Ananda Leonel
Ananda Leonel
Jornalista e diretora de TV. Apresentadora, editora e colunista. Especialista em Games, eSports e Cultura Geek. Pioneira regional no cenário gamer em Goiás. Criou o programa gamer "Aperte o Play" na TV aberta da Sagres. Pós-graduanda em games e Gamificação na Educação. Eleita pela mídia local a maior referência do cenário. Apresentadora e creator dos maiores eventos gamer e geek do centro-oeste.

O único defeito de Split Fiction é ter duas protagonistas mulheres?

Calma, respira, que já te explico. O game da Hazelight Studios, Split Fiction, é um sucesso absoluto, inovando os jogos cooperativos como nunca antes. Não poderíamos esperar menos depois da obra-prima que foi It Takes Two. Não sei vocês, mas eu, particularmente, quis eliminar os protagonistas na cena do elefante rosa (quem jogou sabe do que estou falando).

Bom, Split Fiction já vendeu mais de 2 milhões de cópias, segundo a Electronic Arts. Mesmo com sua mecânica divertida, gráficos impecáveis e narrativa envolvente, os machistas de plantão não pouparam esforços para procurar defeitos em um jogo tão aclamado. E adivinhem qual foi o alvo da crítica? O fato de o game ter duas protagonistas mulheres. Isso me leva a perguntar: por que é tão difícil gostar de mulheres e por que o gênero afeta tanto a jogabilidade?

O diretor do game, Josef Fares, veio a público defender o jogo dos ataques machistas, já que os misógino de plantão, detonaram as protagonistas de Split Fiction durante uma live em que Josef participava.

“Eu acho que isso é alguém reagindo ao fato de serem duas mulheres? Vou dizer isso: em Brotherhood haviam dois caras, em A Way Out haviam dois caras, em It Takes Two havia apenas um cara e uma mulher. Agora que são duas mulheres todo mundo reclama? Que é isso, cara, o jogo também é baseado em minhas filhas. Eu não me importo mesmo com o que você tem entre as suas pernas, isso não me interessa, bons personagens são o que me interessa.” 

Como ele mesmo mencionou, em jogos anteriores, como A Way Out (com dois homens como protagonistas) e até It Takes Two (que tem um homem e uma mulher), ninguém levantou grandes questões sobre a escolha dos personagens. Mas, ao invés de focarem em aspectos como a jogabilidade, gráficos, trilha sonora ou qualquer outro fator que pudesse diminuir a experiência do jogador, alguns homens se incomodaram simplesmente por haver duas mulheres em um jogo fictício.

Sim, é revoltante e desgastante tentar entender o que leva alguém a sentir ódio por uma personagem feminina ao ponto de isso afetar sua experiência com o jogo. Mas, infelizmente, essa questão é mais profunda do que parece. O ódio de alguns homens aos protagonistas femininas, como em Split Fiction, está enraizado em uma mistura de medo, insegurança e resistência a uma mudança estrutural que desafia a velha estrutura patriarcal, que há séculos domina a cultura popular. Essa reação de rejeição a jogos com personagens femininas no centro da narrativa é uma tentativa de preservar um status que favorece o poder masculino.

A Profundidade do Problema

Essa resistência não é apenas sobre jogos. Ela reflete um problema social muito maior. A presença de mulheres como protagonistas em um cenário tradicionalmente dominado por homens (como nos games) é vista, por alguns, como uma ameaça à ordem estabelecida, digamos assim. A ideia de que o homem deve ser sempre o herói, o líder ou a figura central em narrativas de poder está sendo desafiada. Para muitos, isso é incômodo, pois coloca em xeque a visão de um mundo construído sob normas de gênero bem antiquadas.

E é justamente aqui que mora o problema: o medo da perda de privilégios. Quando as mulheres ganham visibilidade e ocupam o protagonismo, essa mudança é muitas vezes interpretada como uma ameaça aos espaços masculinos. É uma reação quase instintiva à “invasão” do que é visto como território dos homens. Essa visão distorcida ignora a riqueza que a diversidade pode trazer para a narrativa e a experiência cultural como um todo.

O futuro do entretenimento é inclusivo

À medida que a sociedade evolui, a noção de representatividade também se expande. Os jogos como Split Fiction não estão apenas desafiando a velha estrutura de poder no entretenimento, mas também abrindo um caminho para mais diversidade e inclusão em todos os aspectos da cultura popular. Esse processo de transformação não é fácil e não é isento de resistência, como podemos ver nas críticas à presença de protagonistas femininas. Mas é essencial que esses espaços continuem sendo questionados e desconstruídos.

O futuro do entretenimento e, por consequência, da sociedade é sem dúvida mais inclusivo. As mulheres, mais do que nunca, estão no centro dessa transformação. Elas têm o direito de ocupar o papel de protagonistas, heróis, vilãs, ou qualquer outra figura central nas histórias que escolham contar. Não se trata de tirar o protagonismo dos homens, mas de dar a todas as pessoas a chance de serem representadas, ouvidas e vistas de forma justa e equitativa.

O poder da representatividade

Em Split Fiction, as protagonistas femininas não são um obstáculo para a experiência de jogo, pelo contrário! São uma oportunidade de ampliar os horizontes da narrativa e desafiar a realidade patriarcal que existe. A verdadeira evolução do entretenimento não está em excluir certos grupos, mas em incluir todos os grupos de forma igualitária, permitindo que mais pessoas se vejam refletidas nas histórias que consomem.

O ódio à presença feminina em jogos não é apenas uma questão de personagens, mas uma manifestação de uma resistência cultural que ainda busca manter as mulheres à margem de muitos espaços de poder. Esse desafio está longe de ser fácil, mas é um caminho necessário para construir um futuro mais justo e representativo para todos.

Joguem Split Fiction! Ele vai levar o The Game Award desse ano. O jogo é esplêndido. Claro, essa é a minha mera opinião.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 05 – Igualdade de gênero.

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