde vai em duas semanas, para garantir o comprometimento deles com a conferência. 

Donald Trump questiona o Acordo de Paris por causa da obrigação em reduzir o uso de combustíveis fósseis e do comprometimento do país em financiar ações climáticas dos países em desenvolvimento. O curioso da posição dos EUA em relação ao acordo é que ele foi pensado justamente para o país.

“O Acordo de Paris foi a solução encontrada dez anos atrás para trazer de volta os Estados Unidos, o que é uma ironia, porque foi um acordo desenhado para que os EUA voltassem às negociações climáticas e agora os Estados Unidos estão saindo de novo. Porque eles tinham saído de Kyoto, que é o acordo anterior dentro dessa convenção do clima que foi assinada no Rio em 92”, contou o embaixador. 

O Acordo de Paris ainda é importante

A principal pauta do Acordo de Paris é a redução do uso de combustíveis fósseis para limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C em relação aos níveis de temperaturas pré-industriais. No Roda Viva, o embaixador André Corrêa do Lago foi questionado se é um compromisso que ainda vale a pena para o cenário atual das negociações climáticas, haja vista que ele vem sendo muito criticado. 

“A grande vantagem do Acordo de Paris é que se os países concordam e tem uma decisão tomada dentro do acordo de certa forma isso se torna uma lei internacional, todos os países têm que cumprir, porque tudo é decidido por consenso, que é uma coisa muito impressionante, você conseguir consenso de 196 países. Então tem uma força muito grande”, disse.

Não são só os EUA que criticam o acordo, ele é pauta de outros países quando diminuem os esforços contra os combustíveis fósseis e de empresas que esrão abandonando a pauta ambiental. O presidente da COP 30 afirmou que vale a pena sim continuar negociando no Acordo de Paris, sobretudo porque a mudança do clima era algo mais distante das pessoas e hoje a ciência é muito presente afirmando que temos poucos anos para enfrentar os problemas.

“Se você tem poucos anos pela frente para conseguir o que é necessário para evitar que a mudança do clima provoque desastres imensos e desequilibre todas as economias, eu acho que a gente tem que pensar de forma mais ampla. Então uma coisa é o que a gente negocia, que é dentro dessa estrutura jurídica, e a outra coisa é como você implementa e para implementar tem que ir mais além do que nas regras que estabelecemos dentro da convenção e do Acordo de Paris”, afirmou.

O desafio do financiamento

A COP 29, em Baku, no Azerbaijão, fechou com um compromisso de US$ 300 bilhões anuais em financiamento climático e jogou a meta de US$1,3 trilhão por ano a partir de 2035 para o COP 30 no Brasil. “O desafio é razoável”, disse o presidente da conferência em tom de ironia. O valor anterior era de US$ 100 bilhões anuais em cinco anos. Os países desenvolvidos dizem que conseguiram bater três dos cinco anos da meta, dado contestado por analistas. 

Para o embaixador, isso mostra que “é muito difícil até mesmo os US$ 100 bilhões”. Ele ressaltou que o Brasil ainda recebeu como acúmulo “a decepção de muitíssimas pessoas” com o financiamento climático e com o texto que relativiza muito as responsabilidades dos países desenvolvidos em fornecer esses recursos.

“Quando a gente fala de US$ 1,3 trilhão a partir de 2035 é um valor que evidentemente não vai sair do bolso ou do orçamento dos países desenvolvidos para ir para os países em desenvolvimento. Mas é um valor que foi identificado como valor necessário por um grupo de economistas muito bom e que apresentaram um relatório de que esse seria o valor necessário para que os países em desenvolvimento pudessem continuar a se desenvolver levando em consideração a mudança do clima. Então a ideia é você botar o clima dentro da lógica do desenvolvimento dos países em desenvolvimento”, destacou.   

No programa, ele falou sobre formas alternativas de buscar esses recursos, como a possibilidade de uma taxação sobre o petróleo. Mas a questão do peso do debate do financiamento para o Brasil e o Azerbaijão é uma coisa que para ele não é central, pois os países não irão por eles mesmos resolver o problema.

“Nós temos que apresentar um relatório. Então não é que vai ser negociado com os países desenvolvidos, vai ser um relatório da presidência brasileira e da presidência do Azerbaijão tentando mostrar qual é o caminho para que a gente chegue a isso [US$ 1,3 trilhão]”, disse.

Vai ter COP

Belém é a sede da COP 30 (Foto: Agência Pará)
Belém é a sede da COP 30 (Foto: Agência Pará)

Em meio às questões geopolíticas, o Brasil vive uma questão interna em relação à COP 30 com a organização da cidade de Belém para receber delegações de todo o mundo. A cidade passa por obras para aumentar a capacidade hoteleira e para melhorar o transporte. A organização da conferência é da Casa Civil, que tem uma secretaria extraordinária para tudo em relação à COP. O embaixador usou o exemplo de 1992 para dar uma resposta positiva aos questionamentos.

“Em 1992 eu era um jovem diplomata e trabalhei na organização da Rio 92 e naquela época também diziam que não ia dar para o Rio de Janeiro receber tantos delegados estrangeiros e chefes de estado. Naquele momento foi a maior reunião de chefes de estado que já tinha acontecido e foi um imenso sucesso. Então, eu acho que a gente tem que confiar na nossa capacidade de conseguir acomodar a COP 30 em Belém, disse.

Segundo ele, “as coisas estão mais ou menos dentro da previsão” na cidade. Belém é uma cidade média do país e, para ele, é isso que está motivando a maioria dos questionamentos com relação a realização do evento. “A COP de dois anos atrás aconteceu em Dubai, que tem um dos maiores aeroportos do mundo, centenas de hotéis quatro, cinco estrelas”, destacou. 

“Então o problema é a comparação com Dubai e no ano passado foi em Baku que também é uma cidade que tem uma estrutura muito grande, é a capital de um país que está crescendo muito. A comparação naturalmente tem desafios. Mas eu acho que Belém tem muito mais charme do que essas duas cidades, tem uma comida infinitamente melhor do que essas duas cidades e eu entendo que a população está animadíssima, então eu acho que vai dar certo”, finalizou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes.

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