Mulheres protestaram em diversas cidades do país nesta segunda-feira (13) contra trecho da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181/2015 que pode abrir a possibilidade de proibir todas as formas de aborto no país, inclusive dos casos considerados legais. 

A PEC 181 tratava inicialmente somente da ampliação da licença-maternidade para mães com bebês prematuros. Por 18 votos a um, a comissão especial da Câmara que debatia o tema aprovou o parecer do relator, favorável à extensão da licença. No entanto, o relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), acrescentou uma mudança no texto: de que os direitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade da vida e igualdade de todos perante a lei devem ser considerados “desde a concepção”, e não somente após o nascimento. 

Para partidos de oposição e integrantes do movimento femininista a mudança foi uma manobra das bancadas evangélica e católica para reforçar a proibição do aborto no país. Atualmente, o aborto é permitido quando há risco à vida da gestante, se a gravidez for resultado de estupro ou de feto anencéfalo.

A proposta irá para análise no plenário da Câmara dos Deputados. 

São Paulo

Na capital paulista, a passeata ocorre na Avenida Paulista. Desde as 18h, manifestantes, majoritariamente mulheres, começaram a se concentrar no vão-livre do Masp e saíram em caminhada às 19h15. 

Para a aposentada Roseli Flori, a PEC é um retrocesso nos direitos das mulheres. “Temos que defender conquistas que demoramos muito para conseguir. Temos que defender isso para as futuras gerações. Além de ser um retrocesso, ela é uma destruição das conquistas das mulheres nesses anos todos, a partir da década de 60, quando as mulheres queimaram os sutiãs e que nós tomamos consciência de que homens e mulheres são iguais. Eu sou contra todas as formas de opressão feminina”, disse.

“Lutar pelo feminino e esclarecer as futuras gerações é o nosso dever. Eu já não tenho mais idade para gerar um filho, mas as meninas e mulheres que sofrem isso, sofrem estupro, nessa sociedade que está regredindo na sua civilidade, elas são os principais alvos, temos que protegê-las. Poderia ser minha filha, poderia ser minha neta”, afirmou.

Rio de Janeiro

Aos gritos de “O corpo é nosso, é nossa escolha”, mulheres protestam na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. Para o movimento feminista, a mudança constitucional é uma manobra da bancada religiosa que dá margem para criminalizar o aborto em qualquer circunstância.

“Essa manobra para inserir uma alteração na Constituição colocando a inviolabilidade da vida desde a concepção vai afetar diretamente os direitos que temos hoje de aborto legal. Não podemos retroagir nossos direitos a esse ponto”, disse Iara Amora, integrante da Frente Estadual contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.

O movimento feminista apelidou a manobra de “Cavalo de Troia”, em referência ao cavalo de madeira que se tornou símbolo da vitória dos gregos sobre troianos na Guerra de Troia. Isso porque o trecho que abre a possível brecha foi incluído em uma PEC que, originalmente, discutia a ampliação da licença-maternidade para os casos de mães de bebês prematuros.

“Não dá para decidir sobre a vida das mulheres sem ouvir as mulheres, sem a participação ampla das mulheres, sem representação justa dentro do Congresso. Em uma comissão com 19 deputados, só uma era mulher e ela foi a única que votou contra essa barbaridade”, disse Adriana Mota, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, em alusão à deputada Érika Kokay (PT-DF), única que votou contra a PEC na comissão.

Brasília

Dezenas de pessoas se reuniram em frente ao Congresso Nacional com cartazes de apoio à legalização do aborto. “Estupro é crime, aborto é direito”, dizia uma das faixas exibidas. Além do texto que tramita na Câmara, os senadores também podem colocar em votação outra proposta: a PEC 29/2015, que inclui na Constituição o termo “inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”.

Além discursos em megafones, os manifestantes também entoaram palavras de ordem, como “Direito ao nosso povo. Legalizar o aborto”. No gramado, que fica em frente aos prédios da Câmara e do Senado, o grupo, formado pela maioria de mulheres, se reuniu em círculo e cantou uma ciranda, com o refrão: “Companheira, me ajuda, que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor”. Logo depois, se dispersaram.

O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou que propostas com a intenção de restringir o aborto não deverão avançar na Câmara

Opiniões

A proposta divide opiniões entre segmentos da sociedade. Para o coordenador do Movida, movimento de Fortaleza, Fabiano Farias de Medeiros afirma que a PEC não criará uma imposição às mulheres. “A proposta promove um um estado de análise muito mais profundo sobre a vida do bebê. Há, no país, uma tendência ideológica muito forte, que vai acima do direito de vida”, diz. “Cria-se um discurso, uma dicotomia de que estão favorecendo a criança. Não, o Estado tem que dar todo o apoio, para que o estupro não venha a acontecer. Mas, acontecendo, se uma vida foi gerada, não pode ser assassinada. Estupro é hediondo, assassinar uma criança também é terrível”, diz o coordenador, que classificou como arbitrário parecer favorável da Procuradoria-Geral da República para o aborto para grávidas com vírus da Zika. 

Já a defensora pública Letícia Furtado diz ser incontestável a carga de “moralismo de uma sociedade machista. “A gente vive numa sociedade patriarcal, machista, e isso reflete no sistema legislativo e também na questão do aborto. Na hora de tratar uma mulher que passa por uma situação em que entende que o melhor é o aborto, vai ser julgada com base nisso”.

Ela conta que, há alguns meses, representou uma mulher que prestou queixa contra o ex-companheiro que a ofendia verbalmente. “Uma das ofensas era ‘criminosa’, porque ela tinha abortado. De todas as ofensas que proferiu durante a relação, era a que mais mexia com ela. Lembro como isso a magoou. O aborto vem atrelado à muita culpa e muita dor.”

Dados

A Pesquisa Nacional de Aborto 2016, realizada pelo Anis Instituto de Bioética e pela Universidade de Brasília (UnB), aponta que uma em cada cinco mulheres aos 40 anos terá abortado ao menos uma vez. A maior incidência foi observada entre aquelas  com menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, moradoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgados no final de setembro, em todo o mundo foram registrados 55,7 milhões de abortos de 2010 a 2014. Os países em desenvolvimento, conforme o levantamento, concentraram 97% (24,3 milhões) dos 25,1 milhões de abortos inseguros.

Na América Latina, somente quatro dos 21 países permitem o aborto na rede pública de saúde: Chile, Uruguai, Guiana e México.

Da Agência Brasil