Uma inovadora combinação de duas drogas demonstrou eficácia na supressão de tumores, utilizando uma abordagem não convencional. Em vez de simplesmente inibir a divisão celular das células tumorais, como a maioria dos medicamentos oncológicos, essa estratégia superativa a sinalização das células cancerígenas, levando-as a um estado de estresse. Uma segunda droga, então, ataca essas células estressadas. Este tratamento será testado em pacientes com tumores de intestino nos Países Baixos ainda este ano.

A pesquisa, publicada na renomada revista Cancer Discovery, tem como primeiro autor o brasileiro Matheus Henrique Dias, pós-doutorando sênior no Instituto do Câncer dos Países Baixos (NKI).

O conceito começou a ser desenvolvido durante seu pós-doutorado no Instituto Butantan, com um estágio na Universidade de Liverpool, no Reino Unido. Este projeto foi realizado no âmbito do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICs), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.

“Descobrimos naquela ocasião que o chamado fator de crescimento de fibroblastos 2 [FGF2], um gene que deveria estimular a proliferação das células, fazia o contrário quando as células eram tumorais: inibia a multiplicação. Era uma observação curiosa, porque era o oposto do que deveria acontecer”, conta Dias a André Julião da Agência FAPESP.

Estudo anterior

Um estudo anterior sobre o papel do FGF2, desenvolvido durante essa fase, foi publicado na revista Molecular Oncology. No estudo atual, os pesquisadores demonstraram que as células cancerígenas proliferam menos, não por serem diretamente inibidas por uma droga, como é comum nos tratamentos quimioterápicos, mas porque uma das drogas superativa a sinalização celular, induzindo um estado de estresse que as torna vulneráveis a outra droga específica para células sob estresse.

“É como se quiséssemos parar um carro em alta velocidade, mas, em vez de tentar freá-lo, acelerássemos ainda mais até que o motor ficasse superaquecido. E, quando o motor estivesse muito quente, desativaríamos o sistema de resfriamento”, compara Dias.

Marcelo Santos da Silva, coautor do estudo e professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) apoiado pela FAPESP, estava realizando pós-doutorado no Butantan ao mesmo tempo que Dias. Ele desenvolveu um ensaio para quantificar o estresse das células tumorais.

“Quando superativadas, as células tumorais replicam o DNA ainda mais rápido do que o normal. Como não estão preparadas para lidar com essa velocidade de replicação, acabam gerando danos no DNA, o chamado estresse replicativo”, explica.

Marcelo Santos da Silva em seu laboratório no IQ-USP: estratégia para tratamento de câncer deve ser testada nos parasitas causadores da doença de Chagas e leishmaniose (foto: acervo pessoal)

Superativação

Quando percebeu que a superativação do FGF2 estava levando à inibição da proliferação das células por conta do estresse causado nelas, Dias foi em busca de alguma molécula que pudesse induzir esse processo. A LB-100, atualmente em testes clínicos em tumores de pulmão a fim de torná-los sensíveis a outras drogas quimioterápicas, se tornou uma candidata promissora.

Para atacar as células estressadas pela ação da LB-100, os pesquisadores apostaram em inibidores da proteína WEE1, responsável justamente por corrigir danos de DNA nos tumores. Sem esse mecanismo funcionando, as células tumorais entram em divisão celular antes de terminarem a replicação do DNA. Com isso, morrem no processo.

“O mais interessante é que, para sobreviverem a essa abordagem, as células cancerígenas desativam as vias oncogênicas, passando a se comportar como células saudáveis”, explana Dias.

Os testes foram feitos em tumores colorretais retirados de biópsias de humanos e implantados em camundongos. O tratamento com as duas drogas inibiu o crescimento dos tumores no intestino dos animais.

Câncer colorretal

Por conta do sucesso nos modelos de câncer colorretal, os pesquisadores testaram a combinação em linhagens de adenocarcinoma de pâncreas e colangiocarcinoma (dos tubos que levam a bile pelo fígado), formas mais raras e agressivas de câncer e sem muitas opções de tratamento. Os resultados também foram promissores.

“Esse é um campo de estudos em crescimento, com grandes empresas investindo em ativadores de sinalização e outras pequenas sendo criadas para desenvolver esse tipo de droga. Nos próximos anos, algumas devem estar no mercado entre as opções de tratamento oncológico, esperamos que uma seja a nossa”, afirma Dias.

Na USP, Silva pretende aplicar o mesmo princípio do potencial tratamento de câncer para eliminar parasitos causadores de doenças negligenciadas. Isso porque os protozoários causadores da doença de Chagas, e os da leishmaniose, têm um comportamento similar às células de câncer, se replicando muito rápido dentro da célula hospedeira.

“A ideia é usar uma droga que estimule ainda mais a via de sinalização da proliferação desses parasitas, a ponto de gerar o mesmo tipo de danos no DNA e, então, damos outra droga para inibir o reparo do DNA, eliminando os parasitas sem prejudicar a célula hospedeira”, encerra Silva.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar

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