Apesar da diminuição do desmatamento na Amazônia em 2023, uma nova preocupação surge: o aumento dos incêndios em áreas de vegetação nativa não afetadas pelo desmatamento. Segundo pesquisa publicada na revista científica Global Change Biology, os incêndios em áreas de “florestas maduras” cresceram 152% no último ano em comparação a 2022, mesmo com uma redução de 16% no total de focos de incêndio no bioma e uma diminuição de 22% no desmatamento.

A análise detalhada de imagens de satélite revelou um aumento significativo, passando de 13.477 para 34.012 focos de incêndio em áreas florestais. A principal causa atribuída são as secas cada vez mais frequentes e intensas na Amazônia. Eventos prolongados, como os registrados em 2010 e 2015-2016, tornam a floresta mais suscetível ao fogo, enquanto uma nova estiagem no biênio 2023-2024 agrava ainda mais a situação, fragmentando a vegetação.

Dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o primeiro trimestre de 2024 registrou o maior número de focos de calor dos últimos oito anos na Amazônia, com 7.861 registros entre janeiro e março, representando mais de 50% de todas as notificações no país.

“É importante entender onde os incêndios estão ocorrendo porque cada uma dessas áreas afetadas demanda uma resposta diferente. Quando analisamos os dados, vimos que as florestas maduras queimaram mais do que nos anos anteriores. Isso é particularmente preocupante não só pela perda de vegetação e desmatamento na sequência, mas também pela emissão do carbono estocado”, afirma o especialista em sensoriamento remoto e autor correspondente do artigo Guilherme Augusto Verola Mataveli, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe.

Gases de efeito estufa

Mataveli está atualmente conduzindo parte de sua pesquisa pós-doutoral no Tyndall Centre for Climate Change Research, no Reino Unido, com foco na análise das emissões de gases de efeito estufa resultantes de queimadas, com o apoio da FAPESP. Além disso, outros quatro projetos também recebem financiamento da FAPESP para o desenvolvimento de seu trabalho.

No ano passado, membros do grupo de pesquisa publicaram um estudo que evidenciou o aumento significativo de incêndios em uma área de fronteira emergente de desmatamento no sudoeste do Amazonas, especificamente na região de Boca do Acre, no período de 2003 a 2019.

“Além da gravidade dos incêndios em áreas de florestas maduras atingirem, por exemplo, árvores mais antigas, com maior potencial de estoque de carbono, contribuindo para o aumento do impacto das mudanças climáticas, há o prejuízo para as populações locais. Manaus é um desses casos, que foi a segunda cidade com a pior qualidade do ar no mundo em outubro do ano passado”, completa Mataveli.

Regiões em outros estados também estão enfrentando situações semelhantes. Por exemplo, no Pará, houve um considerável aumento no número de focos de calor em florestas maduras, passando de 4.217 em 2022 para 13.804 em 2023.

Roraima

Em 2024, uma das situações mais alarmantes está em Roraima, onde mais da metade dos registros de incêndios no bioma Amazônico estão concentrados. O Estado, que abriga a quinta maior população indígena do país, com 97.320 pessoas, viu 14 de seus 15 municípios decretarem estado de emergência em março devido aos incêndios.

A fumaça resultante levou à suspensão das aulas, e a seca severa tem afetado gravemente as comunidades indígenas, privando-as de acesso a alimentos e expondo-as a doenças respiratórias, entre outros impactos.

O Ibama/Prevfogo relata que tem estado ativo desde novembro do ano passado em colaboração com outras instituições para prevenir e combater os incêndios, que atualmente estão concentrados em várias regiões de Roraima. Desde janeiro, mais de 300 combatentes foram mobilizados, juntamente com quatro aeronaves que fornecem apoio às operações de combate ao fogo.

“As mudanças climáticas são apontadas como um fator crítico para o aumento de episódios de incêndios, tendo o El Niño como fator agregador de risco devido à sua relação com a estiagem prolongada na região. Ressaltamos a importância da atuação dos órgãos ambientais estaduais e municipais no combate aos incêndios, em colaboração com os entes federais. Essa parceria é fundamental para permitir uma ação mais estratégica e eficaz na prevenção e no combate aos incêndios florestais”, informa o Ibama/Prevfogo em resposta a Luciana Constantino da Agência FAPESP.

Mortalidade

A mortalidade de árvores induzida pelo fogo em áreas de floresta excede frequentemente 50% da biomassa acima do solo, ou seja, os incêndios têm potencial para reduzir significativamente os estoques de carbono principalmente no longo prazo.

Neste ano, esse efeito já foi sentido. Em fevereiro, as emissões por queimadas no Brasil bateram recorde, atingindo o mais alto índice em 20 anos – 4,1 megatoneladas (cada megatonelada equivale a 1 milhão de toneladas) de carbono, alavancadas por Roraima, segundo o observatório climático e atmosférico europeu Copernicus.

Além disso, a resiliência da floresta fica comprometida, afetando, entre outros, sua capacidade de criar um microclima úmido abaixo do dossel das árvores para conter e reciclar a umidade dentro do ecossistema.

Outro ponto destacado pelos pesquisadores é que a crescente inflamabilidade da floresta torna-se um desafio para os agricultores tradicionais – eles normalmente usam o fogo controlado como forma de manejo de áreas de subsistência. Isso demanda incentivo a cadeias de produção para que sejam livres dessa prática.

Soluções efetivas

Líder do grupo e coautor do artigo, o pesquisador Luiz Aragão ressalta que, “à medida que o tempo passa sem soluções efetivas para o problema do fogo na região amazônica, o bioma se torna mais vulnerável, com impactos ambientais, sociais e econômicos”. Aragão explica que, mesmo reduzindo as taxas de desmatamento, a área impactada por esse processo continua crescendo.

“Já havíamos previsto isso em 2010 em uma publicação de nosso grupo no periódico Science. Tanto as áreas já desmatadas quanto aquelas em processo de remoção da floresta constituem fontes ativas de ignição do fogo pelo homem. Como o desmatamento fragmenta a paisagem, criando mais bordas entre as florestas e as áreas abertas, as florestas maduras ficam mais permeáveis ao fogo. Somando as secas extremas, como a atual, à configuração da paisagem fragmentada, o uso contínuo do fogo na região e a presença de áreas florestais mais degradadas, por incêndios passados, extração ilegal de madeira e efeito de borda, espera-se uma floresta cada vez mais inflamável. Medidas urgentes são necessárias para mitigar os incêndios e manter a Amazônia como o maior bem do país para alcançar o desenvolvimento nacional sustentável”, avalia Aragão.

O grupo sugere ainda o aumento de operações de comando e controle e a expansão de brigadas de incêndio, além do desenvolvimento constante de sistemas de monitoramento. “Com o uso de inteligência artificial, podemos tentar desenvolver sistemas que, além de mostrar onde ocorreram os incêndios, façam uma predição dos locais com mais propensão de ocorrer e assim ter áreas mais específicas como foco de prevenção”, complementa Mataveli.

*Com informações de Luciana Constantino da Agência Fapesp

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática

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