Diante do aumento da frequência de eventos climáticos extremos, como as chuvas intensas, municípios brasileiros enfrentam desafios na prevenção de desastres. Um estudo recente destaca a necessidade urgente de desenvolver planos de contingência eficazes e sistemas de alerta robustos para lidar com as ameaças iminentes.
As conclusões, publicadas na revista Natural Hazards, destacam a inadequação dos sistemas de alerta e planos de contingência durante os deslizamentos de terra ocorridos em São Sebastião, SP, em fevereiro de 2023. Apesar dos avisos emitidos pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), as medidas de prevenção não foram eficazes.
O estudo aponta para a necessidade de um planejamento urbano adequado, com infraestrutura preparada para lidar com eventos extremos. Além disso, destaca a importância de uma comunicação eficaz entre os órgãos responsáveis e a população, para garantir uma resposta rápida e segura diante de ameaças iminentes.
“Não havia em São Sebastião a real percepção de que o alerta era de um desastre que estava por vir. As áreas mais afetadas foram as de risco. Com os extremos de chuva cada vez mais frequentes e a concentração habitacional em áreas vulneráveis, não reduziremos as perdas se ações de prevenção não forem incorporadas em todas as etapas da cadeia”, avalia o climatologista Jose Antonio Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.
Investimentos em pesquisa
O autor principal do estudo, Marengo, ressalta a importância de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de sistemas de alerta e planos de contingência mais eficientes. Seu trabalho, apoiado pela FAPESP por meio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, visa contribuir para uma abordagem mais integrada e sustentável na gestão de desastres naturais.
“Assim como aconteceu com os estudos de Recife e de Petrópolis, a ideia nesse paper não foi ter apenas uma análise meteorológica, mas sim envolver conceitos que pudessem ser aplicados na prática. É preciso criar a percepção de que a meteorologia pode avisar sobre desastres e que a resposta deve ser multissetorial”, diz Marengo a Luciana Constantino da Agência FAPESP.
Essas descobertas ecoam estudos anteriores sobre inundações e deslizamentos em outras regiões do Brasil, destacando a necessidade de medidas preventivas mais eficazes em todo o país. Com a ameaça crescente de eventos climáticos extremos, é fundamental que os municípios brasileiros estejam preparados para enfrentar esses desafios de forma proativa e coordenada.
“A governança de desastres ambientais prevê que o Cemaden emita alertas para as Defesas Civil de Estados e municípios. Juntamente com o Corpo de Bombeiros, elas têm de disparar o aviso para os moradores locais e evacuá-los. No caso de São Sebastião, o alerta para a Defesa Civil foi emitido e houve discussão de cenários dias antes. O problema é que a cadeia quebrou no elo mais fraco, a população vulnerável”, completa.
Ocorrências
Em 32 anos (entre 1991 e 2022, último ano com dados disponíveis), o Brasil registrou mais de 3.900 óbitos provocados por ocorrências de alagamentos, enxurradas, inundações, chuvas intensas, tornados, vendavais, ciclones, granizo e movimento de massa. Segundo o Atlas Digital de Desastres no Brasil, plataforma da Defesa Civil Nacional, cerca de 16,71 milhões de pessoas foram afetadas por esses tipos de desastre no período, com danos totais chegando a R$ 27,12 bilhões.
Em 2023, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) informou ter destinado R$ 1,4 bilhão para ações de proteção e defesa civil em 24 Estados, sendo R$ 397 milhões para socorro e assistência à população e R$ 310 milhões para recuperação de infraestruturas e moradias danificadas ou destruídas.
De acordo com estimativas do Cemaden e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população exposta a riscos de deslizamentos, inundações e enxurradas chega a 8,27 milhões no país, dos quais 4,26 milhões estão na região Sudeste.
Em 872 municípios avaliados, 2,47 milhões de domicílios estavam em áreas de risco (com base no Censo 2010). A Base Territorial Estatística de Áreas de Risco (Bater) está sendo atualizada a partir dos resultados do Censo de 2022, mas os novos dados não foram divulgados.
Resultados
No estudo, os cientistas apontaram que houve uma combinação de chuvas intensas atingindo áreas de risco densamente povoadas em São Sebastião com residências construídas em terrenos inclinados e íngremes.
Já a condição meteorológica foi caracterizada por uma frente fria que cruzou o Atlântico Sul subtropical, onde a temperatura estava entre 1°C e 2°C mais quente do que o normal. Combinada com os relevos da Serra do Mar, a frente fria permaneceu estacionada sobre as áreas costeiras ao norte do Estado, causando um evento extremo de precipitação intensa.
“Embora alertas tenham sido emitidos com antecedência, a resposta entre as comunidades foi mínima, indicando a ineficácia do atual sistema de alerta precoce em vigor. Isso demanda políticas públicas aprimoradas, comunicação e a possível adoção de sistemas de alerta precoce para reduzir o risco em áreas vulneráveis”, escreve o grupo no artigo.
Como sugestão, os pesquisadores apontam que, além de locais seguros e rotas de fuga – fundamentais para salvar vidas durante esses eventos –, é necessário um sistema de alerta “verdadeiramente eficaz”, que identifique o risco iminente, emita alertas em tempo hábil e garanta que as populações e setores em risco recebam o aviso, compreendam e ajam sobre ele.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 15 – Vida Terrestre
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