Após décadas de cultivo comercial de pinheiros em Águas de Santa Bárbara, São Paulo, a Estação Ecológica de Santa Bárbara implementou um plano de manejo para remover essa espécie exótica do local em 2011. Uma pesquisa realizada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP revelou que, após o processo de remoção, plantas características do bioma do Cerrado começaram a rebrotar, mostrando uma notável capacidade de sobrevivência e adaptação mesmo após anos de distúrbio ambiental.

Para as pesquisadoras, a vegetação resistiu tanto tempo embaixo da terra e sem sofrer processos de decomposição por causa de características morfológicas típicas de plantas do Cerrado. O Cerrado, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do Brasil, abriga milhares de espécies de plantas, muitas delas exclusivas desse ecossistema.

No entanto, enfrenta sérias ameaças, incluindo o desmatamento, que causou uma perda significativa de área nos últimos anos, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O cultivo de espécies vegetais exóticas, como os pinheiros, também contribui para a redução da ocorrência e do desenvolvimento de plantas nativas.

O estudo destacou que as árvores de pinheiro, ao formarem uma densa camada de folhas no solo, modificam as condições do solo e liberam compostos que inibem o crescimento de outras plantas. No entanto, após a remoção dessas árvores, observou-se o rebrotamento de várias espécies nativas.

Rebrotamento

O rebrotamento é a capacidade de regeneração a partir de tecidos celulares (gemas), que são tecidos meristemáticos (que se dividem) presentes em órgãos subterrâneos das plantas que vivem, principalmente, no Cerrado, onde elas são adaptadas a sofrer perdas ou danos nas partes aéreas.

Beatriz Appezzato – Foto: Arquivo pessoal

“Quando nós cavamos nessas áreas para ver como era a regeneração das plantas, havia estruturas muito desenvolvidas, com mais de um metro e meio de profundidade. Estruturas espessas que não poderiam ter sido formadas em tão curto espaço de tempo”, diz Beatriz Appezzato, professora da Esalq e coordenadora do Laboratório de Anatomia Vegetal, em entrevista a Julia Custódio do Jornal da USP.

Por isso, um dos objetivos do estudo era entender como as plantas conseguiram ficar tanto tempo sobrevivendo embaixo da terra.

Plantas

A pesquisa examinou de perto exemplares de várias espécies de plantas, incluindo algumas da família Myrtaceae e a palmeira Syagrus loefgrenii, que não possui caule aéreo. Descobriu-se que essas plantas possuem características morfológicas e fisiológicas específicas que lhes permitem sobreviver e se regenerar mesmo após longos períodos de perturbação ambiental.

Gabriela Santos da Silva – Foto: Arquivo pessoal

Estruturas subterrâneas das plantas, como as gemas, mostraram-se fundamentais para sua capacidade de rebrotar. Essas estruturas apresentam células com paredes lignificadas que acumulam substâncias que evitam a decomposição, além de reservas de carboidratos que servem como fonte de energia durante o estado de dormência e auxiliam no processo de rebrotamento.

Outra estrutura importante é a gema, com células capazes de se dividirem e formar novos órgãos. “Nos sistemas subterrâneos as gemas estão protegidas pelo solo, por tecidos e por compostos químicos, elas estão ali sendo protegidas por diversos aspectos. Então, a capacidade meristemática de formar novos órgãos está sendo protegida, no momento que ela tiver a oportunidade de rebrotar ela vai crescer novamente”, explica Gabriela, primeira autora dos artigos e doutora pela USP.

Plantas clonais

A pesquisa também destacou a presença de plantas clonais, compostas por estruturas subterrâneas, indicando uma estratégia de reprodução e sobrevivência das plantas do Cerrado frente a distúrbios ambientais. “A planta clonal é bastante importante em termos de exploração de água e nutrientes no solo, ou seja, exploração de novas condições de sobrevivência, pois a planta consegue se ramificar e explorar outras áreas”, diz Gabriela.

Segundo ela,  essas plantas formam ramos que se espalham de 2 a 3 metros de distância do eixo principal e, quando ocorre o desligamento do eixo de conexão, um novo indivíduo se estabelece. As plantas clonais são comuns no Cerrado, conseguindo colonizar grandes áreas, mas ainda são pouco estudadas no bioma.

Eugenia arenosa Mattos – Imagem: retirada do artigo

O estudo dos órgãos aéreos das Myrtaceae focou em investigar se as plantas, durante o processo de rebrotamento, investem na proteção das gemas aéreas acima do solo. “Essas estruturas são tão importantes quanto o desenvolvimento das gemas subterrâneas. Primeiro as plantas conseguem rebrotar para poder formar os órgãos aéreos, depois elas precisam protegê-los”, diz Gabriela.

Esse levantamento trouxe informações inéditas das estruturas secretoras que mantêm a umidade nas células meristemáticas das plantas. “Aos olhos de pessoas que não são da anatomia ou da morfologia, parecem ser insignificantes, mas na verdade todo o processo depende de seus componentes. Essas estruturas são importantes para manter a umidade nas gemas e garantir que elas consigam se desenvolver e formar novas folhas e ramos aéreos.” Dessas estruturas, foram observados coléteres, que produzem substâncias para manter a umidade nas gemas; os tricomas, que armazenam substâncias de proteção e têm parede de celulose, que reflete a luz solar; os catafilos (pequenas folhas), as cavidades de óleo, entre outras.

Área após a queimada dos pinheiros – Foto: cedida pela pesquisadora

Impactos

“A importância da pesquisa é justamente mostrar o impacto que esses cultivos de pinus causam quando introduzidos em áreas campestres de Cerrado. Eles comprometem drasticamente o banco de gemas subterrâneas dessas espécies herbáceas e subarbustivas, que muitas vezes são espécies endêmicas e espécies que estão com risco de desaparecer”, destaca Beatriz. Um dos estudos produzidos pelo Laboratório de Anatomia Vegetal verificou que onde houve o plantio de pinus, o número de gemas foi reduzido 65 vezes em comparação a áreas sem a introdução da espécie exótica.

Para as pesquisadoras, mostrar a capacidade de recuperação e a resiliência dessa vegetação é abrir caminho para novos planos de manejo de terra e de proteção ambiental.

“Ao fazer esse tipo de estudo da morfologia e anatomia das plantas, você auxilia no entendimento de como essas plantas estão adaptadas naquelas áreas”, completa a orientadora. A pesquisa foi financiada pela Fapesp e venceu a 12ª edição do Prêmio Tese Destaque USP, na área de Ciências Agrárias.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 15 – Vida Terrestre

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