Um erro em resultados de exames de dois doadores resultou na contaminação por HIV de seis transplantados no Rio de Janeiro. O caso noticiado no início de outubro é inédito na história do serviço no Brasil. Por isso, a gerente da Central Estadual de Transplantes de Goiás, Katiuscia Freitas, ressaltou que o procedimento é seguro no país.
“O processo de doação de órgãos e transplante é bem consolidado no Brasil, é um processo seguro”, disse. “Não há na história do país fato similar a esse que aconteceu recentemente nos processos de transplante. Você não vai achar. Então ele continua sendo seguro e está cada vez mais sendo aperfeiçoado”, acrescentou.
Serviço público e de qualidade
Katiuscia Freitas afirmou que todo o processo é fiscalizado e que a irregularidade que ocorreu no Rio de Janeiro não gera dúvidas acerca do serviço do Sistema Nacional de Transplantes (SNT). “O Brasil tem um dos protocolos para se chegar ao diagnóstico de morte encefálica mais seguros”, acrescentou.
A doação, a captação e o transplante de órgãos são complexos e, por isso, são procedimentos realizados somente por profissionais especialistas e instituições especializadas e credenciadas.
Em Goiás, todo o processo é acompanhado pela Central Estadual de Transplantes de Goiás, unidade vinculada à Superintendência de Regulação Estadual da Subsecretaria de Vigilância e Atenção Integral à Saúde, órgão da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás.
“A nossa equipe é composta por servidores públicos: médicos, enfermeiros, psicólogos, técnicos em enfermagem e funcionários administrativos. Temos hoje tanto a sede administrativa como três unidades dentro dos maiores hospitais de urgência: HUGO, Hugol e Huana”, explicou Freitas.
Estrutura em Goiás
Segundo Katiuscia Freitas, em Goiás, o único contrato terceirizado é o do exame de covid, realizado por um laboratório que é especialista em transplante. “É um laboratório de extrema qualidade”, pontuou. Todos os outros procedimentos ocorrem na estrutura da saúde do estado.
“A gente tem unidade privada em Goiás que faz transplante, apesar de que hoje 98% de transplantes de órgãos no estado estão sendo feitos em unidades públicas. Mas unidades privadas também podem fazer. A pessoa paga pelo órgão? não. Ela paga pela acomodação no hospital, pela unidade hospitalar e não pelo órgão ou pelo processo de doação”, explicou.
A equipe da Central de Transplantes fiscaliza todas as etapas do protocolo, como o cumprimento da legislação e as condições do doador. Esse trabalho ocorre, por exemplo, no Hemocentro Estadual Coordenador Prof. Nion Albernaz (Hemogo), responsável pela sorologia do doador, e no Laboratório de Imunologia de Transplantes de Goiás (HLAGyn), responsável pelo exame de compatibilidade.
“Qualquer hospital do estado que tiver UTI pode ter um caso de morte encefálica. Então, hoje, a Central de Transplantes é notificada tanto pelos hospitais públicos quanto pelos hospitais privados de que existe um protocolo e independente da unidade nós acompanhamos todo o processo.
Segurança do serviço
O procedimento é custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, se uma família autoriza a doação dos órgãos de uma pessoa que faleceu numa unidade privada, a Central pode precisar transferir para uma unidade pública para realizar a captação.
“A parte do transplante só acontece em hospitais que foram credenciados para fazer transplantes e com equipes especializadas, para isso passa por nós. Nós temos que fazer um checklist, uma vistoria e conferir documentação para validar essa equipe para ser habilitada para um transplante”, detalhou.
Katiuscia Freitas contou que a recomendação é que os hemocentros façam os exames em todo o país, por causa da alta capacidade, do termo de qualidade e por ser um órgão fiscalizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Goiás não passa pela questão da terceirização do processo, mas a gerente do serviço no estado explicou que em locais onde o hemocentro não está fazendo a sorologia pode sim haver a contratação de um laboratório para fazer os exames, como no caso do Rio de Janeiro. “Esse contrato segue todo um processo, tem licitação, controle de qualidade, tudo é realmente muito bem verificado”, disse.
Sistema Nacional de Transplantes
A gerente apontou que “o Brasil tem muito mais de coisa boa do que de coisa ruim para contar” sobre os processos de transplantes e que o erro no Rio de Janeiro serve como um aprendizado para todos os estados.
Katiuscia Freitas elogiou a história do Sistema Nacional de Transplantes do Brasil, considerado um dos melhores do mundo. “Hoje nós temos o maior sistema público de transplante do mundo e somos um dos principais transplantadores do mundo”.
O SNT é responsável pela regulamentação, controle e monitoramento do processo de doação e transplantes realizados no país, desde a captação de órgãos até o acompanhamento dos pacientes transplantados. As centrais estaduais colaboram com o sistema, que faz a gestão da lista de espera dos receptores através de um banco de dados nacional.
A gerente de Goiás explicou que a lista gera primeiro os dados regionais, de acordo com os serviços locais. Goiás, por exemplo, faz transplante de rins, fígado, córneas e pâncreas, mas não faz de coração. “Se não tiver nenhum receptor compatível aqui, a gente oferta esses órgãos para outro estado”, contou Freitas.
Lista de espera
A gestão da lista de espera é, então, nacional. Atualmente, de acordo com a gerente de Goiás, há cerca de 65 mil pessoas à espera de órgãos em todo o país. A disposição de posições na lista obedece critérios de localização, por causa do tempo entre a retirada do órgão e o transplante. Por exemplo, as córneas podem ser captadas até 12 horas depois que o coração parou, mas o coração precisa ser transplantado num período de apenas quatro horas, que é o tempo que ele consegue ficar sem circulação sanguínea.
Assim, no exemplo de Goiás, a maioria dos transplantes de coração são realizados por equipes que vêm de São Paulo e Brasília, porque são locais mais próximos e com a melhor logística, como explicou Freitas. Antes disso, então, a lista de espera é gerada e prioriza as 2,1 mil pessoas que estão aguardando doações no estado.
“O sistema segue critérios de compatibilidade de sangue, peso, porque tem essa questão antropométrica. Também é levada em consideração a gravidade, porque existem alguns casos que são priorizados, pois a pessoa está morrendo na UTI, então essa lista segue critérios de segurança e justiça”, disse.
É sobre a vida
É fato que na doação de órgãos a nova chance de alguém na vida ocorre a partir da partida de outro alguém. Mas Katiuscia Freitas afirmou que a doação de órgãos não é sobre a morte, porque um dia todos nós vamos partir. A gerente frisou que é um momento para a família enlutada ressignificar a partida do ente querido.
“A gratidão de quem recebe é inexplicável. Quando você conversa com o receptor que recebeu um rim e ele te manifesta a alegria de poder tomar uma água, de passear, porque a pessoa estava ligada com a hemodiálise três vezes por semana, pessoas que estavam dentro de uma UTI sem saber se iriam sair. Então a gente não vai deixar que isso que aconteceu afete o sistema de transplante, porque a gente luta diariamente para mudar essa realidade”, finalizou.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 03 – Saúde e Bem-Estar.
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