O Dia Nacional do Cerrado é celebrado em 11 de setembro. Por causa da extensa campanha de conscientização sobre o bioma, setembro tornou-se o “Mês do Cerrado”. Mesmo assim, o bioma destaca-se por ser um dos mais importantes do país e estar amplamente desprotegido. Isabel Figueiredo, ecóloga e coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga, afirmou que o bioma está sendo sacrificado para preservar os demais.

“O Cerrado está sendo colocado como um bioma de sacrifício para que a gente preserve outros biomas e isso, em longo prazo, não se sustenta. Porque um bioma não pode ser mantido sem o outro. Porque tudo está integrado. Então, a gente precisa dar atenção ao bioma Cerrado, a gente precisa conscientizar a sociedade, os tomadores de decisão, porque esse assunto não dá mais pra ser postergado”, explicou.

A declaração de Figueiredo está no ISPN Comenta: Cerrado com C maiúsculo, segundo episódio da série produzida pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).  Nele, a ecóloga aborda a importância de proteger o Cerrado. O bioma tem uma vasta fauna, flora, solo, recurso hídrico e participação na manutenção dos estoques de carbono. Além do PPCerrado – Plano de Ação para prevenção e controle do desmatamento e das queimadas no Cerrado.

Assista o episódio na íntegra: ISPN Comenta | Cerrado com C maiúsculo

Bioma Cerrado 

“Todo mundo sabe que Cerrado se escreve com letra maiúscula, é nome próprio de bioma. O português define que todos os biomas se escrevem com letra maiúscula e o Cerrado não é diferente”, explicou Isabel Figueiredo. O Cerrado é conhecido como a Savana com maior biodiversidade do planeta, pois detém 5% da biodiversidade global.

O bioma possui mais de dez mil espécies de plantas e uma imensa diversidade de espécies de animais. Entretanto, várias espécies são endêmicas, ou seja, são encontradas somente no Cerrado. Figueiredo apontou que todos os biomas são igualmente importantes para o país e que, inclusive, existe a integração entre eles, que segundo ela, “é algo pouco falado, mas é muito importante”.

“Então, o Cerrado contribui para a manutenção de outros biomas, pela questão da biodiversidade e pela questão da água. Mas, além disso, em si o bioma Cerrado possui uma importância muito intrínseca, muito forte, que é com relação a sua biodiversidade, a seus estoques de carbono e a água”, pontuou.

Berço das águas

Nascentes
Foto: Arquivo/Prefeitura de Anápolis

O Cerrado tem uma importância singular para os demais biomas do país: abriga boa parte das bacias hidrográficas do Brasil. Entre as doze principais regiões hidrográficas do país, oito têm nascentes na região do Cerrado: bacia Amazônica; Rio Tocantins-Araguaia; Atlântico Nordeste Oriental; Bacia do Parnaíba; São Francisco; Atlântico Leste; Bacia do Paraná e a do Paraguai.

Isabel Figueiredo explicou que essas nascentes abastecem as bacias hidrográficas da Caatinga, da Amazônia, da Mata Atlântica e do Pantanal. Além de prover água para o próprio bioma.

“Por ter um tipo de solo, um tipo de formação geológica que permite que a água da estação chuvosa seja infiltrada lentamente para camadas bem profundas do solo e que depois vai verter em um sem-número de nascentes que vão verter água para todos os lados”. detalhou o motivo de berço das águas. 

Proteção da biodiversidade

A coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga ressaltou que o Cerrado tem uma enorme diversidade cultural, com mais de 80 grupos indígenas. Além, claro, de diversos segmentos de povos e comunidades tradicionais: Quebradeiras de coco babaçu, Geraizeiros, pescadores artesanais e quilombolas.

“Essas comunidades tradicionais em agriculturas familiares detêm um modo de vida que permite uma conciliação entre a produção e a conservação ambiental. Então, são essas comunidades que são as responsáveis por a gente ter uma diversidade de alimentos imenso na mesa no Brasil, produzem toda a diversidade de legumes, verduras e grãos que a gente come no dia a dia na nossa mesa”, contou.

Para a ecóloga, os modos de vida e produção dessas comunidades são mais interessantes para preservar o Cerrado do que as áreas de monocultivos. “Elas [as monoculturas]transformam o Cerrado em outra cobertura”, afirmou.

“Quando substitui a biodiversidade do Cerrado para uma espécie só, seja a soja,  algodão ou milho mantém apenas 20% das propriedades em reservas legais. E os territórios de povos tradicionais conservam em torno de 80% do território com cobertura vegetal nativa porque eles aproveitam a biodiversidade nos seus meios de vida e também para a geração de renda”, apontou. 

Monoculturas e biodiversidade

Plantação de soja em área do município de Alto Paraíso (GO) (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Plantação de soja em área do município de Alto Paraíso (GO) (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A substituição da biodiversidade nativa natural do Cerrado pelas monoculturas também afeta a manutenção dos estoques de carbono no solo, resguardado nas raízes profundas das árvores. Mas quando os maquinários pesados causam a compactação do solo, o problema atinge também a capacidade do solo em absorver a água da chuva.

“Então, a gente tem muito mais água sendo lixiviada e o solo indo embora por meio de processo erosivos. Assim, os rios também são assoreados, recebendo o solo e diminuindo a capacidade de manter a água no leito”, destacou. 

Desde o início de 2023, o bioma Cerrado registra números de desmatamento maiores que a Amazônia. Como possível causa, Isabel Figueiredo apontou que “com o aumento do controle do desmatamento da Amazônia, parte desse desmatamento está sendo transportado para o Cerrado”.

Plano de proteção do Cerrado

O problema do desmatamento do Cerrado em relação a Amazônia, é que lá existe o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). No entanto, o Cerrado ainda não tem um plano de proteção estabelecido pelo Governo Federal.

“Grande parte desse desmatamento é autorizado ou não autorizado pelos órgãos estaduais. Então o governo federal tem muito mais espaço para atuar no bioma Amazônia, muito mais poder de atuação do que no bioma Cerrado, que as áreas são todas privadas e quem dá autorização são os Estados”, explicou Figueiredo.

A coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga afirmou que o Plano de Proteção do Cerrado (PPCerrado) deve integrar as bases de dados estaduais e federal, para que haja o acompanhamento das autorizações de supressão de vegetação. Além disso, Figueiredo destacou a validação do Cadastro Ambiental Rural para o Cerrado.

“É preciso criar urgentemente áreas protegidas no bioma Cerrado, criar unidades de conservação e de preferência de uso sustentável”, disse. “Nossa expectativa é que o PPCerrado seja produzido, divulgado e implementado. Dentro desse plano a gente espera que haja definições mais claras dos critérios para o fornecimento de autorizações de supressão de vegetação que estão sendo dadas sem observância ao código florestal”, finalizou.

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