A conquista da casa própria sempre foi um dos maiores símbolos de estabilidade financeira e independência para os brasileiros. Mas será que esse desejo ainda é o mesmo entre os jovens da geração Z? Com um mercado de trabalho instável, um custo de vida elevado e mudanças significativas nos valores e prioridades, os jovens de hoje encaram a moradia própria de uma forma diferente das gerações passadas.
Em uma discussão no programa Pauta 1 do Sistema Sagres, a especialista e doutora em comportamento geracional, Thaís Giuliani, explicou como o contexto histórico e social influencia a mentalidade da geração Z. “Eles nasceram entre 1995 e 2010, já imersos na era digital, o que molda sua forma de ver o mundo e suas prioridades. Essa geração valoriza experiências muito mais do que bens materiais”, analisou.
Para Giuliani, fatores como a instabilidade econômica e o imediatismo provocado pela tecnologia fazem com que muitos jovens vejam a compra de um imóvel como algo distante ou até mesmo desnecessário. “Diferente das gerações anteriores, que cresceram com a ideia de que era fundamental ter uma casa própria, a geração Z questiona se vale a pena investir tanto dinheiro nisso quando existem outras possibilidades, como alugar e investir em outras áreas”, afirmou.
Economia e a cultura familiar
A decisão de comprar ou não um imóvel também está atrelada ao ambiente econômico no qual cada geração cresceu. Embora os desafios econômicos e as mudanças nas prioridades tenham impactado o desejo da casa própria, Thaís Giuliani destaca que esse sonho ainda existe entre os jovens, mas com novos significados.
“A geração Z vive um dilema entre querer e poder. Muitos gostariam de ter um imóvel, mas sentem que o cenário econômico não favorece esse objetivo. Além disso, o desejo de mobilidade e a busca por qualidade de vida fazem com que, para alguns, a estabilidade de um imóvel próprio pareça mais uma limitação do que uma conquista”, explicou.
A especialista também ressaltou que a ansiedade e a busca por resultados imediatos, características dessa geração, influenciam suas decisões. “A internet trouxe tudo para a palma da mão, tornando essa geração muito mais imediatista. Construir um patrimônio, no entanto, exige tempo e paciência, o que pode ser um grande desafio para eles”, analisou.
Mudança de mentalidade e oportunidades de mercado impulsionam setor
Em meio às incertezas econômicas e ao aumento dos preços dos imóveis, um dado chama atenção: Goiás lidera o ranking de compra de imóveis por jovens de 18 a 30 anos no Brasil. De acordo com a construtora MRV, 63% dos compradores da empresa pertencem a essa faixa etária.
Mas o que explica esse fenômeno? O gerente comercial da MRV em Goiás, Paulo Passos, trouxe respostas no Pauta 1. De acordo com ele, a ideia de que jovens priorizam viagens e experiências sobre a compra de um imóvel está ultrapassada.
“A gente está numa geração que se preocupa mais com o amanhã, com questões de necessidades básicas”, explica Paulo Passos. Segundo ele, o sonho da casa própria ainda é uma realidade, mas agora os jovens buscam algo que combine qualidade e acessibilidade financeira.
A pandemia também teve um papel importante nessa mudança de mentalidade. “O imóvel não era tão importante assim. Depois da pandemia, as pessoas começaram a perceber que ter um lar adequado faz diferença”, destaca Passos. Segundo ele, durante o lockdown, a MRV temia um aumento no cancelamento de vendas, mas ocorreu o contrário: a demanda cresceu significativamente.
O desafio do alto custo e as soluções do mercado
O aumento no preço dos imóveis é uma das principais dificuldades para os jovens que querem sair do aluguel. “As pessoas dizem: ‘Bem na minha vez, o imóvel ficou mais caro’. Mas a verdade é que o imóvel sempre vai valorizar”, afirma Passos. Para ele, a estratégia é encontrar formas de facilitar a compra e mostrar que o investimento compensa a longo prazo.
De acordo com ele, existem opções que permitem a aquisição do primeiro imóvel com um sinal a partir de R$ 200. “Hoje, no cinema você gasta isso, mas também pode dar entrada no seu imóvel”, compara o gerente. Além disso, programas como o Minha Casa Minha Vida oferecem taxas de juros mais baixas e subsídios que tornam a compra mais viável.
Outro fator que tem atraído os jovens é a possibilidade de transformar o primeiro imóvel em um investimento. “Tem cliente que compra para alugar. Já atendi pessoas que conseguiram um financiamento com parcela de R$ 900 e alugaram o apartamento por R$ 1.500. No final, o aluguel paga a compra do imóvel e ainda sobra um lucro”, explica Passos.
O novo perfil do comprador jovem
O comportamento dos jovens compradores mudou. Se antes a prioridade era apenas ter um imóvel, hoje há uma preocupação maior com localização e infraestrutura. “O jovem quer algo que caiba no orçamento, mas sem abrir mão da qualidade. Ele busca imóveis bem localizados, perto do trabalho, da família, e com áreas de lazer”, detalha Passos.
Além disso, a jornada de compra se modernizou. “Antes, o cliente vinha até nós em busca de informação. Agora, ele já chega sabendo de tudo, pois pesquisou na internet. Por isso, nós, enquanto construtora, precisamos estar preparados para esse novo consumidor”, afirma o gerente.
O atendimento digital, com videochamadas e visitas virtuais, se tornou essencial para atender a esse público mais conectado. O alto número de jovens comprando imóveis em Goiás tem explicações. Além da valorização acelerada da capital, Goiânia vem se consolidando como um polo de crescimento. “Hoje, Goiânia está no centro das atenções. O mercado imobiliário tem respondido a essa demanda e muitos jovens perceberam que esta é uma oportunidade de investimento”, analisa Passos.
A tendência é que o número de jovens comprando imóveis continue crescendo nos próximos anos, impulsionado por novas facilidades de crédito e um mercado cada vez mais adaptado às necessidades dessa geração. Enquanto isso, para quem ainda está na dúvida, o gerente da MRV deixa um conselho: “Não sofra pelo imóvel que não comprou no passado. Daqui a cinco ou dez anos, você vai olhar para trás e perceber que fez um ótimo negócio”.
Mudança de mentalidade
Também em entrevista ao Pauta 1, o planejador financeiro João Gondim explicou como os jovens podem – e devem – planejar a compra de um imóvel, sem cair na armadilha da pressa e da ansiedade. De acordo com ele, a forma como cada geração encara o dinheiro e os bens materiais mudou significativamente nas últimas décadas.
“A geração X foi marcada pelo esforço e pela busca pela estabilidade financeira. Seus filhos, a geração Y, herdaram a ideia de que o trabalho árduo e a acumulação patrimonial são sinônimos de sucesso”, explicou. Já a geração Z, nascida a partir de 1995, vê o dinheiro de outra maneira.
Para muitos jovens, a posse de bens materiais não é o principal objetivo, mas sim o acesso a experiências e qualidade de vida. “Hoje, é muito mais comum vermos jovens optando por alugar um imóvel ou um carro em vez de comprá-los, porque o foco está no usufruto, e não na posse”, disse Gondim.
Casa própria ainda vale a pena?
A decisão entre comprar ou alugar um imóvel, segundo o especialista, não deve ser apenas financeira, mas também baseada no momento de vida da pessoa. “Se um jovem de 22 ou 23 anos recém-formado me pergunta se deve comprar um imóvel, eu diria que não faz muito sentido. O mundo ainda está se abrindo para ele, e as oportunidades podem levá-lo para outra cidade, estado ou até país”, ponderou.
Por outro lado, quando há mais estabilidade – como um emprego consolidado, casamento ou planos de ter filhos – o cenário muda. “A partir do momento em que a pessoa já criou raízes e tem clareza do que quer para os próximos anos, faz todo sentido pensar na compra de um imóvel”, afirmou.
Uma característica marcante da geração Z é a urgência em conquistar seus objetivos. Segundo Gondim, isso pode ser um grande problema. “A geração Z trabalha e quer crescer rápido. Mas o principal erro é a pressa, a ansiedade em querer tudo para ontem”, alertou.
Ele comparou esse comportamento ao uso de um carro: “Se você abastece um veículo que tem autonomia para 500 km, mas dirige só na primeira marcha, ele não vai rodar nem 100 km. O mesmo acontece com quem coloca intensidade excessiva sem planejamento: chega um momento em que a energia acaba e vem o desespero.”
Planejamento financeiro: quando e como começar?
Para Gondim, a chave para tomar boas decisões financeiras é o autoconhecimento e o tempo. “Até os 25 anos, o ideal é testar a vida, experimentar diferentes possibilidades antes de criar amarras financeiras”, aconselhou. Ele também destacou a importância de uma visão de longo prazo.
“O jovem deve se perguntar: ‘Onde me vejo em dez anos? Com que tipo de trabalho? Em que cidade? Quero casar, ter filhos?’ Mas sem confiar cegamente nas próprias respostas, porque nessa idade ainda há muita incerteza”, alertou. Não existe uma idade certa para investir na casa própria, mas Gondim sugere que a decisão seja tomada quando houver maior clareza sobre os planos de vida.
“Tem gente que, aos 30 anos, ainda mora com os pais e não vê necessidade de sair. Outros, aos 25, já querem independência total. O importante é que, antes de mobilizar um grande capital, o jovem tenha uma visão mais definida sobre seu futuro”, explicou.
Para aqueles que já estão mais estruturados, a recomendação é criar um planejamento financeiro sólido. “A compra de um imóvel é a segunda maior acumulação patrimonial na vida de uma pessoa, atrás apenas da aposentadoria. Não dá para encarar essa decisão com pressa e ansiedade. Tempo e comportamento são as chaves para o sucesso financeiro”, concluiu.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 08 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico
Leia também: