Um estudo publicado na revista “Nature Geoscience”, na segunda-feira (11), indica que o aquecimento global provocado pelo homem pode ter alcançado 1,5°C até o final de 2023. Um grau e meio é o limite seguro de aumento da temperatura causado pelas mudanças climáticas que os cientistas indicam como meta para este século.

A causa das mudanças climáticas passa por uma série de questões relacionadas diretamente às emissões de gases de efeito estufa e de toda a cadeia que envolve a relação do ser humano com o uso e o descarte dos recursos naturais do planeta. Desde que os efeitos se tornaram evidentes, se tornou necessário um controle desse uso por causa da saúde do planeta e das condições de existência de vida na Terra. 

Os pesquisadores consideram no estudo os dados relativos ao aumento da temperatura média do globo a partir de 1700. Mas desta vez a pesquisa usou também amostras de camadas de gelo retiradas do interior das geleiras da Antártida, que têm pelo menos dois mil anos. O objetivo com os núcleos de gelo foi observar a relação entre o aumento de CO2 na atmosfera e o aumento da temperatura global que estamos vivenciando.

Fotografia da atmosfera passada

Os núcleos de gelo são cilindros de gelo extraídos de geleiras ou camadas de gelo (Foto: British Antarctic Survey)

Os núcleos de gelo do interior das geleiras ficaram aprisionadas em camadas por milhares de anos. Assim, então, sendo preservadas inclusive durante a última era glacial, permanecendo como uma espécie de fotografia da atmosfera de épocas passadas.

Piers Forster, diretor do Centro Priestley para os Futuros Climáticos e autor do estudo, disse ao G1 que a obtenção do resultado veio com a combinação de registros modernos de observações atmosféricas com as camadas de gelo da Antártida, o que possibilitou a formação de um registro contínuo. 

“No período atual, é possível observar uma forte relação linear entre as mudanças de temperatura na superfície e as concentrações atmosféricas, uma relação que pode ser usada para estender os registros de temperatura ao longo do tempo”, disse.

Foi assim que os pesquisadores observaram uma relação linear entre a quantidade de CO2 e o aumento da temperatura desde 1850. Ou seja, aumento causado à medida em que as atividades humanas ficaram cada vez mais industrializadas e houveram mais emissões dos gases.

Limite seguro de 1,5°C

Terra registra o primeiro semestre mais quente da história (Foto: Carlos Bassan/Prefeitura de Campinas)
Terra registrou o primeiro semestre mais quente da história (Foto: Carlos Bassan/Prefeitura de Campinas)

Atualmente, as medições de temperatura são mais precisas em comparação com o período entre 1850 e 1900, período pré-industrial. Com os dados da Antártida, Forster argumentou que eles conseguiram ir além. “Nosso método permite retroceder ainda mais no tempo, descobrindo que cerca de 0,18°C de aquecimento ocorreram antes do período de 1850-1900”, afirmou. 

Os elementos da pesquisa estimaram, assim, que o aquecimento em curso causado pelas atividades humanas havia atingido 1,49°C em 2023 em comparação aos níveis pré-industriais, muito próximo ao limite seguro de 1,5°C. Por isso, Forster acredita que o limite seguro será superado em breve, embora peça esforços para que isso não aconteça.

“Precisamos de políticas nacionais fortes, além de mecanismos de apoio bilaterais e multinacionais. É essencial manter a meta de 1,5°C, mesmo que esse limite seja superado em breve. Isso significa, em termos de políticas, controlar o quanto esse limite será ultrapassado e minimizar os impactos através de medidas de adaptação específicas”, contou.

Ainda é possível manter a meta de  1,5°C ?

Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), acredita que não é mais possível. “Eu particularmente não acredito mais na meta de 1,5°C. E a maioria dos cientistas acreditam que a gente consiga estabilizar o processo (de aquecimento) na faixa de uns 3°C”, afirmou.

Bocuhy pontuou que não é questão de desalento e falta de esperança com o que está sendo feito, mas um movimento de ser realista com os indicadores atuais de emissões. Para ele, a França é um bom exemplo de país que está lidando com a realidade dos dados.

“A França está desenhando um cenário para 2100 de 4,5°C. Ela está transformando o seu regramento, as suas leis, as suas políticas públicas, e influenciando a comunidade europeia para atingir esse objetivo. O que isso significa é que se eu estiver esperando 1,5°C eu não vou fazer a minha adaptação de forma adequada”, disse. Assista a entrevista completa no Pauta 1:

Sem mudança de cenário

Com essa opinião, Carlos Bocuhy quer a consideração de todos os cenários, do mais otimista aos piores cenários possíveis. Só assim, segundo ele, os países poderão fazer uma análise de risco real para enfrentar a situação climática futura.

“É extremamente importante que se define a segurança da população, porque a cada décimo de grau que consegue se segurar no processo de aquecimento global, você poupa milhares ou milhões de vidas”, argumentou.

A maior preocupação de Bocuhy é que não há evidência de mudança nas emissões, em vista da não diminuição atual e de que as empresas de petróleo estão investindo cada vez mais para os próximos anos. O cenário de ainda esperar e agir sob a meta de 1,5°C pode deixar a população vulnerável ao impacto. “Eu aconselho mesmo firmemente que o mundo se prepare para 3°C, que é o dobro do que nós esperamos agora”, disse.

“É preciso que os cenários se desenhados de uma forma muito clara, muito franca, muito honesta e que os países se preparem para essa realidade. É uma escolha política, claro, mas voltada à proteção da população”, apontou. 

Desastres naturais como o do Rio Grande do Sul viram pauta do G20 (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Desastres naturais como o do Rio Grande do Sul viram pauta do G20 (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Por que mudar a meta agora?

“Porque os eventos climáticos decorrem dessa pequena escala de aquecimento que nós vamos constantemente alçando. Então, é importante perseguirmos 1,5°C como meta de curtíssimo prazo, mas estamos no compasso de espera aguardando que os cientistas digam se nós já atingimos ou não 1,5°C, porque nós estamos com 1,5°C há três anos”, afirmou.

Na semana passada, o observatório europeu Copernicus divulgou que é praticamente certo que 2024 será o primeiro ano em que a temperatura média do planeta vai ultrapassar 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

A projeção ocorreu porque o serviço registrou temperatura média global muito alta entre janeiro e outubro, com a quebra em sequência do recorde mensal. Até então, o ano passado foi o mais quente já registrado em toda a história do mundo. O anúncio chegou às vésperas da 29° Conferência Climática da Organização das Nações Unidas (COP 29), que discute há anos a eliminação dos combustíveis fósseis e um financiamento para fundos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

O diretor do Copernicus, Carlos Buontempo, disse à Reuters que “a causa fundamental e subjacente do recorde deste ano é a mudança climática”. “O clima está esquentando, de modo geral”, ressaltou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima.

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