Ontem resolvi fazer uma coisa radical. Fui dormir com meu celular com a bateria a meia vida e pensei que, ao invés de deixa-lo ligado em modo de baixo consumo para ainda ter alguma coisa quando levantar, resolvi desliga-lo. Imagina isso, desligar o celular!

Imediatamente preocupações me inundam a mente. “E se alguém me ligar”, “e se alguém precisar falar comigo e não conseguir”. Já era mais de meia noite quando tive uma epifania: Inventamos a preocupação e desculpa que for para a boa manutenção dos novos vícios e mal hábitos. Tentei lembrar qual foi a última vez que alguém tentou falar comigo nesse horário. Não me lembrei.

Pareceu uma heresia. Um celular desligado. Imagina se alguém me procura e eu não posso responder, pior ainda, não vou saber quem é nem o que queria. Um celular desligado, um aparelho desconectado, uma pessoa incomunicável.

O que possivelmente poderia acontecer no meio daquela noite que não poderia esperar? O que poderia acontecer de tão relevante que era mais importante que o meu sono? Essa curiosidade mórbida de que algo está acontecendo no mundo sem que a gente tenha conhecimento assusta muito. Queremos saber de tudo o tempo inteiro. Onde está fulano, o que pensa sobre aquele filme, se está bem com o seu amor, se seu trabalho paga bem. É tanta disponibilidade de informação e tanta coisa boa acontecendo por aí que ficamos pensando: será que minha vida é tão legal assim?

Seria medo de levar uma vida insossa? Seria tédio pelos recorrentes acontecimentos cotidianos naquela tv preto e branco? Seria esperança de algo fantástico logo ao lado esperando ser descoberto? Seria uma estranha mistura dos 3 elementos temperando essa salada da nossa vida?

Isso eu não sei, mas sei de uma coisa: a grama do vizinho sempre é mais verde que a nossa. Ditado popular que acho que está mais forte do que nunca. Talvez a grama do vizinho nunca tenha sido tão verde como hoje. Acho que é porque agora temos como vizinho todo o planeta e não mais as pessoas ao nosso redor. Inclusive, quanto mais gente ao redor, menos pessoas próximas.

Tanta gente levando uma vida legal nas redes sociais. Talvez por isso temos aquele comichão em ler um whatsapp, acessar o face, curtir um stories, enfim, procurar alguma coisa fantástica acontecendo sempre que a nossa vida fica morna, ou levemente rotineira. Aquela sensação de que alguma coisa muito boa está acontecendo “lá fora”. Uma prática comum, aparentemente inofensiva, mas que custa muito aos desavisados.

Já parou para pensar o que acontece quando você se desloca, quando vai para outro lugar? Vamos esclarecer uma coisa, todos fazemos isso desde sempre, mesmo antes dos celulares. Basta lembrar de alguns dos sermões dos pais que você ia pra outro lugar enquanto eles terminavam de falar. Eu quero dizer o que acontece quando se cria o hábito de estar constantemente em outro lugar, o hábito da distração.

A vida é presente. Tudo acontece no presente. Só há respiração no presente. O passado é um suspiro que foi, o futuro o ar que vai entrar e o presente é a respiração, que alimenta o corpo de ar e saúde. Existe o passado como referência e, as vezes, resolução. Existe o futuro como possibilidade e, às vezes, ansiedade. E temos o presente como único espaço das possibilidades infinitas. No que utilizamos nosso tempo presente é o que construímos para nossa vida. Na vida, a única coisa que temos de fato são aquelas experiências nas quais depositamos a nossa atenção. Se damos atenção aos relacionamentos, conseguimos construir relações boas (o que não quer dizer isentas de conflito), se damos atenção nos esportes, nos tornamos melhor no que fazemos, atenção no trabalho nos garante mais sucesso profissional e assim por diante. Atenção é a forma que damos ao tempo que nos é dado. É onde decidimos colocar a nossa energia máxima de criação. Em última análise, no que prestamos atenção é onde está nossa vida, as experiências que poderemos chamar de nossas.

Portanto, se criamos o hábito de estar sempre em outro lugar como ficam as nossas experiências, como fica a nossa própria vida? Se criamos o hábito de entrar em qualquer rede social de 15 em 15 minutos, ou somos incapazes de nos concentrar em qualquer atividade sem checar as mensagens infinitas dos grupos como é que podemos viver o presente, ter o poder da presença?

Imagina a cena: 8 horas da manhã tomando o seu café. Não consegue ficar sem ver ou pensar em nada e começa a passar o dedo em alguma rede social enquanto toma o seu café. Será que você realmente sentiu o gosta da comida? O gosto do café? Pode-se mesmo dizer se você tomou o seu café? E a qual preço? O que realmente você presenciou, vivenciou ou expericienciou que valeu o preço de não ter vivido completamente o seu café da manhã. Você se afastou do presente e foi para outro lugar e a viagem nem valeu tanto a pena assim.

Segundo exemplo: você sai com seu companheiro. Nem sempre vocês têm algo muito novo para conversar. Sentam-se na mesa e ficam mais tempo transitando entre mensagens, grupos, redes sociais ao invés de estar lá um com o outro. Melhor nem tivessem se encontrando. Pelo menos teriam vivenciado completamente outro lugar ao invés de perder as duas experiências.

É assim que se constrói o vício da distração.

Com o tempo, mesmo quando estivermos concentrados, nos divertindo ou tendo uma experiência relevante, vamos interromper nosso momento para ir para outro lugar. E quando não estivermos fazendo nada de muito interessantes vamos buscar incessantemente algo interessante em algum outro lugar porque o cérebro já vai estar viciado em estímulos rápidos de busca por uma experiência relevante.

Não se engane, todos os aplicativos de redes sociais estão lutando bravamente pela sua atenção. Existem centenas de pessoas altamente capazes criando estratégias invisíveis para manter a sua atenção nos seus produtos. Isso não é teoria da conspiração, é exatamente o objetivo dos aplicativos. Eles disputam os segundos da sua atenção. Se quer saber mais pode assistir esses vídeos que começam a falar sobre o tema:

https://www.ted.com/playlists/610/the_race_for_your_attention.

Qual foi a última vez que você desligou o seu celular (não vale quando a bateria acaba, não foi uma decisão sua). Quando foi a última vez que se concentrou em algo, em alguma experiência que te manteve distante pelo menos 30 minutos dessa caixa de Pandora? O telefone celular é uma boa imagem simbólica da vida moderna: hiperconectividade e superdistração. A bateria de um celular, em média, dura o mesmo que o dia de uma pessoa: 24 horas. Com ele tudo está a apenas um toque de distância. O mundo inteiro na ponta dos seus dedos. Quase tudo o que se pode imaginar que um aparelho é capaz de fazer que, quando se cansa, pode ser conectado a tomada e continuar suas atividades e recarregar sua bateria ao mesmo tempo, sem parar. Acho que tenho inveja do meu celular.

O maior prejuízo do vício da distração é, obviamente, a desatenção.

É o hábito nocivo de buscar estímulos externos o tempo inteiro, enfim, é a busca infinita pela grama mais verde do vizinho. E pensa bem,  a grama do vizinho sempre será mais verde, mas apenas para os desatentos. Com o tempo acabamos construindo uma crença de que existe alguma coisa fantástica acontecendo em algum lugar e que podemos ter noção ou fazer parte, quer seja com um comentário ou um like, aquilo vai nos conectar à experiência daquela outra pessoa e nos distanciar da nossa experiência do agora. Uma experiência melhor do que a nossa, aparentemente. Uma perigosa possiblidade que pode gerar consequências catastróficas a médio prazo.

Os prejuízos são impensáveis e, pior de tudo, invisíveis. À medida que nossas experiências forem perdendo o valor em detrimento da busca de estímulos sentiremos mais angústia existencial e poderemos vivenciar uma sensação de que todos tem uma vida fantástica enquanto a nossa segue mais ou menos. É como se um mundo fantástico onde coisas maravilhosas estivessem acontecendo sempre longe de nós. Como se não tivéssemos a carteirinha de acesso ao mundo mais legal que o nosso, sempre acontecendo a um clique de distância, mas nunca ao nosso alcance. Uma danosa ilusão de que todos tem uma vida maravilhosa e bem melhor do que a sua. Imagina isso, 24 horas por dia na tela do seu celular?

Da próxima vez que, no meio de uma conversa, reunião chata, missa da igreja, saída com os filhos, fila do cinema você tiver aquela comichão incontrolável de buscar o seu celular e saber o que está acontecendo lá fora pense duas vezes. Verifique se a sua experiência atual não é mais valiosa do que a distração que você buscar naquele momento. Distrair-se é essencial. Todas as pessoas saudáveis o fazem. O perigo é o vício da distração onde é criado um hábito de busca incessante de estímulos externos de forma a comprometer as experiências presentes da pessoa.

Ontem a noite eu fiz algo radical. Desliguei o meu celular a noite e, mesmo de madrugada quando acordei para tomar água, eu não liguei. Sabe o que aconteceu? Eu perdi uma mensagem da minha mãe, enviada a 00:48 falando que meus sobrinhos iriam passar o dia na casa do outro avô e não poderíamos sair com eles conforme tínhamos combinado. Fui obrigado a responder a mensagem 8:43 da manhã do outro dia, quando liguei meu celular. Ela leu a resposta por volta das 09:20 e conversamos ao telefone pro volta das 09:42. Foi isso que me custou desligar o celular por uma noite.

Marcelo Troncoso é especialista em Desenvolvimento de Pessoas com formação em Coaching Profissional, Executivo e de Negócios.