A Ferrovia Centro Atlântica foi inserida na discussão do novo marco regulatório das ferrovias, tema que está em debate no Senado e pode pintar na pauta desta semana. É que em meio ao tema, há a análise para antecipação da renovação da concessão da via. O prazo termina em 2026. Há entraves para que isto ocorra, entre eles a ociosidade de quase 100% do trecho goiano.

Se na Ferrovia Norte Sul, o “trem” tende a ser um propulsor de desenvolvimento, com a efetiva operação da Rumo em trecho goiano, na Centro Atlântica, ou melhor na antiga Estrada de Ferro de Goyaz, centenária via-férrea que padece pelo esquecimento do poder público e falta de interesse da concessionária, a VLI, subsidiária da Vale.

Trecho ferroviário em Caldazinha. Foto: Samuel Straioto.

Marco das Ferrovias

Mas antes de entrarmos nesta tema, gostaria de explicar o que é o marco regulatório das ferrovias? É um projeto de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) e tem a relatoria de Jean Paul Prates (PR-RN). O texto está na lista de 16 projetos prioritários do Ministério da Economia para aprovação no Congresso entre o fim de 2020 e 2021.

Pelo texto, ferrovias podem ser construídas e operadas no regime de autorização, em substituição as atuais concessões.

Em tese é menos burocrático, pois estradas de ferro poderão ser construídas e operadas pelo regime de autorização, inclusive trechos abandonados. Basta que as empresas interessadas apresentem projeto para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

O governo federal tem interesse. O ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas tem ressaltado constantemente o interesse de passar de 15% para 30% em dez anos, a participação do modal ferroviário na matriz de transportes nacional.

Se tiver projeto aprovado, a autorização terá prazo de 25 a 99 anos. O poder público também poderá rescindir o contrato das autorizatárias caso constate: negligência, imperícia ou abandono da linha; de transferência irregular da autorização para outra empresa; descumprimento reiterado dos compromissos assumidos, ou até mesmo em razão de excepcional relevância pública.

Cemitério de Trens em Senador Canedo. Foto: Samuel Straioto

Goiás

Um acordo que envolve investimentos em Goiás pode destravar a votação do marco regulatório das ferrovias. Aí entra a renovação da concessão da Ferrovia Centro Atlântica. A empresa recebeu a concessão em 1996, a partir do processo de privatização da Rede Ferroviária Federal S/A (RRFSA).

 O senador Jean Paul Prates (PT-RN), estuda incluir no seu parecer algum tipo de dispositivo que preveja a destinação de investimentos no corredor Centro-Leste – que sai de Goiás, passa por Minas Gerais e chega no porto de Vitória (ES).

A renovação de contrato da FCA seria por mais 30 anos e inclui uma troca por obras adicionais. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) prevê investimentos de cerca de R$ 13,8 bilhões.

No entanto, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO) encaminhou ofício à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), recomendando a não renovação da concessão com a VLI. O documento ressalta que, de acordo com levantamento feito no site da ANTT, o volume de transporte em Goiás continua o mesmo desde 2006. Ou seja, o volume de cargas com origem ou destino em Goiás e Distrito Federal em 2020 é inferior ao de 2006, com exceção do transporte de bauxita com origem em Brasília. 

Em relação à ociosidade da ferrovia, a declaração da Rede da FCA para o ano de 2021 não está disponível no site da ANTT. A do ano passado mostra que, no estado de Goiás, a ferrovia está ociosa, com níveis próximos a 90%, mesmo havendo uma grande demanda de cargas a serem transportadas.

“Nessa prorrogação a FCA não propõe praticamente nada para Goiás. Não há previsão significativa de investimentos. Ela mostra que se está ociosa em 90%, este é um dos argumentos para não se antecipar a renovação. Existe muita carga, em Luziânia, de soja, farelo, e foi tudo exportado por caminhão, e poderia ser feito por trem. A carga existe e a ferrovia está ociosa”, avaliou o assessor Técnico do Crea-GO, Antônio de Pádua Teixeira, que é estudioso sobre o assunto.

Entre os vários tipos de investimentos a serem feitos, o CREA-GO sugeriu a implantação de um terminal de transbordo em Anápolis, servida tanto pela bitola métrica quanto pela larga, para permitir que as cargas possam ser intercambiadas entre as duas ferrovias e alcançar maiores distâncias transportando, por exemplo, os fertilizantes produzidos em Catalão para as regiões produtoras do Norte goiano. É necessária a construção de um terminal em Anápolis para as transferências de cargas entre bitola estreita e bitola larga.

Entre Leopoldo de Bulhões e Goiânia, somente combustível é transportado para Senador Canedo e o terminal da Petrobrás no Jardim Novo Mundo.

Combustível sendo transportado por trem em Pires do Rio. Foto: Samuel Straioto

Empresa

Procurada pela reportagem da Sagres, a VLI, controladora da Ferrovia Centro-Atlântica, informou por meio de nota que mantém fluxos regulares em Goiás com a movimentação de fertilizantes, combustíveis, fosfatos, soja, açúcar entre outras cargas.

Segundo a empresa, em 2020 o volume transportado no estado foi 20% maior do que o registrado no ano anterior. A renovação prevê o aporte de R$ 13,8 bilhões em toda malha, sendo que cerca de 35% desse valor deverá ser aplicado ao Corredor Centro-Sudeste, do qual faz parte o Estado de Goiás. Os recursos serão direcionados para melhorias na linha e aquisição de ativos.

Com relação ao PLS 261/2018 (Marco das Ferrovias), a VLI avalia como positivo esse movimento e o fortalecimento da infraestrutura ferroviária do país.

Relógio da Estação Ferroviária de Goiânia. Foto: Samuel Straioto

História

A antiga Estrada de Ferro de Goyaz, atual ferrovia Centro Atlântica começou a ser construída em 1909, saindo de Araguari (MG) partindo para território goiano, com as obras dos primeiros trilhos em Goiás sendo concluída em 27 de maio de 1912, a partir da construção da ponte Engenheiro Bethout, sobre o Rio Paranaíba, na divisa de Minas e Goiás.

A ferrovia chegou a Anápolis em 1935, e havia a intenção de levá-la a Cidade de Goiás, mas com a construção de Goiânia, houve a modificação do projeto, com a construção de um ramal entre Leopoldo de Bulhões e a nova capital.

Os trens operaram em Goiânia entre o início da década de 1950 até a década de 1980, quando houve a retirada do polo ferroviário para construção da nova Rodoviária de Goiânia. O terminal ferroviário foi levado para Senador Canedo e atualmente está completamente abandonado. Hoje o leito ferroviário na capital foi tomado pela Avenida Leste Oeste.