O caso de racismo sofrido pelo atacante Luighi, durante partida entre Cerro Porteño e Palmeiras, pela Copa Libertadores sub-20, expõe uma realidade dura e persistente no futebol. No Pauta 2 desta semana, o professor Allan Pevirguladez, consultor antirracista do Instituto Vini Jr e responsável pelo projeto Música Popular Brasileira Infantil Antirracista (MPBIA), falou sobre a importância da educação antirracista e do papel do Brasil na luta contra o racismo no futebol na América do Sul.
O professor defendeu a ampliação do debate da construção de uma sociedade antirracista e afirmou que o Brasil está cada vez mais se empenhando nisso, embora enxergue ainda um longo caminho pela frente no país. Porém, na contramão do Brasil, o restante da América do Sul, para ele, está ainda muito distante da construção de uma sociedade antirracista.
“A gente ainda tem resquícios dessa herança escravocrata nesses outros países e isso não vai mudar enquanto a gente não conseguir de fato difundir a importância do antirracismo, da educação antirracista, do letramento racial nessas sociedades, seja ela argentina, paraguaia, uruguaia, venezuelana, equatoriana, boliviana, enfim. Porque o que a gente vê nesses casos de racismo que ocorrem nos jogos internacionais, sejam da Libertadores ou da Sul- Americana, é justamente essa falta de letramento, essa falta de respeito e a banalização de algo que é criminoso”, disse.

Protagonismo do Brasil
Allan Pevirguladez afirmou que muitas pessoas nos países vizinhos ainda ignoram o racismo e que não veem na discriminação racial um problema. Por isso, ele defendeu a reconfiguração da América do Sul, mas também da Europa, com a construção de uma sociedade antirracista. “Isso é um trabalho que já era pra ter sido feito desde ontem e a gente ainda está a léguas de distância dessa construção”, destacou.
“O Brasil pode ser protagonista, pode liderar essa caminhada da luta antirracista no futebol na América do Sul, basta que as autoridades se empenhem e se engagem”, disse ele. Para Pevirguladez, o crime de racismo deve ser tratado como uma questão de saúde pública e bem-estar. O professor analisou que os países sul-americanos que já passaram por muitos conflitos não precisam “traumatizar mais vidas” permanecendo com o racismo presente na sociedade e destacou a posição do Brasil para combater o crime de dentro do futebol.
“É um protagonismo no sentido de cobrar. Eu vi recentemente uma entrevista da presidente do Palmeiras [Leila Pereira] falando sobre até retirar o seu clube ou os clubes brasileiros da Conmebol. Eu acho que isso é um movimento muito importante porque pressiona esses que representam essas instituições a reverem as suas posturas, as suas formas de punições aos clubes e a essas pessoas que fazem parte dessas sociedades que ainda não entenderam que o racismo é algo que causa um estrago sem precedentes. A gente precisa mudar esse quadro e isso é urgente”, frisou.
O racismo latino-americano
Como parte das punições aplicadas pela Conmebol, o Cerro Porteño divulgou um vídeo com uma campanha contra o racismo no futebol com um trecho que diz que “o respeito é a camisa que todos nós usamos”. A campanha de caráter educativo tenta colocar o ser humano acima de um clube de futebol, algo que é natural da dignidade humana, mas sobreposta no crime.

Para entendermos a forma como cada país sul-americano lida com o crime de racismo, o advogado Sandy Santana explicou que a ofensa mais comum dos estádios, a imitação de macaco, é vista de formas diferentes por brasileiros e por pessoas dos países vizinhos.
“É importante que a gente faça um recorte da América Latina de como a compreensão do racismo é um pouco diferente da nacional. Aqui no Brasil, por exemplo, o insulto de macaco não é feito a um branco brasileiro, mas quando você cruza a fronteira para o Paraguai um branco é chamado de macaco simplesmente porque ele é brasileiro. Eu acho que esse recorte é importante para a gente compreender como esse debate é feito na sul-américa, como ele é feito aqui no Brasil e como o Brasil já tá um pouco avançado nesse debate”, contou.
Sandy Santana disse que é uma luta “quase que invencível” e que no Brasil o crime de racismo é “quase que perfeito”. Gestos e atitudes racistas são em sua maioria mascarados e difíceis de serem identificados. Assim, o advogado também defendeu a educação antirracista para mudar essa cultura.
As diferentes interpretações sobre o racismo
No Brasil o racismo é crime e a injúria racial é equiparada ao racismo. Mas a interpretação não é a mesma em todos os países da América do Sul. O caso Luighi, por exemplo, ocorreu no Paraguai e o país não tipifica o racismo como um crime. Dentro do próprio futebol a justiça desportiva é diferente em cada confederação.
O futebol tem regras universais em maior medida, mas a aplicação de códigos específicos, como punições para casos de racismo, depende do nível em que acontece a competição. No caso dos clubes brasileiros, a nível mundial é a Federação Internacional de Futebol (Fifa), a nível continental é a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), a nível nacional é a Confederação Brasileira de Futebol e ainda tem cada regulamento das federações estaduais.

“É evidente que talvez para um público como um todo pode sim gerar esse tipo de dúvida de porque um fato que aconteceu em outro país tem talvez uma aplicabilidade de regra diferente do que se fosse aqui no Brasil. É justamente por essa organização da competição que é feita e da regra que é aplicada através do seu código em específico”, explicou o advogado, Paulo Henrique Pinheiro, que preside a Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO.
O respeito ao direito humano
O advogado destacou que o código brasileiro de justiça desportiva possui regras firmes para combater o racismo, como multas, perda de mando de campo e perda de pontos. Mas tão importante quanto punir, é educar para que novos casos não ocorram e o advogado acredita que campanhas educativas são essenciais porque o esporte é apenas parte da vida humana e, claro, não sobrepõe a sua dignidade.
“O caráter educativo é essencial porque não podemos esquecer que o esporte não está à margem dos direitos humanos, nós sempre temos que pensar na proteção de um direito fundamental de qualquer pessoa, que é a dignidade da pessoa humana, e o esporte deve caminhar ao lado de todos os direitos humanos. E é evidente que o respeito ao outro é condição básica da prática esportiva”, finalizou.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 4 – Educação de qualidade e o ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes.
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