Gilson Ipaxi’awyga Tapirapé, do povo Apyãwa (Tapirapé – MT), foi estudante de graduação, especialização, mestrado, atuou como professor convidado, é doutorando e agora é também professor efetivo da Universidade Federal de Goiás. No dia 13 de fevereiro de 2023, no Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena, ele tornou-se o primeiro professor indígena a tomar posse na UFG.

A posse de um professor é um ato administrativo, numa sala. Mas, explicou a reitora Angelita Pereira de Lima, “a UFG jamais poderia deixar de dar a esse momento a visibilidade e importância merecidas”. Então, a cerimônia de posse pública contou com a presença da família e outros convidados na assinatura do Termo de Posse. Com a Portaria de Nomeação para a carreira Magistério Superior, ele agora é professor do Núcleo Takinahakỹ de Educação Intercultural.

A vida estudantil do docente começou na comunidade Apyãwa, que é o povo Tapirapé. Gilson concluiu o ensino fundamental e o ensino médio na Escola Indígena Estadual Tapi’itãwa – para onde retornou como professor e exerceu a função de diretor em 2016 e 2017. Pelo que sabe, diz ele, não existe universidade indígena em nenhum lugar do Brasil, então precisou sair da aldeia para continuar os estudos. O resultado do caminho que iniciou em 2007 segue dando frutos em sua vida, o mais recente, sua nomeação como professor efetivo da UFG.

Professor indígena

Gilson Ipaxi’awyga Tapirapé discursa no dia da posse (Foto: Carlos Siqueira)

“Faz um bom tempo que eu respondo essa pergunta”, contou Gilson sobre o que representa para ele ser o primeiro professor indígena a tomar posse na UFG. “E toda vez eu digo que ser professor indígena ou ser o primeiro professor indígena na universidade representa grandiosamente uma conquista do espaço para nós povos indígenas, vistos como povos minoritários”, afirmou.

Segundo o professor, os indígenas são vistos como “incapazes nesse mercado de trabalho”, e que sua chegada nesse espaço contribui para quebrar essa imagem. “A partir do momento que eu entrei na universidade, além de ser uma conquista, foi uma quebra de visões e estereótipos dos povos indígenas, uma vez que somos vistos de forma preconceituosa pelas pessoas que não conhecem quais são as nossas lutas e se nós estudamos ou não. Representa tudo isso”, disse.

Gilson ingressou na primeira turma do Curso de Educação Intercultural da UFG em 2007. Estava concluindo o ensino médio na época, quando soube que os gestores da Escola Indígena Estadual Tapi’itãwa inscreveram todos os concluintes do ensino médio no vestibular e, então, foi fazer a prova em Palmas (TO). Gilson passou, concluiu a graduação na área de Ciências da Linguagem em cinco anos e ingressou na primeira edição da especialização em Educação Intercultural e Transdisciplinar: Gestão Pedagógica, que finalizou em 2015.

Linguagem

O professor Gilson com a família no dia da posse na UFG (Foto: Carlos Siqueira)

Seguiu os estudos com o mestrado e desde 2020 é mestre em Letras e Linguística. Já são, assim, 16 anos acadêmicos na UFG dedicados a estudar a área da Educação Intercultural, caminho que decidiu trilhar depois que entrou no Curso de Educação Intercultural.

“Nada é fragmentado quando olhamos para a língua como o mundo e não apenas como um sistema de comunicação. Desde 2007 eu olho para a linguagem dessa forma. Então, antigamente eu era apaixonado pela antropologia, só que aprendi que é a língua que carrega todos os conhecimentos. Então, assim, se uma língua perde, perde os conhecimentos, perde os saberes, por isso escolhi Ciências da Linguagem ”.   

Gilson segue trabalhando com a linguagem agora no doutorado. O professor trabalha epistemologias indígenas, na qual discute conhecimentos e línguas ao mesmo tempo. “Sempre que discuto conhecimentos discuto a língua porque sempre caminham juntos do meu ponto de vista”.

A proposta da tese do docente é que os povos indígenas conheçam através do estudo dele a importância das linguagens, conhecimentos e línguas, que comportam o saber. “Nunca na vida pensei em ser professor da universidade. A minha ideia era sempre atuar na escola do meu povo e lutar pela vida linguística e cultural do meu povo. Então, estando aqui, eu vou fazer de tudo para que de alguma forma, através do meu estudo, a minha colaboração chegue também no espaço da minha comunidade, tanto aqui quanto lá, a minha luta vai ser isso”, contou.

Apresentação Xavante no I Simpósio do Centro-Oeste de Etnobiologia e Etnoecologia na UFG, em agosto de 2019 (Foto: Carlos Siqueira)

Educação Intercultural

Um dia de aula no curso de Educação Intercultural (Foto: Secom UFG)

O Curso de Educação Intercultural articulado por lideranças e professores indígenas em meados de 2005, concretizado no final de 2006 e teve sua primeira turma em 2007. A ideia do projeto é a confluência entre dois mundos: o indígena e o não indígena.

“A Educação Intercultural é pensada para formar estudantes indígenas conforme as suas realidades e o modo como eles querem participar de uma sociedade não indígena. Então, a Educação Intercultural trabalha com conhecimentos indígenas e conhecimentos não indígenas para colaborar com a vitalidade dos seus saberes”, explicou.

Gilson contou que as escolas trabalhavam conteúdos de línguas indígenas até o quinto ano só para alfabetizar crianças indígenas. No entanto, dali em diante estudavam somente o português. “Tinha essa estratégia de trabalhar línguas indígenas no primeiro momento, mas hoje a língua índigena permanece até o ensino médio”, destacou.

O Curso de Educação Intercultural segue o princípio de que os alunos receberão as duas formações. No caso, a formação se dá aos professores indígenas que atuam nas escolas das aldeias, que a partir de então se adequam tanto aos conhecimentos indígenas quanto aos não-indígenas.

Núcleo Takinahakỹ

O curso da Faculdade de Letras é ministrado no Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena, espaço físico de formação de professores indígenas. Desde que foi inaugurado em 2014 o local promove também a visibilidade indígena na universidade.

“O espaço traz a oportunidade dos professores que ingressam perceberem a situação real da vida linguística e cultural. Então, ele não discute só saberes científicos dos teóricos reconhecidos mundialmente, mas também os saberes indígenas Nesse sentido, o núcleo é muito mais que um espaço acadêmico uma vez que discute a cosmologia, a cosmovisão dos povos indígenas, a vida e a harmonia da humanidade com a natureza”, contou o docente.

Vista panorâmica do Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena (Foto: Carlos Siqueira)

Gilson Ipaxi’awyga Tapirapé afirmou que a formação de professores indígenas é importante para a construção de uma nova educação escolar nas aldeias, pois reaproxima os povos indígenas de seus saberes próprios. Assim, analisou o professor, o Núcleo Takinahakỹ é um espaço valioso para as culturas indígenas na UFG e fora da universidade.

“A gente não trabalha com visão disciplinar que muitas vezes faz com que os estudantes indígenas se afastem dos seus saberes. A educação com princípio disciplinar é contrária ao que nós indígenas ensinamos dentro das nossas aldeias. Então, o princípio que a Educação Intercultural traz no Núcleo Takinahakỹ busca quebrar a metodologia eurocêntrica ou brancocêntrica, na qual os conhecimentos são fragmentos e os conhecimentos indígenas não são dessa forma. Então busca quebrar a colonialidade”, contou.

Leia mais: