O legado de luta, respeito e inclusão de Bill Russell

Bill Russell, lenda do basquete mundial e um dos maiores jogadores de todos os tempos, morreu no último domingo (31) nos Estados Unidos, aos 88 anos. O maior vencedor da história do esporte estadunidense, porém, não brilhou apenas dentro das quadras.

Em 13 anos de carreira profissional, Bill Russell conquistou 11 títulos, oito deles consecutivos, sendo que em dois deles ele venceu jogando e sendo treinador. A camisa número 6 do Boston Celtics, único time que defendeu durante a sua carreira, está aposentada desde 1972.

O legado de Russell é tão grande que o troféu entregue ao melhor jogador das finais da NBA leva o seu nome desde 2009. Seus 11 títulos individuais do principal campeonato de basquete do mundo seguem muito acima de qualquer outro jogador até hoje.

Luta contra o racismo

Além de sua trajetória excepcional com a bola laranja, Russell também foi um símbolo esportivo da luta contra o racismo e pelos direitos civis. Ele sofreu inúmeros episódios de racismo durante sua carreira, marchou ao lado de Martin Luther King Jr e foi um dos primeiros grandes ativistas do esporte americano ao lado de figuras como Muhammad Ali e Kareem Abdul-Jabbar.

Russel ao lado de Muhammad Ali, Kareem Abdul-Jabbar e outros atletas negros na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos – Foto: Divulgação/ND

Bill Russel foi também o primeiro treinador negro na história, não só da NBA, mas de todas as ligas profissionais americanas, e isso definitivamente não foi um tarefa fácil dentro do contexto histórico de segregação que passava os Estados Unidos nas décadas de 50 e 60. Ele sofreu inúmeros episódios de insultos e ações racistas, foi impedido de se hospedar em hotéis, de comer em restaurantes, teve sua casa violada e sua família ameaçada.

Imagine você ser um jogador dominante, um ídolo nacional, empilhar títulos, colecionar troféus de prêmios individuais, ter uma coleção de anéis maior do que quase todas as franquias da NBA e ainda assim ser alvo de racismo. Se em 2022 casos assim ainda acontecem, nos EUA das décadas de 50 e 60 praticamente todo atleta negro passava por isso.

Mesmo assim, Russel não se deixou abater. Em 1961 liderou um boicote contra jogadores negros a um jogo de exibição em Lexington, Kentucky, depois que dois companheiros de equipe foram recusados ​​em um café. Ele desafiou os fãs racistas em Boston, se recusou a oferecer respeito quando não foi merecido e enfrentou a injustiça com inteligência e raiva, combinação que não caiu bem para muitas pessoas.

Quando Russell chegou à NBA em 1956, a liga não tinha atletas negros como estrelas. A liga já tinha quebrado a barreira racial em 1950 com a chegada de Earl Lloyd, Sweet Clifton e Chuck Cooper. Mas esses jogadores ainda eram vistos com preconceito e desdém ao redor da liga, como jogadores menos inteligentes e capazes que os brancos, e eram frequentemente boicotados ou sabotados pelos próprios técnicos ou companheiros.

Já em 1969, quando Russell se aposentou, a NBA era uma liga majoritariamente negra, comandada por estrelas negras, e racialmente integrada de uma forma que a sociedade americana como um todo ainda passava longe de ser. Em 2010, pelo seu destaque na luta contra o racimo, Russel recebeu do então presidente Barack Obama a maior honraria civil dos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade.

Bill Russell recebendo de Barack Obama a Medalha Presidencial da Liberdade – Foto: Divulgação/ND

Legado para o esporte

Ser o maior de todos os tempos, não significa ser o melhor de todos os tempos e Russel sabia disso. Apesar de ter conquistado quase tudo em sua carreira, nunca foi um grande scorer ou seja, um grande pontuador. Foi um dos primeiros jogadores a se especializar como um defensor e revolucionou como o esporte vem sendo jogado desde então.

Seu impacto no jogo na parte defensiva foi enorme. Russell se tornou obcecado pelo jogo nesse lado da quadra, estudando todos os movimentos de seus adversários antes de enfrentá-los. Na época em que ele entrou na liga, a NBA era uma correria só e os ataques eram o que importava, tanto que o toco, um dos fundamentos dos mais importantes no basquete, só começou a ser registrado como estatística na temporada 1973-74.

Russel batalha pela bola com Wilt Chamberlain. Os dois protagonizaram, dentro das quadras, uma das maiores rivalidades da NBA.

Durante os anos 60, a NBA parou de ter dificuldades financeiras e estar à beira da falência como fora nos anos 40 e 50, para ser uma das ligas de maior crescimento financeiro e comercial dos Estados Unidos. Se estabelecendo de vez como um produto estável e bem-sucedido, Russel ajudou a criar os alicerces que a NBA iria usar como base para se tornar a que conhecemos hoje: uma das mais importantes do planeta.

Nos anos seguintes, outros jogadores como Julius Erving, Magic Johnson e finalmente Michael Jordan também iriam pegar o conceito da grande estrela que transcende as quadras que surgiu com Russell e levar em uma direção ainda mais comercial e lucrativa, criando o conceito de jogador-marca que temos hoje e alterando para sempre as dinâmicas de poder dentro do esporte.

Bill Russel e Michael Jordan. Duas lendas do basquete mundial. Fonte: Jeff Haynes / AFP

Reflexões

Bill Russell foi alguém que enfrentou o establishment branco sem recuar, que usava sua fama e celebridade como jogador para lutar pela melhoria da vida de milhões de outros ao redor do país, e se tornou a inspiração para toda uma geração de novos jogadores e cidadãos negros que continuaram lutando por melhoras nas condições de vida.

Hoje, no mundo que se despede de Russell, você pode olhar para qualquer aspecto da NBA e vai ver algo que chega até nós através do legado do camisa 6 —dentro e fora das quadras. Um ser humano que fez sua parte enquanto em vida, abrindo portas. Sem dúvidas, um dos motivos de ser gigante e, talvez, seguirá sempre assim, conhecido como Bill Russell, o maior de todos os tempos.

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