Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda do Brasil (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Presidente do Banco Central durante a crise financeira internacional de 2008 e ministro da Fazenda no governo de Temer, o goiano Henrique Meirelles é um dos defensores do aumento de gastos do governo federal para enfrentar a pandemia coronavírus. Atual secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Meirelles estima queda superior a 5% do PIB brasileiro neste ano. Em entrevista à Sagres 730 nesta segunda-feira (27), ele afirmou que aumentar gastos é a melhor alternativa para evitar o colapso da economia. Meirelles citou argumentos do ex-presidente do Banco Central europeu, Mario Draghi, para defender: “Tem de se gastar o que for necessário”.

O ex-ministro, que é um dos defensores da austeridade fiscal, afirmou que o governo deve buscar recursos seja por meio de emissão de títulos do Tesouro para captar recursos no mercado, o que aumenta a dívida pública, ou por meio da expansão da base monetária, popularmente conhecido como emissão de dinheiro.

Nesta entrevista o ex-ministro explica como pode ser feita a emissão de dinheiro por meio do Banco Central, afirma que o risco de aumento de inflação com essa medida é baixo, porque o Brasil já registra deflação, com redução dos preços dos produtos por conta da paralisação da economia, e analisa as medidas já anunciadas pelo governo mitigar os efeitos na pandemia na economia.

O secretário de Fazenda de São Paulo também fez uma defesa veemente do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados e que está à espera de votação no Senado de recomposição do ICMS e do ISS para Estados e municípios. O presidente Jair Bolsonaro discorda do projeto e o considera uma “bomba-fiscal”, mas Meirelles rebate. “É absolutamente necessário. São os Estados que estão na frente do combate à pandemia”. Para ele, dizer que é bomba-fiscal “é falatório político”.

Confira a seguir a íntegra da entrevista.

{source}
<iframe width=”100%” height=”166″ scrolling=”no” frameborder=”no” allow=”autoplay” src=”https://w.soundcloud.com/player/?url=https%3A//api.soundcloud.com/tracks/808203994&color=%23ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&show_teaser=true”></iframe><div style=”font-size: 10px; color: #cccccc;line-break: anywhere;word-break: normal;overflow: hidden;white-space: nowrap;text-overflow: ellipsis; font-family: Interstate,Lucida Grande,Lucida Sans Unicode,Lucida Sans,Garuda,Verdana,Tahoma,sans-serif;font-weight: 100;”><a href=”https://soundcloud.com/sagres730″ title=”Rádio Sagres” target=”_blank” style=”color: #cccccc; text-decoration: none;”>Rádio Sagres</a> · <a href=”https://soundcloud.com/sagres730/manha-sagres-582-entrevista-com-o-secretario-da-fazenda-de-sao-paulo-henrique-meirelles” title=”Manhã Sagres #582: Entrevista com o secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles” target=”_blank” style=”color: #cccccc; text-decoration: none;”>Manhã Sagres #582: Entrevista com o secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles</a></div>
{/source}

 – O sr. defende o aumento das despesas do governo brasileiro com a pandemia (renda emergencial, por exemplo). Por que se o sr. sempre trabalhou pelo controle de gastos públicos?

Continuo firmemente acreditando que o caminho para o Brasil é o controle de gastos, é austeridade fiscal e, certamente, passado esta crise teremos que retornar a uma rígida austeridade fiscal, controle dos gastos e voltar a prevalecer rapidamente o teto de gastos, que foi fundamental para que o Brasil saísse da recessão em 2016/17 e começou a crescer depois depois de ter uma economia praticamente em queda livre. O ponto fundamental agora, no entanto, é que estamos enfrentando uma crise sem precedentes, não só a crise de saúde, onde para proteger a população é necessário que se tome medidas absolutamente necessárias para que a população possa ser protegida, em termos a quarentena e o distanciamento social, isso é fundamental para que as pessoas possam se proteger o melhor possível, isso tem um custo econômico e nós temos que enfrentar.

O custo econômico seria maior se não tivesse essas medidas de prevenção, porque a doença ia se espalhar e nós teríamos uma paralisação muito maior e mais prolongada das atividades. De qualquer maneira temos que tomar as medidas mais fortes e corretas visando proteger a saúde população, a partir daí, nós temos que dar uma assistência as pessoas que deixam de ter rendimento, trabalhadores informais e que tem negócio próprio e não tem condições de gerar rendimento, isso aí o governo precisa de ajudar toda essa parcela da população. É necessário neste momento, que se proteja as empresas e o parque produtivo nacional, no momento em que cair as vendas, as empresas entram em dificuldade e, se não tiver um financiamento para que elas possam pagar da sua folha de pagamento e despesas haverá várias consequências: Demissões de trabalhadores, quebra da empresa, e problemas de ordem tributária. 

É muito importante que o governo não exite em fazer os gastos necessários, isto é, empréstimos através do Banco Central, BNDS, mas também para que seja aprovado no Congresso Nacional a autorização para que o Banco Central do Brasil faça aquilo que é feito pelo Banco Central Americano, pelo Banco Central Europeu e de outros países do mundo onde o Banco Central adquiri créditos ou carteiras de crédito diretamente no mercado. O governo precisa desprender o que for necessário neste momento, para preservar a companhia, preservar a saúde das pessoas, depois socorrer as empresas e viabilizar as medidas que protejam as pessoas e que preservem as empresas. Em função disso nós teremos evidentemente, um volume de gastos elevado nesse período, mas que é fundamental, porque não podemos deixar de verificar que o dever fundamental do Governo é proteger a vida das pessoas, em segundo lugar proteger a econômica brasileira, mesmo que isso custe recursos públicos em uma escala que não seja possível em todos anos. Depois a partir daí, a economia atual da recuperação, atividade voltar ao normal, certamente será a hora de aplicar novamente austeridade fiscal. 

– Qual o limite dessa expansão de gastos? Quanto o governo já gastou e quanto pode gastar? 

Está no meio de um processo, então certamente, vai ter que continuar gastando, mas segundo avaliações, deveria ser suficiente algo acima de R$ 200 bilhões nos gastos específicos com a pandemia, elevando déficit primário do país, próximo a R$ 400 bilhões versos um déficit para o ano previsto em mais de R$ 120 bilhões. Essa é a previsão no momento desses gastos que são necessários e deverão ser feitos. 

– O sr. fala, inclusive, na possibilidade de expansão da base monetária (ou, para ficar mais claro, imprimir dinheiro) para o governo fazer frente às despesas emergências. Queria que o sr. explicasse ao nosso ouvinte o que é “imprimir dinheiro” e se há um limite para isso.

O Banco Central faz isso regularmente, só que em escala menor, porque as empresas estão operando perto da sua capacidade, então o Banco Central faz com muito cuidado e muita precisão. Também faz o contrário, pode diminuir a base monetária, faz uma política contracionista.

Em uma crise como essa, precisa de muito mais. Temos que fazer aquilo que o Banco Central Americano está fazendo, como é que seria isso? O Banco Central tem a capacidade de comprar créditos, vai a um banco compra uma carteira de crédito, esse banco tem espaço portanto para emprestar para outras empresas, ou então, o Banco Central compra título de crédito de companhias, e começa a emprestar diretamente para as companhias. Porque o Banco Central cria a moeda no país, então quando ele, por exemplo, sobe a taxa de juros, sobe o compulsório, ele contraí, diminui a quantidade de moeda em circulação. Quando o Banco Central faz o contrário ele permite um aumento da base monetário e expande a capacidade de compra das empresas.

– O sr. é a favor do projeto que está no Senado de recomposição de ICMS e ISS para Estados e municípios? O sr. defende contrapartida dos Estados para receberem essa ajuda?

Esse é um projeto absolutamente necessário. Estamos falando de uma expansão de gastos de mais de R$ 200 bilhões. Esse projeto pode significar algo como R$ 50 bilhões a R$ 80 bilhões, é uma parcela apenas de um total que o Governo Federal vai gastar. É um exagero político para tentar combater o projeto e na realidade o que significa isso: os Estados que estão na frente do combate à pandemia, estão gastando com hospitais, com leitos, UTI’s, respiradores, além do mais, enquanto existe a pandemia e a quarentena, não é por causa disso pode ser deixar a população à mercê da bandidagem. Então aumenta a despesa de segurança, que tem ser maior ainda. E as despesas normais que continuam, quer dizer, as despesas relacionadas à pandemia sobe e as despesas normais continuam. A arrecadação do Estado cai muito devido à queda atividade, teríamos um colapso nas atividades dos Estados se nada for feito.

Cabe sim uma reposição dessas perdas de arrecadação que os Estados estão tendo, porque se não vai ter um colapso dessas atividades fundamentais para a população. Só que os Estados não podem emitir títulos de dívida neste momento. Só tem uma solução, teremos que ter esses esses recursos promovidos pelo Governo Federal, isto é, que tem a capacidade da emissão da dívida, é um monopólio do Governo Federal no Brasil, ele emite o título e faz o repasse para os governos dos Estados daquilo que perdeu de receitas. É algo absolutamente controlado e de valores extremamente necessários, é aquilo que cada Estado perdeu de receita. O resto, qualquer falatório é guerra política.

– Como o sr. avalia o contexto político para o tratamento econômico e de saúde?

Não há dúvida que existe uma discussão séria, na realidade é mais jurídico do que político, na medida de que é uma decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal. A partir daí pode ou não ter uma questão política, se o Congresso Nacional achar bases para uma ação em relação ao presidente.

Agora nessa crise, a grande ação de combate à pandemia está no governo dos Estados, que eles possam manter suas atividades, seja aprovado esse projeto no Congresso Nacional está no Senado agora, se viabilize a recomposição da receita dos Estados e combatendo a pandemia. Então no momento em que isso acontece, o Banco Central possa cumprir o seu papel fundamental, porque é uma instituição que tem autonomia operacional, portanto, não deve ser envolvido em qualquer questão política, mas a própria ação do Tesouro Nacional.

– O governo de SP conseguiu no STF autorização para suspender o pagamento de suas dívidas, medida que o governo de Goiás já tinha conseguido, porque, de acordo com o governador Caiado, o Estado está em “calamidade fiscal” e é candidato à adesão ao regime de recuperação fiscal, o RRF. SP também está nessa situação e vai aderir ao RRF?

 São duas coisas independentes, juntam-se, mas são independentes. Uma coisa são aqueles Estados que decretaram calamidade financeira, já vieram com a situação financeira muito difícil e que agora piorou e, portanto, estão tendo que recorrer a medidas. Desde medidas estruturais como o plano Mansueto sem discussão no Congresso Nacional, até medidas emergenciais em função da crise. Mesmo que Estados estavam com a situação fiscal absolutamente equilibradas, como São Paulo, com a crise teve uma queda de arrecadação muito forte, então nesse caso, essa queda de arrecadação, os Estados, mesmo equilibrados, precisam de ter compensação para perda de arrecadação para manter as suas atividades.

– O sr. acha que o governo precisa lançar um plano de retomada da economia? E o que acha do plano Pró-Brasil, anunciado na semana passada pelo governo federal?

São duas coisas diferentes, uma que o Brasil vai precisar de um plano para recuperação sim, certamente as empresas vão precisar de financiamento para recuperar suas atividades e crescer. Isso é um plano que vai na raiz da crise, as empresas têm queda de vendas, cai as atividades e vão precisar de financiamento para se manter e depois de financiamento para retomada de atividades, isso aí é uma coisa. Outra coisa é dizer o seguinte, além disso nós vamos fazer obra pública, e aí é outra história. Vem uma questão de saber se isso é necessário, se de fato vai ajudar, porque uma coisa é obra pública concessão no setor privado, outra coisa é obra pública de gastos diretos do Governo Federal.

Eu acho que tem uma questão fundamental, não há dúvida de que o Brasil vai precisar de injetar recursos públicos para recuperar a economia. Se além disso vai ter que fazer obras públicas para ajudar as empresas a criar emprego, aí é uma outra questão, que é de fato quando isso foi feito no governo da Dilma isso não deu certo. Então é algo muito mais questionável, porque vai depender de eficiência, da contratação, do controle, do Governo, é uma questão bem mais difícil de execução. Agora financiamento direto, através de sistema financeiro do Banco Central direto para a recuperação das atividades por parte do sistema produtivo nacional, não há dúvida.

– Representantes do setor produtivo (Fieg em Goiás e Fiesp, em São Paulo) estão defendendo o fim do isolamento. É hora de abrir?

Eu acho que está na hora, São Paulo marcou para a partir do dia 11, mas isso não quer dizer que nesta data vai abrir tudo. Por exemplo, a capital de São Paulo e a metrópole não vai ser aberta no início, vai começar por cidades do interior que tenham leitos disponíveis e queda na taxa de contaminação de novos casos. Tudo isso vai devagar, isto é, cidades que de fato tem condições objetivas, é isso tem que ser medido de uma forma precisa, em cada região.

Quer saber mais sobre o coronavírus? Clique aqui e acompanhe todas as notícias, tire as suas dúvidas e confira como se proteger da doença