O Atlântico Sul e a Antártida emergem como cenários estratégicos para abordar questões ambientais e sociais cruciais. No entanto, o desequilíbrio na disponibilidade de dados entre o Atlântico Norte e o Sul representa um desafio significativo.

O lançamento do Programa para o Atlântico Sul e a Antártida (PROASA) pela FAPESP visa mitigar essa disparidade, como destacado durante o evento realizado nos dias 2 e 3 de abril. Inicialmente em parceria com a Argentina e a França, o programa almeja promover uma governança eficaz dos oceanos, reconhecendo o oceano como um sistema sócioecológico complexo.

“São necessários pontos de monitoramento de longo prazo em locais sentinela no Atlântico Sul, que requerem infraestrutura física e capacidade [para operar os instrumentos]”, exemplificou César de Castro Martins, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), durante a abertura do segundo dia de evento.

Tomada de decisões

Cristiana Simão Seixas, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Nepam-Unicamp), ressalta a importância de uma abordagem inclusiva que envolva múltiplos atores na construção do conhecimento necessário para a tomada de decisões.

“É preciso que se faça as coisas de forma diferente, saindo de nossas zonas de conforto e expandindo nossas visões”, pontuou Seixas, uma das organizadoras do livro Governança, Conservação e Desenvolvimento em Territórios Marinhos-Costeiros no Brasil, em entrevista a André Julião da Agência Fapesp.

Para Viviana Alder, pesquisadora do Instituto Antártico Argentino e professora da Universidade de Buenos Aires, a Antártida oferece uma oportunidade única para repensar estratégias de ação, dada sua governança exemplar e sua riqueza em processos ecossistêmicos.

“Numa escala global, é a região menos poluída, com menos de 1% da área afetada, e com espécies invasoras sob controle. Ao mesmo tempo, em 2023 o gelo marinho atingiu os níveis mais baixos já registrados. Isso tem implicações críticas para o clima global”, afirmou.

Economia azul

Enquanto isso, Wagner Valenti, professor do Centro de Aquicultura da Universidade Estadual Paulista (Caunesp), destaca o potencial econômico da chamada “economia azul”, que movimentou US$ 1,5 trilhão em 2022, contrastando com o baixo investimento global em pesquisa marinha.

“No Brasil, essa proporção é 60 vezes menor. Estamos atrás de outros países e precisamos prestar atenção à economia azul”, alertou. Valenti enfatiza oportunidades específicas para o Brasil, como os compostos bioativos derivados de organismos marinhos, aplicáveis em setores farmacêuticos e cosméticos.

“Cada quilo de camarão pescado, por exemplo, gera dez quilos de peixes e invertebrados que morrem e são descartados no oceano. Um grande desperdício. É uma grande quantidade de biomassa da qual podem ser extraídas biomoléculas”, exemplificou.

Exemplificando esse potencial, Luiz Felipe Domingues Passero, professor do Instituto de Biociências da Unesp, Campus do Litoral Paulista, compartilha estudos que identificaram novos compostos em algas com propriedades terapêuticas promissoras, como no caso da Cystoseira baccata, ativa contra parasitas da leishmaniose, e da Laurencia aldingensis, com compostos potenciais contra glioblastomas, apresentando doses mais eficazes do que as terapias tradicionais disponíveis.

“Apesar de a Antártida ser um ambiente biodiverso, poucos estudos foram produzidos ao longo dos anos sobre a sua diversidade molecular. O clima extremo [da região] pode pôr os organismos sob pressão, o que pode trazer classes especiais de compostos”, ressaltou.

Colaborações

No encerramento, o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, lembrou que o novo programa reforça e amplia os laços do Estado de São Paulo e do Brasil com a França. “Estou certo de que a nossa conferência alcançou seus objetivos, que eram principalmente reforçar a colaboração já existente, assim como forjar novas alianças. Foi um forte pontapé inicial e agora começamos a trabalhar juntos”, afirmou.

Alexander Turra, professor do IO-USP e coordenador do PROASA, lembrou que o Brasil está construindo parcerias com a França em diferentes áreas há um longo tempo.

“Essa parceria vai além da ciência, mas deve ser enraizada nela. Ano que vem teremos o ano bilateral Brasil-França, em que vamos fazer coisas importantes juntos. Mas será também o Ano dos Oceanos na França e, no meio de 2025, teremos a Conferência dos Oceanos, em Nice. No fim do ano [que vem] teremos a COP30 em Belém, no Brasil”, lembrou.

O embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, declarou que o lançamento do novo programa “é uma grande iniciativa para proteger a ciência antártica e reforçar a agenda do oceano na região” e que os temas das mudanças climáticas e da proteção da biodiversidade foram questões centrais no encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron na semana anterior.

*Com informações da Agência Fapesp

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 14 – Vida na Água

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