O dia 2 de abril, ocorrido na última terça-feira, foi designado pela ONU, em 2008, como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Durante este mês, a cor azul é adotada para destacar esta condição. No Brasil, a escassez de dados atualizados sobre o autismo é evidente, com os últimos registros datando de 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estima que uma em cada 36 crianças menores de 8 anos seja afetada pelo transtorno. Considerando essas estatísticas, estima-se que o Brasil abrigue aproximadamente 6 milhões de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Recentemente, tem havido um aumento de atenção em relação ao diagnóstico tardio. Em conversa com o Sistema Sagres, a neurologista Lanucy Freita de Lima Maia observa que descobrir o autismo em adultos é uma tarefa desafiadora. Ela ressalta que a crescente identificação do autismo em adultos é atribuída ao aprimoramento do conhecimento dos profissionais da área.

“Quando a gente atende uma criança, estamos vendo o desenvolvimento dela. Uma criança quando nasce tem os marcos muito bem definidos, a gente consegue palpar isso melhor. Em um adulto, primeiro que ele, geralmente, nem a família vai lembrar com exatidão como foi o desenvolvimento no primeiro e segundo ano de vida. Além disso, o adulto já vai trazer com ele outras comorbidades, que pode ser uma ansiedade ou depressão, e acaba confundindo os sintomas, o quadro, e isso dificulta no diagnóstico. A gente vai ter que tentar trazer o conhecimento da infância da pessoa e tentar separar o que seria outros transtornos que a pessoa possa apresentar”, explica.

TEA

(Neurologista Lanucy Freita de Lima Maia | Foto: Arquivo pessoal)

Segundo a especialista, o Transtorno do Espectro Autista é um transtorno de neurodesenvolvimento que a pessoa já nasce. Então, a criança pode ter um atraso no desenvolvimento, na fala, uma dificuldade de comunicação, de interação social, ou então a criança não troca olhares com os pais, brinca mais sozinha.

Entretanto, é importante destacar que se trata de um transtorno de neurodesenvolvimento, e não uma doença, apesar de ter um código específico na Classificação Internacional de Doenças (CID).

“A pessoa apenas tem um desenvolvimento diferente do que a maioria das outras pessoas tem. O tratamento existe e é fundamental e importantíssimo que seja iniciado o quanto antes. Basicamente, são terapias, um acompanhamento multidisciplinar com psicóloga, fono, terapia ocupacional, psicopedagogo, que vai fazer abordagens para poder ajudar o cérebro a se desenvolver de uma maneira que a pessoa tenha mais condições de ter uma vida sem sofrimento”, ressalta.

Níveis

O autismo é categorizado em diferentes níveis, indicando o grau de independência do indivíduo. O nível 1 implica em necessidade de pouco suporte, enquanto no nível 2 é requerido um auxílio razoável, e no nível 3 o indivíduo necessita de considerável assistência.

“O nível 3 é aquela pessoa que é não verbal, geralmente tem muita alteração comportamental e precisa de um grande suporte. Ela não pode ficar sozinha nem por poucos minutos, sempre tem que ter uma vigilância. Ela não vai conseguir cuidar da sua higiene, não vai conseguir se alimentar sozinha. Seria o nível mais grave. Claro que essas pessoas os pais vão buscar ajuda porque é um quadro grave. O nível de suporte 2 seria o nível intermediário, em que a pessoa tem uma dificuldade em fazer as coisas sozinha, mas também não é 100% dependente. O nível de suporte 1 seria o nível que a pessoa necessita de menos suporte”, diferencia.

O diagnóstico do nível 1, de acordo com Lanucy, é particularmente complexo. “É mais difícil porque nesse nível, como a pessoa é mais independente e consegue fazer tudo, às vezes as pessoas não percebem que aquelas alterações são transtorno. Ela vai ter dificuldade de comunicação, interação social, de sair da rotina e exercer algumas atividades. As pessoas vão achar que é só o jeito da pessoa e não é nada, mas, na verdade, isso vai trazer um sofrimento muito grande por dentro ao autista”, argumenta.

Lanucy Maia enfatiza que, embora o tratamento do TEA em adultos seja semelhante ao das crianças, sua eficácia é geralmente menor. Ela destaca os sinais a serem observados em adultos com TEA. “Não gostam de ter amigos, não gostam de socializar, de estar no meio da família, de passear, talvez não entende uma piada, uma ironia, leva tudo ao pé da letra, e têm dificuldade e muita resistência de sair da rotina. O autista tem a rotina muito bem definida e, quando precisa sair dela, causa um sofrimento. Às vezes têm muitas manias, considerados tímidos, exigentes, com muitas restrições, não gostar de barulho, ou alguma textura em algum tecido. É importante entender que esses sintomas têm que ser desde a infância, e não começou a ficar assim depois de adulto, porque já não seria do TEA”, destaca.

Autismo x retardo mental

Outro ponto a se diferenciar é o autismo e o retardo mental. Conforme explica a especialista, são várias alterações comportamentais e é muit importante fazer essa diferenciação para poder fazer uma terapia bem direcionada.

“O que vai mudar na diferença do diagnóstico é o tratamento, principalmente com as terapias. Em uma pessoa adulta, não faz tanta diferença porque com nível de suporte 3, por exemplo, dificilmente vai ter evoluções depois de adulto. Agora em uma criança de dois ou três anos faz muita diferença, porque a terapia e o tratamento são diferentes”, afirma.

Na maioria das vezes, os adultos podem ser diagnosticado com autismo no nível de suporte 1, mas isso não impede de se encontrar nos outros dois. “São pessoas que não tinham diagnóstico até o momento. No nível de suporte mais avançado, geralmente os adultos já vão ter algum outro diagnóstico diferente de autismo, porque a família já vai ter buscado alguma ajuda”, destaca.

“Eu mesma já tive um paciente que era nível 3 de suporte e atendi ele por muito tempo. Ele já chegou com o diagnóstico de retardo mental, e depois de muito tempo que fui percebendo que, na verdade, era um Transtorno de Espectro Autista de nível de suporte 3. Essas pessoas que têm o nível de suporte mais avançado já vão ter recebido algum outro diagnóstico às vezes incorreto e fica com ele a vida inteira”, finaliza.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar

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