Marielle Franco, socióloga com mestrado em Administração Pública, eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro pelo PSOL, com 46.502 votos. Porém, Marielle representava mais que sua formação e cargo político; mãe, mulher, negra, tinha um longo histórico de ativismo pelos direitos das mulheres negras e pessoas de comunidade.

Cinco anos após seu assassinato, a ativista tem sua trajetória de vida narrada na áudio série “Marielle: Uma Biografia”, escrita pela jornalista Audrey Furlaneto. A obra, que será lançada no dia 30 de março, reúne histórias da vereadora que se tornou um símbolo de resistência, luta por justiça social e pelos direitos humanos no país. Marielle foi a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro em 2016 e teve o mandato abreviado por uma execução cruel, em 14 de março de 2018.

De acordo com a jornalista e escritora da áudio série, Audrey Furlaneto, a produção desse material, que levou cerca de um ano, procurou e ouviu as pessoas que fizeram parte da vida de Marielle Franco. A escuta começou pela família e continuou passando pelas amigas e colegas de trabalho da ativista.

“Fizemos um longo trabalho de pesquisa para contar da melhor forma possível as histórias que compõem a vida de Marielle. Nosso objetivo é falar disso, de vida, da história dela e não da morte e do assassinato brutal que segue sem solução. Para que esse objetivo seja alcançado é preciso saber questões fundamentais, como o que estava acontecendo no Complexo da Maré enquanto ela crescia nos anos 90 e até como os pais dela chegaram no Rio de Janeiro nos anos 50”, explica.

Construção da biografia

O Bairro da Maré, criado em 1994, compreende um conjunto de 17 comunidades. A região margeia a Baía de Guanabara e está localizada entre importantes vias rodoviárias que cortam a cidade do Rio de Janeiro. Marielle nasceu e cresceu nessa comunidade, no subúrbio carioca, e se apresentava com orgulho como “cria da Maré”.

Para conseguir informações sobre a vida de Marielle, para construção da biografia, o trabalho de pesquisa e a escuta de pessoas que participaram da vida, luta e conquistas da parlamentar são fundamentais.

“Nós vasculhamos jornais antigos e entrevistamos historiadores para compor essa produção. Toda a trajetória de resistência que nós vemos e o símbolo que Marielle se tornou começou a partir das vivências dela. De como ela foi criada e em que contexto ela cresceu.  Para entender como Marielle virou essa potência precisamos entender a fundo todas as áreas da vida dela. Das ancestrais paraibanas ao curso de Ciências Sociais na PUC. Tentei construir a partir das histórias que foram contadas e de muita pesquisa a vida desse símbolo de luta e defesa dos direitos humanos. Da mulher e LGBTQIAPN+, que também era filha, neta, esposa e amiga”, conclui.

Quatro vozes

Para celebrar a diversidade feminina e explicitar a vida de Marielle Franco como mulher, filha, irmã, companheira, mãe e amiga, a história será contada por quatro vozes. As atrizes Dira Paes, Gabriela Loran e Verônica Bomfim e a cantora e compositora Zélia Duncan. Os ouvintes poderão escolher uma das quatro versões de narração disponíveis ou mesclar os episódios para ouvir a narrativa em todas as vozes.

A atriz e apresentadora Dira Paes conta que durante as gravações de cada capítulo imaginava o que Marielle estava sentindo, pensando e o que fazia com que ela escolhesse os caminhos que estava tomando.

“Ao longo dos capítulos foram muitas emoções e sentimentos profundos. São questões sociais, culturais, existenciais e antropológicas. Marielle finca uma bandeira na mudança para que não haja nenhum retrocesso. É uma biografia que te leva a entender mais do Brasil e da situação política e social de quem faz parte de uma comunidade, sob a ótica de uma mulher lésbica e negra” pontua.

Processo para a gravação

Ainda de acordo com a atriz, o processo para a gravação da áudio série foi gradual, um capítulo por semana, até que os 10 estivessem prontos. Isso, segundo ela, contribuiu bastante para a qualidade do material.

“Em muitos momentos foi preciso engolir seco para continuar o próximo parágrafo. Precisei parar algumas vezes, beber água e respirar fundo. Fiquei muito feliz em participar desse processo e espero que de alguma forma, minha voz, traduza a riqueza e a pluralidade desses sentimentos que sugiram durante a leitura”, ressalta.

A produtora de conteúdo digital e atriz, Gabriela Lohan, conta que assim que recebeu o convite para dar voz a história de Marielle começou a se autossabotar.

“Eu não tenho medo de falar que esse foi o maior desafio da minha vida. Tive um trauma com leitura na minha infância e o teatro ajudou bastante no meu processo de cura. Mas apesar disso essa é a primeira vez que seria apenas a minha voz. Foi nesse momento que eu comecei duvidar de mim”, conta.

Gabriela lembra que enquanto estava em um momento de decisão, sobre aceitar ou não o convite acabou passando de carro em frente ao local em que Marielle foi assassinada.

“Eu estava distraída, com os meus pensamentos, e de repente comecei a ver imagens da Marielle nos muros e isso foi uma virada de chave na minha cabeça. Comecei a me questionar por qual motivo eu precisei passar por aquele lugar e ver aqueles desenhos para entender que minha voz deveria estar ali”, lembra.

Busca pela igualdade de gênero

Uma das bandeiras que Marielle levantava diz respeito ao debate de gênero e sexualidade. Essa questão é importante pois os ganhos relacionados aos direitos das mulheres (sexuais, reprodutivos e direito a vida) e pessoas LGBTQIAPN+ brasileiras, são recentes e frágeis. Com isso, a luta pela manutenção desses direitos  precisa ser constante.

A ativista foi uma das parlamentares que mais mencionou mulheres trans no seu discurso. Marielle defendia que feminismo que não abraça mulheres trans não é feminismo. “Foi assim que entendi que ela lutava para que minha voz também fosse ouvida. Eu sou uma mulher trans, tenho uma história até aqui e preciso ser ouvida. Fui convocada para participar desse projeto. Eu precisava estar ali”, diz a atriz.

Gabriela ainda afirma que as pessoas precisam conhecer de fato a história de Marielle.

“A gente conhece o que está nos holofotes e as vezes é mostrado de uma forma cruel, de um ângulo distorcido. Mas quem foi Marielle? Quem era a família dela? Quem eram seus antepassados? O que era ser uma mulher lésbica dentro de uma favela? Por que a ela chegou aonde chegou? Através dessa história eu entendi que eu vou chegar aonde eu quero, que eu não vou me silenciar e que se eu estou nesse mundo é para fazer a diferença”, exclama.

Um projeto lindo e desafiador

A cantora, compositora, escritora e atriz, Verônica Bomfim, se emocionou ao falar do projeto, que para ela foi algo lindo e desafiador.

“Primeiramente eu queria dizer que esse é um dos projetos mais importantes da minha vida, ainda mais por me representar como a ativista negra e lésbica que sou. É um projeto que tem uma importância fundamental, Marielle tomou uma proporção gigantesca e sua luta continua sendo a nossa luta”, declara.

Verônica completa lembrando que a vereadora dava visibilidade para diversas causas. “Ela era a voz de todas nós, de uma mulher preta, favelada que acessou uma das maiores universidades do país através de bolsas por ações afirmativas. Narrar esse audiobook é de certa forma poder colocar essa voz em movimento”, frisa.

A cantora, compositora e atriz, Zélia Duncan conta que sempre gostou de ler e que o convite mexeu muito com ela.

“Quando criança eu era a aluna que sempre levantava a mão na hora da leitura, tenho uma intimidade e até uma certa naturalidade com isso. Quando recebi o convite para contar essa história, percebi que era uma grande honra, mas também uma enorme responsabilidade. Tenho a honra de dizer que sou eleitora de Marielle. Me lembro quando eu a vi pela primeira vez, ela tinha uma intensidade diferente me fazendo perceber que meu lugar era lutando pelos direitos de todas as mulheres”, conclui a cantora.

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