Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

Taiwan no cenário das tensões internacionais

Sem dúvidas, Taiwan é um ponto delicado nas intrincadas relações que envolvem as tensões geopolíticas. A questão ganhou tons mais dramáticos a partir de 2017, com a posse do republicano Donald Trump, que intensificou a chamada Guerra Fria 2.0, ou seja, o conflito geopolítico e ideológico entre Estados Unidos e China. Mesmo sob a presidência do democrata Joe Biden, a partir de 2021, a questão não arrefeceu. Declarações de cada um dos lados insistem em reacender as polêmicas.

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. (Foto: Facebook/Arquivo pessoal)

Em recente diálogo, por telefone, no dia 28 de julho deste ano, Taiwan foi um dos temas da conversa e o presidente chinês Xi Jinping não se fez de rogado, afirmou com veemência que “aqueles que brincam com fogo só vão se queimar, espero que o lado dos EUA possa ver isso claramente”.

Bem, mas para que seja possível um melhor entendimento sobre os aspectos que envolvem essas complexas relações, acredito que o mais adequado é fazermos um histórico sobre esse lugar da Ásia.

Leia também: Nelson Mandela, vida e luta contra o racismo e por justiça social

Em seu processo de expansão marítima, os portugueses dominaram a região no século XVI e deram à ilha o nome de Formosa. Posteriormente, no século XVII, a região passou para o domínio dos holandeses. Ao final do século XVII, a China retomou a região. O domínio chinês foi derrubado pelos japoneses no final do século XIX, na Primeira Guerra Sino-Japonesa, entre 1894 e 1895, quando disputaram o controle sobre a atual região das Coreias. A China foi derrotada e submetida, em 1895, ao Tratado de Shimonoseki, pelo qual teve que ceder Formosa ou Taiwan para os japoneses, que mantiveram o domínio sobre a ilha até que foram derrotados na Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Desde 1911 a China era governada pelo Partido Nacionalista, o Kuomintang, de orientação capitalista. A partir de 1921, com a criação do Partido Comunista Chinês, no qual se destacou a liderança de Mao Tsé-Tung, ocorreram conflitos entre os dois partidos. Porém, com a invasão japonesa à Manchúria e a eclosão da Segunda Guerra Mundial esses opositores tiveram que unir forças contra um inimigo comum.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, os conflitos entre os dois partidos foi retomado. Em outubro de 1949, o governante da China e líder do Kuomintang, Chiang Kai-shek, foi derrotado pelo movimento comunista de Mao Tsé-tung. A parte continental da China tornou-se a República Popular da China, de orientação socialista-comunista. Chiang Kai-shek fugiu para a ilha de Taiwan e, com apoio do ocidente capitalista, organizou o governo da China Nacionalista. Assim, durante grande parte da chamada Guerra Fria o mundo teve duas Chinas.

Mao Tsé-Tung. (Foto: domínio público)

Os interesses que envolviam o contexto da Guerra Fria fizeram com que o bloco capitalista, liderado pelos EUA com grande ascendência sobre a Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecesse a China Nacionalista (Taiwan) como a verdadeira China, entre 1949 e 1971. Mas, há 50 anos, houve uma virada surpreendente nessa situação, pois o governo de Mao Tsé-Tung buscou um afastamento em relação à União Soviética (URSS) e a construção de um socialismo não-alinhado. Os Estados Unidos buscaram se aproveitar dessa ruptura no bloco socialista. Assim, em 21 de fevereiro de 1972, o presidente dos EUA, Richard Nixon, foi à China comunista para se encontrar com Mao Tsé-Tung.

Esse encontro apenas reforçou um processo de aproximação do Ocidente com a China comunista. Em 1971, por meio de uma resolução, a ONU expulsou a República da China Nacionalista (Taiwan) e transferiu a vaga para a República Popular da China. Taiwan perdeu o reconhecimento internacional e sua participação em todas as organizações intergovernamentais relacionadas às Nações Unidas.

Leia também: A trágica morte de Shinzo Abe pode colocar o Japão no “divã”

Contudo, os EUA, em 1979, apesar de ter transferido sua embaixada para Pequim, desativaram sua base militar em Taiwan e romperam com o Tratado de Defesa, que mantinham desde de 1955, mas nunca romperam totalmente as relações com Taiwan, inclusive se comprometeram a prestar auxílio militar à Taiwan, se e quando fosse necessário.

Desde então, apesar de não ser reconhecida internacionalmente, com exceção de alguns poucos países, o pensamento dominante em Taiwan é pela total independência em relação à República Popular da China. Taiwan nunca voltou a ser domínio chinês. Possui governo próprio, com eleições democráticas, utiliza sua própria moeda, o “novo dólar taiwanês”, e mantém parcerias comerciais com vários países, inclusive com investimentos na China.

Porém, para China Taiwan não passa de uma província rebelde. Assim, não admite a postura independentista da região, considerando-a uma parte inalienável do seu território. O governo chinês é intransigente na reintegração de Taiwan ao seu território. A única concessão possível seria adotar uma política semelhante a que é aplicada à Hong Kong, ou seja, “um país, dois sistemas”, mas Taiwan resiste a essa possibilidade.

Para deter qualquer inciativa mais arrojada de ruptura taiwanesa, em 2005, o governo de Pequim aprovou a lei antissecessão, segundo a qual poderá usar sua força militar caso haja uma declaração formal de independência por parte de Taiwan. Desde que essa lei foi aprovada, a China tem feito exercícios militares e sobrevoos de jatos próximos à Taiwan.

O Governo de Washington mantém uma curiosa relação com Taiwan, pois apesar de reconhecer, desde 1979, a soberania de Pequim sobre a China continental e Taiwan, nunca rompeu relações culturais, comerciais e algum nível de cooperação de defesa com a ilha. Além disso, apesar de não possuir formalmente uma embaixada formal na ilha, mantém o Instituto Americano em Taiwan (IAT), que se apresenta como uma representação americana privada e sem fins lucrativos, mas que, na prática, é um braço diplomático informal do “Tio Sam”.

Leia também: As sanções contra Rússia e sua questionável eficácia

Em 2021, o governo de Pequim criticou o apoio dos EUA a Taiwan, quando Antony Blinken, chefe da diplomacia americana, afirmou que Taiwan deveria ter maior participação na ONU. A afirmação de Blinken ocorreu justamente no período em que se completam 50 anos desde a exclusão de Taiwan das Nações Unidas. A China rebateu que a afirmação do representante dos EUA feria o princípio de “uma só China” estabelecido entre Pequim e Washington desde os anos 70. Assim, a cada momento que a questão taiwanesa é levantada a temperatura das relações sino-americanas se eleva perigosamente.

Presidente da China, Xi Jinping.

O capítulo mais recente dessa incandescente relação ocorreu neste último sábado (30). A presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, está em viagem pela Ásia e cogitou-se a possibilidade de uma cordial visita à Taiwan. Bastou que essa possibilidade fosse aventada para que a reação chinesa fosse imediata. A China realizou mais um dos seus costumeiros exercícios militares no Estreito de Taiwan, num claro recado ao governo de Washington. Além disso, o Ministério da Defesa chinês advertiu dizendo que uma visita de Nancy Pelosi à Taiwan representaria um desrespeito ao princípio de “uma só China”.

Apesar de todas essas tensões, os interesses econômicos que envolvem essa região são tão relevantes que não seria interessante para nenhum dos lados uma guerra. O que se percebe é que as ações de ambos os lados estão muito mais ligadas à necessidade de demonstrarem força, não só no cenário internacional, mas também para o público interno de cada país. Porém, parafraseando as palavras do próprio Xi Jinping, “quem brinca com fogo pode se queimar”.

Leia mais:

Mais lidas:

Leia também: