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Na música “Rocket Man”, de 1972, Sr. Elton John nos convida a pensar os astronautas de uma forma diferente. Após uma maratona do Programa Apollo que, a partir de 1969, lançou onze vôos tripulados ao espaço, os cientistas e engenheiros que participaram dessas missões viraram herois instantaneamente, cultuados em todo o mundo. Celebridades. E o cantor inglês traz em seus versos a voz de um desses astronautas dizendo “Eu sinto muita falta da Terra, sinto falta da minha esposa. É muito solitário no espaço sideral”. Como um heroi pode também ser vulnerável, humano?

A missão de Damien Chazelle em “O primeiro homem” (2018) também traz seu elevado grau de dificuldade. Chazelle encantou os olhos do mundo em 2014, com “Whiplash – Em busca da perfeição”, a história do baterista Andrew Neiman brigando com sua nêmesis, o professor Terence Fletcher, num filme absolutamente vibrante. Mais tarde, soube-se que essa foi a forma de Chazelle mostrar a Hollywood que estava pronto para tirar do papel seu verdadeiro projeto de vida: “La La Land – Cantando Estações” (2016), um musical também envolvendo jazz, e que faturou tudo quanto é prêmio ao redor do mundo.

Chazelle estava no topo da onda. Mas e agora? Superados dois projetos ousados e executados de forma magistral, o que vem depois? Conseguiria o nosso diretor revelação provar, mais uma vez, que tem talento de sobra?

Deixando de lado o mundo da música, Chazelle anunciou seu novo projeto: “O primeiro homem”, baseado na história de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua. Ousado. Ainda que Sinatra tenha também deixado sua marca na Lua ao celebrizar a canção “Fly me to the moon” em 1964, sob influência das missões Apollo, a  transição música-programa espacial já indicava certa turbulência. Não bastasse isso, como contar uma história absolutamente conhecida de todos de maneira original? Tal qual com a saga do Titanic, todo mundo já conhece o final e sabe que Armstrong foi à Lua, deixou sua pegada na areia e retornou são e salvo.

Bom, o nome Neil Armstrong já nos remete imediatamente à sua célebre frase ao tocar o solo lunar pela primeira vez: “Esse é um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”. E é comum nos pegarmos pensando quando é que ele criou essa frase. É uma sentença tão genial, que não poderia ter saído da cabeça do cara ali, no fervor do momento, poderia? Quando é que ele bolou isso?

Chazelle escolheu essa deixa para abordar a história. Porque é fácil para o resto da humanidade prestar atenção apenas à frase dita ao vivo, para mais de 500 milhões de terráqueos, há 380 mil quilômetros de distância, sem saber que o primeiro homem não soube bolar uma frase sequer próximo de interessante ao se despedir dos filhos, antes da viagem. A indagação da sua esposa (vivida por Claire Foy, a rainha Elizabeth da premiada série “The Crown”), a um Neil introspectivo, amargo e consumido pelo trabalho, nas vésperas do embarque, resume o filme: “Vá se despedir de seus filhos. Já pensou no que falar? Pode ser a última coisa que ouvirão de você”.

o primeiro homem 1

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Chazelle é um mestre na direção. Ainda que possam haver diversas críticas ao roteiro morno de John Singer, visceralmente lastreado na biografia homônima escrita por James R. Hansen, o fato é que poucos diretores conseguem manter o foco no que lhes interessa e ainda assim contar uma boa história. E trazendo esse tom pessoal, intimista de uma figura pública para as telas, o diretor recorta apenas o que nos interessa: a construção desse personagem, forjado numa grande perda pessoal – e sucessivas perdas posteriores – que decide enfrentar o desconhecido em prol de uma missão insólita.

Para nos passar toda essa grandiosidade e perigo da Missão Apollo 11, Chazelle nos coloca no módulo espacial junto com Armstrong (interpretado de forma muito competente por Ryan Gosling). O filme é altamente sensorial – o design de som certamente vai ser notado em festivais por todo o mundo, incluíndo o Oscar. Já sentiu medo de avião? Sabe aquela falsa sensação de controle, que nos força a inspecionar mentalmente os flaps, as turbinas e cada parafuso antes da decolagem? Fazemos isso junto com Neil. Com uma câmera baseada em close-ups e planos em geral fechados, sons próximos (respiração, equipamento, sinais de alerta) e mais amplos (rangidos da fuselagem, contato de rádio, motores e turbinas) abarrotando o ambiente e uma edição ágil, temos a perfeita sensação que um astronauta sente ao entrar numa estrutura que pode explodir a qualquer momento. Aquilo pode ser a redenção ou apenas um caixão muito caro – e o espectador sente isso.

 

first man 3

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Fora do módulo, a sensação de claustrofobia também é mantida por uma fotografia densa e escura, e enquadramentos que buscam se ancorar em recortes de portas e janelas, sempre a sufocar os personagens – em especial Armstrong. A atuação de Gosling também é fria e distante. Não que o ator peque no vigor, pelo contrário: sua competência é enorme ao retratar um engenheiro aeronáutico com o bagageiro emocional superlotado.

Seja pela parte técnica, seja pelo marketing ou pela pontual articulação política, sem Armstrong, o programa espacial americano não teria os mesmo resultados. O discurso de John Kennedy antecipando a chegada do homem à Lua ainda na década de 60 simplesmente teria caído no ridículo. E o filme cumpre muito bem a função de passar essa noção ao espectador. Neil Armstrong nunca foi um heroi. Mas protagonizou um dos feitos mais heroicos que a humanidade já viu – na frente e atrás das câmeras. Sua célebre frase nunca significou tanto.