Nesse janeiro de 2023, ocorrem as posses das novas gestões de governos estaduais, distrital e federal. Mas que governos são estes? Por quais agentes políticos estão sendo compostos? Me interessa observar, particularmente, os 51% da população do Brasil e do eleitorado composto por mulheres. Essa parcela de brasileiras será representada por governadoras, ministras e secretárias, por exemplo?

Estudos reforçam a importância de mulheres ocuparem cargos de poder e tomada de decisão. Ao menos 30% delas deveriam ocupar esses cargos para haver de fato diferencial na realidade política. Esse também é ponto reforçado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Eles apresentam os desafios de avanços enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo. Um deles trata da igualdade de gênero, é o ODS 5.

Ter mais mulheres em cargos políticos tem significados diversos, mas destaco dois deles. O primeiro é o de possuirmos vivências diferentes de homens e a apresentarmos pontos de vistas diversos em cargos políticos; como a pobreza menstrual e a necessidade de creches em locais de trabalho. O segundo é a efetividade da democracia. Como há 51% de mulheres e eleitoras no país e elas não estão em espaços de poder? Que democracia representativa é esta?

Foto oficial na cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. Créditos: Tânia Rego/Agência Brasil

Governos estaduais

Em um Brasil com 26 estados mais o Distrito Federal, o novo ciclo de poder começa com apenas duas governadoras. A reeleita Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte, e, Raquel Lyra (PSDB) de Pernambuco. Em Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) segue para o segundo mandato. Das 15 Secretarias, apenas três delas (20%) serão chefiadas por mulheres. São elas: Cristiane Schmidt, secretária da Economia; Fátima Gavioli, secretária de Educação; e, Andrea Vulcanis, secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Vale destaque para a ausência de representatividade de outras marcas sociais, como raça, no secretariado goiano.

Executivo Federal

O governo de Jair Bolsonaro (PL) terminou o mandato com apenas uma ministra, Cristiane Brito, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Em pesquisa realizada pelo +Representatividade, do Instituto Update, entrevistados e entrevistadas afirmam serem favoráveis à ocupação  de mulheres (41%) e de pessoas negras (39%) em Ministérios. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontava para isso.

De acordo com o novo presidente, o governo ganharia “a cara da sociedade brasileira, em sua total plenitude”, e, dessa forma, contemplaria minorias políticas (mulheres, indígenas e negros, por exemplo). A posse do governo Lula/Alckmin teve a subida história da rampa do Palácio do Planalto feita ao lado de representantes do povo, e a faixa presidencial passada por uma mulher negra, Aline Souza (33), catadora de materiais recicláveis. Mas, os primeiros anúncios de cargos feitos por Lula, ainda em dezembro, não agradaram, já que as indicações foram de homens brancos.

Porém, o petista bateu recorde. Tem o maior número de mulheres em Ministérios da história do Brasil. São 11 ministras, que representam 29% dos Ministérios. São elas: Ana Moser, ministra do Esporte; Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial; Cida Gonçalves, ministra das Mulheres; Daniela do Waguinho, ministra do Turismo; Esther Dweck, ministra da Gestão; Luciana Santos, ministra de Ciência e Tecnologia; Margareth Menezes, ministra da Cultura; Marina Silva, ministra do Meio Ambiente; Nísia Trindade, ministra da Saúde; Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento; Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas. Vale ressaltar que apenas Marina Silva já havia chefiado um Ministério.

Em termos de representatividade, é possível observar outras marcas sociais presentes nestas ministras, mulheres negras, indígenas e periféricas. Nesta lista, por exemplo, há a primeira indígena nomeada ministra, Sônia Guajajara. Há também, por exemplo, uma mulher negra, Margareth Menezes, e uma periférica, Anielle Franco. Mas, apesar desse recorde de ministras, são apenas 11 em um cenário de 37 Ministérios.

Segundo escalão

Para além do primeiro escalão do governo federal, outro marco importante em termos de contemplar minorias políticas é a indicação da ativista Symmy Larrat como a secretária Nacional dos Direitos da População LGBTQIA+, área do Ministério dos Direitos Humanos. Ela é a primeira travesti a ocupar o cargo de secretária nacional no Brasil. O governo Lula, também nomeou a primeira presidenta do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros.

Outras marcas sociais

Ao pensar política, é significativo observar o ocupar de cargos de poder e tomadas de decisão para além do gênero. É preciso contemplar outras marcas sociais, como a raça. Em novembro do último ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. O estudo relaciona a cor ou raça com representatividade em cargos de gerência, por exemplo. Ele revela que 69% dos cargos gerenciais estão nas mãos de pessoas brancas. Assim, outro ODS, o 10, se faz importante nessa reflexão, por nos alertar a respeito da importância da redução das desigualdades sociais.

Um país formado por 51% de brasileiras, só tem uma representação democrática se elas também estiverem contempladas em todos os locais de poder, aqueles que de fato decidem os caminhos do país e do estado, sejam eles eletivos ou não. Mas em um cenário de apenas duas governadoras eleitas, em que Lula indica só 29% de ministras e, Caiado somente 20% de secretárias, o caminho apontado pela Agenda 2030 da ONU ainda não atinge os números de equidade. Os organogramas destes governos que tomam posse deveriam ser cada vez mais diversos. Deveriam refletir o povo representado na rampa do Palácio do Planalto na tarde de domingo (01).  

*Laila Melo é mestra em Comunicação pela UnB, e jornalista pela UFG. Investiga discurso, política, estudos culturais, educação e teorias feministas e de gênero.