Está em discussão na Câmara Federal a Medida Provisória 1.045/2021. A MP institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas complementares para o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) no âmbito das relações de trabalho.

Uma parte polêmica da medida diz respeito aos programas de aprendizagem, responsáveis por criar anualmente mais de 400 mil oportunidades para a inserção de adolescentes e jovens no mercado de trabalho.

O relator da MP, deputado Christino Áureo (PP-RJ), incluiu na MP 1.045/2021 o programa chamado Regime Especial de Trabalho Incentivado (Requip).

Na prática, o Requip, descrito no artigo 66 da MP, permitirá a contratação de jovens sem vínculo empregatício ou qualquer benefício, o que permite que os contratos de qualificação profissional sejam contabilizados na cota obrigatória de aprendizagem.

A diretora operacional da Renapsi, Aline Ferreira (Foto: Sagres TV)

A diretora operacional da Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renapsi), Aline Ferreira, vê a Medida Provisória com preocupação.

“Ela tira direitos conquistados pelos adolescentes trabalhadores pelo Brasil como um todo. Então a nossa preocupação é grande frente a MP porque uma simples palavra pode gerar uma situação de colocar em perigo uma política pública tão consolidada como é a aprendizagem profissional no Brasil”, afirma.

Por se tratar de um texto adicionado pelo relator da MP, a proposta para o Requip só entra em vigor se o texto for aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“No Requip o jovem perde essa garantia de um contrato de trabalho assinado, ele deixa de ter a carga horária de formação, passa a diminuir entre 200 e 400 horas a menos do que de um programa de aprendizagem. Ele deixa de ter o que a gente trata como acompanhamento psicossocial, que as entidades fazem, acompanhamento escolar. Há um retrocesso mesmo em relação a garantias desses adolescentes e jovens no mercado de trabalho”, avalia Aline Ferreira.

Reações

Como os parlamentares já voltaram do recesso, o tema pode ser discutido na Casa. Entidades por todo o país já se mobilizam contra a aprovação da MP 1.045/2021.

O colegiado de Fóruns Estaduais e Distrital de Aprendizagem Profissional do Brasil se mobiliza na campanha #EmDefesaDaAprendizagem para a retirada do artigo 66 da MP que permite que o trabalhador contratado seja computado para fins da cota legal de aprendizagem. A entidade já promoveu um ‘tuitaço’ contra a medida.

O deputado federal Túlio Gadêlha (PDT), de Pernambuco, que preside a Frente Parlamentar Mista de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, apresentou emenda para pedir a exclusão do artigo 66 da Medida Provisória 1.045/21, que institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Para o parlamentar, o artigo prevê a contratação de jovens aprendizes sem qualquer direito trabalhista, e segundo o pedetista, tenta precarizar a aprendizagem profissional dos jovens brasileiros.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) distribuiu na última quarta-feira (5), na Câmara dos Deputados, uma nota técnica contrária à aprovação do relatório da Comissão Mista de análise da Medida Provisória 1.045/21, que institui o ‘Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda’.

A entidade pede a exclusão de 63 artigos da MP, descritas do artigo 24 até o artigo 80, e do artigo 86 até o artigo 91.

Para o presidente da Anamatra, Luiz Antônio Colussi, o voto apresentado pelo relator da MP, deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), em vez de avaliar a conversão da MP em lei, busca inserir no ordenamento brasileiro dispositivos que já tinham sido propostos e que foram rejeitados.

O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG) lançou nota pública na qual manifesta preocupação em relação à Medida Provisória. No documento, a “Comissão Permanente da Infância e da Juventude (COPEIJ) e a Comissão Permanente de Educação (COPEDUC), ambas do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), vinculado ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), considerando o debate em curso sobre a Medida Provisória nº 1045/2021, vem, pela presente nota pública, manifestar preocupação e repúdio diante da possibilidade de grave retrocesso no instituto da aprendizagem profissional, política pública de reconhecida importância para a inclusão social de adolescentes e jovens, em especial àqueles em situação de vulnerabilidade social”. 

Para o Conselho, o “Requip se anuncia como uma modalidade de trabalho associada à qualificação profissional, mas ao revés de criar empregos e inclusão produtiva protegida da juventude no mercado de trabalho, a MP irá criar desemprego e trabalho precário avalizado e subsidiado pelo Estado” e “prevê uma pretensa qualificação profissional desvinculada da prática, sem nenhuma sistematização ou conteúdo programático, retirando recursos do Sistema S para tal finalidade, o que trará prejuízos à qualificação e à aprendizagem profissional ministradas com excelência por essas entidades”. 

Unicef

A Lei da Aprendizagem determina que todas as empresas de médio e grande porte contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas funções demandem formação profissional, se tornou um importante mecanismo de inclusão social e econômica para adolescentes e jovens brasileiros.

Para o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em nota divulgada em sua página oficial, “substituir a Lei da Aprendizagem pelo Requip terá como consequência a retirada de oportunidades daqueles adolescentes e jovens que já têm muito pouco e que vão se somar aos milhões que não têm acesso nem ao trabalho, nem à educação”.

Ainda na nota, o Unicef avalia que “uma geração prejudicada pelos impactos da pandemia da covid-19 será mais uma vez excluída das oportunidades de inclusão social e desenvolvimento integral por medidas que vão agravar as graves desigualdades existentes no País” e que por isso “pede que a Câmara dos Deputados rejeite o Artigo 66 do relatório em discussão, mantendo os direitos de adolescentes e jovens ao trabalho decente”.