Na quarta-feira (26), a representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil divulgou a publicação intitulada “Liderança escolar: diretores como fatores-chave para a transformação da educação no Brasil”. Segundo o documento, a liderança dos diretores escolares é o segundo fator mais importante para a melhoria da educação no país, ficando atrás apenas da atuação dos professores dentro das salas de aula.

Para comemorar o Dia da Educação, celebrado em 28 de abril, a Unesco no Brasil lançou a publicação online com a participação de dez acadêmicos brasileiros e estrangeiros envolvidos no desenvolvimento da educação.

A diretora da Unesco no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto, afirmou que a publicação visa contribuir para garantir uma “educação inclusiva, equitativa e de qualidade”, conforme o quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata da Educação de Qualidade.

“Reconhecemos o papel da boa liderança escolar como uma poderosa força capaz de transformar a qualidade de educação e de influenciar de maneira positiva o trabalho coletivo que se realiza diariamente na educação básica. Mais do que nunca, que precisamos de mentes críticas para tempos que também são críticos”, disse a diretora da Unesco.

Estudo

Realizada por 15 especialistas de nove países, incluindo Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos, Israel, México, Nova Zelândia e Inglaterra, a pesquisa “Liderança escolar” é organizada em 12 capítulos que abordam temas como padrões de liderança, recrutamento de diretores, programas de aprendizagem e desenvolvimento de liderança.

Segundo a professora brasileira Lara Simielli, uma das autoras da pesquisa e membro do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os diretores escolares foram o foco de apenas 6% dos 700 artigos sobre gestão escolar publicados em todo o mundo desde 1989, indicando a necessidade de novos estudos na área.

Em relação ao Brasil, a pesquisadora ressaltou a existência de muitos levantamentos nacionais sobre gestão participativa nas escolas como um ponto positivo. “É um amplo repertório de pesquisas que embasam o desenho de leis projetos ou práticas que são voltados à garantia de uma escola mais democrática no país”, destaca Simielli.

Apesar disso, Lara Simielli observou que o Brasil tem uma quantidade limitada de artigos publicados em revistas internacionais de pesquisa, mesmo em comparação com outros estudiosos latino-americanos. Segundo ela, nos últimos seis anos, apenas cinco publicações foram registradas, o que é considerado insuficiente.

Liderança

Durante a apresentação da pesquisa, a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Katia Schweickardt, que participou como convidada da Unesco, destacou que cerca de 43% dos diretores escolares não são selecionados com base em suas habilidades técnicas, mas sim por meio de indicações políticas.

Schweickardt também abordou a questão da seleção e recrutamento dos melhores candidatos para a posição e compartilhou sua experiência como gestora municipal de Educação de Manaus, no Amazonas, onde gerenciava mais de 500 diretores. Durante sua gestão, ela desenvolveu uma fórmula de sucesso para trabalhar com novos gestores. “Equilibrar as indicações políticas com a formação técnica e seleção de pessoas, que, depois, passariam por uma validação da comunidade”, afirmou.

O professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, José Henrique Paim, que também já atuou como ministro da Educação, enfatizou a importância do empoderamento dos gestores, além das questões administrativas, durante a apresentação da pesquisa.

“Muitas vezes, subestimamos a responsabilidade deles de fazer o acompanhamento da aprendizagem e de criar uma cultura de acompanhamento dentro da escola. E a gente sabe que essas são características fundamentais para que a gente possa mudar a educação do país”, argumentou.

De maneira geral, Henrique Paim acredita que a importância da educação foi reconhecida no contexto da pandemia da Covid-19, especialmente após a reabertura das instituições de ensino. “A escola é importante para convivência, socialização do conhecimento, não só para questão cognitiva, de aprendizagem. Mas para a gente se preocupar cada vez mais com a questão dos direitos humanos, da democracia e valores importantes para nossa sociedade”.

Na prática

Durante o lançamento da pesquisa, a autora Lara Simielli convidou duas secretarias de Educação para relatar as experiências locais sobre o tema. A secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira, considerou o estudo da Unesco válido para auxiliar na formação dos diretores. A secretária estadual ofereceu para futuros estudos acadêmicos, a atual ação de formação com gestores escolares gaúchos.

Segundo Raquel Teixeira, no estado, um curso de formação individualizada de gestores, com 375 horas, já foi oferecido a mais de 6,2 mil gestores escolares, com pagamento de bolsa formação de R$ 800 aos diretores e R$ 500, aos vices. Os diretores tiveram desenvolvidas competências e habilidades em pedagogia, administração financeira, política institucional e relacionamento pessoal.

Já a secretaria municipal de Educação de Vitória, no Espírito Santo, Juliana Rohsner, responsável por 103 escolas e 42 mil estudantes, defendeu a valorização do gestor escolar para garantir o direito ao aprendizado e ao saber. “O gestor escolar tem impacto na aprendizagem das nossas crianças, impacto no espaço acolhedor que não naturalize a violência, o racismo, não permita o bullying, a homofobia e nenhum tipo de violência ou fala que cause sofrimento a alguém. O gestor escolar, amparado de forma técnica, vai conseguir ajustar esses conflitos”.

Desafios

Em entrevista à Agência Brasil, o gerente de Políticas Educacionais da organização civil Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, confirmou a responsabilidade da liderança escolar no aprendizado e rendimento dos estudantes e na gestão da infraestrutura das unidades.

“Os gestores escolares vão cuidar tanto da parte pedagógica, como definir a alocação de professores, ajudar nos processos formativos, mas também vão olhar para as questões administrativas, burocráticas e financeiras da escola. Então, é um profissional que cumpre um papel fundamental na educação brasileira”, disse.

Ivan Gontijo enfatizou que os processos de seleção para a gestão escolar devem avaliar as competências técnicas dos candidatos, no lugar de indicações políticas. “Os processos seletivos qualificados olham para as competências técnicas dos diretores, por meio de provas, entrevistas, dinâmicas de grupo e, também, para capacidade dos diretores em liderar pedagogicamente as escolas”, defendeu.

Após a indicação do novo diretor, outro desafio é a formação para gestão escolar, apontou o gerente do Todos Pela Educação. “Normalmente, um professor passa para a gestão escolar. Mas, não necessariamente, um bom professor vai ser um bom diretor. As vezes, você não ganha um bom diretor e, ainda, perde um ótimo professor, porque são competências muito diferentes”.

Ivan Gontijo aconselha os líderes escolares a se apropriarem de toda a gestão, em suas múltiplas dimensões. “O diretor não é um síndico. A escola tem a cara dele. Então, precisa ter esse papel de liderança pedagógica, ser o principal líder dos processos pedagógicos da escola. Será ele quem vai engajar os professores, fazer a gestão dos funcionários, vai lidar com as famílias, vai ser o elo com a secretaria [de Educação]. Então, não pode achar que o diretor, nesta função super dimensional e complexa, deve ser só o síndico”.

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