Goiânia completa 89 anos nesta segunda-feira (24). Quando a cidade chegava próxima aos 20 anos de existência, ela recebia as marcas de trilhos. Em meados de 1952, trens saíam e chegavam de uma construção imponente, a Estação Ferroviária, localizada no final da Avenida Goiás. Lá pessoas iam e vinham de lugares distantes. Cargas chegavam ou eram levadas para diferentes lugares. Durante vários anos, a estação se tornou ponto de encontro. Hoje, o local é um cartão-postal de Goiânia, porém um símbolo isolado do que restou da memória ferroviária.

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Trem transportando combustíveis no Jardim Novo Mundo. (Foto: Samuel Straioto/Sagres Online)

Caminhos e descaminhos

A ferrovia é um marco não só na história do estado, mas também de Goiânia. É um símbolo de modernidade e progresso. Ao desenhar a cidade, Attilio Correia Lima já projetava uma área que a estrada de ferro pudesse chegar.

Era a parte norte, em que estava situado o setor industrial. Análise sobre a chegada da ferrovia foi feita pela arquiteta e urbanista, Simone Buiate Brandão, fez um profundo trabalho de pesquisa sobre a Estrada de Ferro Goiás, em Goiânia. Ela escreveu a dissertação de Mestrado, “A antiga linha férrea de Goiânia: De símbolo da modernidade à obsolência”, para o programa de Pós-Graduação Projeto e Cidade da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG).

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“O próprio desenho do Attilio, quando desenho, não indica uma localização precisa onde a ferrovia vai passar, mas já fala a região, isso em função do planejamento da cidade, que era muito zoneado. A região norte que era mais voltada à indústria, seria onde a ferrovia passaria. O Attilio já indica que a ferrovia vai passar naquele trecho e, anos depois, isso se consolida”, destaca Simone.

Locomotiva Número 1 da Estrada de Ferro Goyaz, estacionada na Praça do Trabalhador. Foto: Samuel Straioto.

A pesquisadora completou que a ferrovia ainda seguiria para Campinas, chegando até o final de sua linha na estação situada na Vila Abajá. Nos anos 70, chegou-se a fazer terraplenagem até próximo a Trindade, mas a ferrovia não avançou.

Pouco a pouco, os trens deixaram de circular dentro da capital. Primeiro, houve o fechamento da estação ferroviária da Vila Abajá, depois a erradicação da linha entre a Praça do Trabalhador e o bairro de Campinas. Hoje, na antiga estação da Vila Abajá funciona uma unidade da Polícia Militar de Goiás (PM-GO).

Trecho ferroviário na divisa entre Goiânia e Senador Canedo. Foto: Samuel Straioto.

Logo após, o golpe foi maior, a cidade expulsou para fora a ferrovia, apagou grande parte de sua memória, com a destruição de prédios ferroviários, a substituição por outras construções, como o novo Terminal Rodoviário. Casas de ferroviários e conjuntos arquitetônicos foram ao chão.

“Nós tivemos um grande problema que foi apagar a nossa memória ferroviária aqui em Goiânia. Havia um complexo gigantesco ferroviário naquela região da estação e hoje é o único ícone daquele complexo. Havia os galpões e outras edificações, com um número muito grande de pessoas que trabalhavam na linha”, relatou Simone.

Hoje restam as boas lembranças como o Clube Atlético Ferroviário que estreou no Campeonato Goiano de 1958, terminando na 8ª e última colocação. Em 1959, ficou em 7º lugar; em 1961 e 1962, acabou na 6ª posição. Segundo o site Futebol de Goyaz, o clube disputou 148 partidas, venceu 52 vezes, empatou 27 e perdeu 69. Mais do que o resultado no campo, um dos grandes trunfos era a integração ferroviária.

Torre do Relógio da Estação Ferroviária de Goiânia. Foto: Samuel Straioto.

Simone Buiate contou ainda que havia uma série de ações sociais como Dia das Crianças, o Dia das Mães, Natal, eventos que representavam um marco na cidade. “Temos poucos registros destes momentos na memória da cidade”, reforçou Simone.

Ao afastar a ferrovia do centro da cidade, Goiânia intensificou alguns problemas, tais como a favelização de áreas próximas ao antigo leito da estrada de ferro. Resquícios deste cenário ainda são encontrados, por exemplo, na Nova Vila, na Vila Viana ou aos fundos do Bairro Feliz.

Resquícios de trilhos na Vila Viana, em Goiânia. Foto: Samuel Straioto.

Reconexão

Hoje trens ainda circulam em Goiânia. De uma forma tímida, composições ferroviárias chegam à capital na parte Leste e descarregam um óleo grosso no Terminal de Combustíveis, situado no Jardim Novo Mundo.

No local, o trem ainda apita, a ferrovia respira. Uma faixa indica que a estrada de ferro está em funcionamento, ainda que esteja mal cuidada.

Faixa indicando que a ferrovia está em operação. Foto: Samuel Straioto.

A reportagem teve a feliz oportunidade de encontrar uma pequena composição manobrando no acanhado pátio ferroviário.

Composição Ferroviária no Terminal de Combustíveis do Jardim Novo Mundo. Vídeo: Samuel Straioto

Já na parte central, em 2019, o prédio da Estação Ferroviária da Praça do Trabalhador foi restaurado. A beleza dos traços em Art Déco saltam aos olhos de quem passa pela região. Reconstruir um imaginário é difícil, mas há tentativas de reapropriação deste espaço. Hoje funcionam estruturas da Secretaria de Cultura, da Agência de Turismo e do Atende Fácil.

“É uma luta constante, é uma tentativa de se resgatar o imaginário ferroviário, entretanto, enquanto edifício, o isolamento como demolição do complexo, a paisagem ferroviária foi eliminada. Existe uma tentativa constante de reuso do espaço, mas falhamos muito na criação de um imaginário ferroviário”, finalizou Simone.

Nestes 89 anos, o trem ainda insiste em fazer parte da história de Goiânia. O apito dele ainda chega aos ouvidos de goianienses, mantendo um resquício de ferrovia, de seu legado e importância para o desenvolvimento da nossa cidade.

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