O Doutrinador: heroi tupiniquim. (Foto: internet/divulgação)

Caramba, como é difícil fazer cinema de ação no Brasil. A cada tentativa, um novo tombo, por motivos diferentes. A fórmula parece simplesmente não se encaixar.

O herói de ação brasileiro, ao que consta, parece ter surgido com Lima Barreto lá em 1953, com o filme “O cangaceiro”. O protagonista, Capitão Galdino, vivido pelo ator Milton Ribeiro, era um cangaceiro que saqueava vilarejos e chegou a raptar uma professora. Ou seja, nosso primeiro herói era também anti-herói. Virou história em quadrinhos e tudo mais. Considerado o maior sucesso da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, e ganhou prêmio de melhor filme de aventura no Festival Internacional de Cannes.

Mas parece que as coisas ficaram estagnadas lá. Nosso cinema não consegue emplacar nenhum outro tipo de herói que não tenha essas raízes fincadas no sertão, no sofrimento, no contexto social tupiniquim. E quando dá seus pulos tentando usar uma forma americana de trocar tiros, falha tremendamente.

Gustavo Bonafé ousou ao dirigir o filme “O Doutrinador” (2018), porque tentou aplicar de modo mais direto as referências que temos em filmes de ação. Nesse quesito, obviamente, os americanos já estão anos-luz à frente. E daí o Bonafé trouxe Miguel, um agente federal que sofre uma tremenda perda pessoal e, a partir daí, busca fazer justiça com as próprias mãos.

Filme de herói tem que contar a origem do protagonista. E desde Stan Lee – o agora saudoso Stan Lee – heróis carregam essa carga dramática, esse fardo nas costas. Ter poderes especiais não é necessariamente bom. E com Miguel (interpretado por Kiko Pissolato), isso não é diferente. A perda pessoal que teve, um evento mais do que trágico, guarda relação com a péssima qualidade dos serviços públicos. E o protagonista atribui isso diretamente à corrupção, o mal que assola o país. A partir daí, sua cruzada pessoal é enfrentar e destruir os vilões: políticos corruptos.

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Kiko Pissolato dá vida a Miguel, o alter-ego do Doutrinador. (Foto: internet/divulgação)

Bonafé (e Luciano Cunha, autor das HQs que inspiraram o filme) disseram em entrevista que a intenção não era criar um filme de crítica social. A intenção era pura e simplesmente criar uma história de ação com um super-herói legitimamente brasileiro. Para facilitar isso, criaram cidades fictícias, instituições imaginárias, personagens desvinculados de identificação ideológica e até um Congresso Nacional personalizado, altamente inspirado o luxo arquitetônico de Oscar Niemeyer. Nesse intuito, cumpre bem a missão.

Mas o roteiro acaba deslizando em diversos pontos cruciais, o que torna a história pouco crível e acaba distraindo a atenção.

Para início de conversa: diálogos. Quentin Tarantino dedicou todo um capítulo de sua vida a estudar e desenvolver diálogos, porque entendia que está aí a alma dos personagens. O diálogo expressa a intenção do personagem, seu ponto de vista sobre o mundo, sua forma de enxergar as coisas. Resultado: o diálogo dá vida e forma a um personagem. E “O doutrinador” apela para clichês e diálogos rasos, resolvidos, cheios de jargões, o que planifica seus personagens. Miguel aparece pintado como um pai artificialmente bom no início, justificadamente enraivecido no meio e completamente transtornado no final. Mas não conseguimos enxergar esses estados de espírito no que fala, na forma como fala. Os vilões são caricaturais, com frases beirando a “vamos conquistar o mundo” e “eu sou muito mal!”, em meio a risadas de escárnio para com a população brasileira.

Em seguida, vem a salada de referências. O filme não se decide quanto a ser puxado para o realismo fantástico, em heróis como “Batman – Cavaleiro das Trevas”, ou com uma pegada de crítica social forte, como em “V de Vingança”, ou mesmo na violência exacerbada como catalisador, como em “O Justiceiro”. Mas usa e abusa de fórmulas já utilizadas em todos esses casos. O que deixa a figura do Doutrinador num certo limbo de intenções e formas, sem se definir quanto a um justiceiro social ou puramente um vingador pessoal. Há trechos em que a sensação é a de que ele seja meramente um louco transtornado, em vias de internação psiquiátrica. A identificação com o espectador é frágil, fugidia. Aliás, o número de cenas – até muito bonitas – do Doutrinador no topo de edifícios, vestindo seu uniforme de guerra e espreitando a cidade dá um tom artificial e meio demodê ao filme. O visual é muito bacana, mas hoje em dia, heróis se postam à espreita em cima de prédios visando um ataque, uma missão, um plano. O nosso Doutrinador apenas posa para as câmeras, como numa propaganda de perfume.

Mas vamos fazer justiça: a fotografia é muito bem conduzida, as cenas de ação são de uma qualidade inédita no cinema nacional, o que confere um potencial enorme para uma série, inclusive já anunciada para 2019. Destaque para a atuação de Tainá Medina, numa excelente interpretação da “assistente” hacker Nina. Mas de uma forma geral, a impressão que fica é que o espaço de tempo na tela pode ter sido curto para os ataques episódios e a perseguição a cada político, caso a caso, e para o desenvolvimento do roteiro de modo geral.

Em questão de cinema de ação, ainda não foi dessa vez. O importante é continuar tentando!