A proficiência média de três das cinco áreas de conhecimento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) caiu na edição de 2024. Mas como a média geral da edição subiu de 543 para 546 pontos, o ministro da Educação, Camilo Santana, avaliou que o resultado foi positivo. Mesmo concordando com o argumento do ministro, Cláudia Costin, uma das educadoras mais importantes do país, ligou o alerta de problema para as áreas, principalmente, de matemática.

“A impressão inicial que tive da piora em matemática, ao olhar para as médias, é que matemática tem algum problema e a gente precisa lidar com ele”, disse.

A prova de Matemática e suas tecnologias registrou a maior queda entre as médias gerais de cada área de conhecimento: seis pontos. Caiu de 535 pontos em 2023 para 529 pontos em 2024. Nas edições mais recentes do Enem, a proficiência média da área foi de 533,72 (2021), 520,73 (2020); 523,1 (2019) e 535,5 (2018). As médias gerais das áreas de conhecimento de 2022 não foram encontradas.

Cláudia Costin (Foto: Arquivo pessoal)

Para ressaltar que vê um problema grave no aprendizado da matemática no país, Claúdia Costin lembrou que os dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 mostraram que a taxa de estudantes brasileiros que não sabem matemática básica é alta.

“Se a gente pegar o dado do Pisa, aquele exame organizado pela OCDE a cada três anos, o Pisa de 2022 mostrou que 73% dos alunos brasileiros não estão nem no nível básico, ou seja, estão abaixo do básico em matemática. Isso quer dizer que eles têm dificuldade, entre outras coisas, de pensar matematicamente. E pensando que esses jovens vão para a universidade, tanto faz se vão para humanas ou para exatas, eles vão precisar da matemática, porque no exercício da cidadania da vida em geral a gente precisa da matemática”, argumentou. 

Histórico ruim?

Entre os problemas para o alto índice de estudantes com dificuldade em matemática, a especialista cita a falta de professores da disciplina, que ela acredita ser por causa da baixa atratividade da carreira de professor. De acordo com Cláudia, o país tem baixo índice em matemática nos anos iniciais do ensino fundamental, fato que ela atribui a quantidade de horas das aulas.

“Diferentemente de países com bons sistemas educacionais, nós temos só quatro horas de aulas em média no ensino fundamental, o que é muito pouco. A gente precisa criar um número de horas de aulas no ensino fundamental que ensine a pensar matematicamente e que não seja somente despejar conteúdo na cabeça do aluno”, afirmou.

Professor de matemática do Sagres Educa, Beto Penachia disse que o dado não o deixa “extremamente preocupado”. Ele usou o mesmo argumento do ministro da educação, o de que mais pessoas participaram do exame no ano passado, portanto, a tendência era a queda da média.

“Nós ainda estamos num processo de recomposição da aprendizagem em relação aos graves prejuízos que a pandemia trouxe. Então, essa nota média geral que foi apresentada, 529, apesar de ser uma queda de seis pontos que representa pouco mais de 1%, é um resultado que está no mesmo patamar de 2022, que também foi 529”, disse. 

Ensino da matemática

Beto Penachia tem expectativas com a análise que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) irá fazer do resultado da média de matemática, mas o professor atuante em sala de aula se mostrou tranquilo. 

“Ainda não me sinto inseguro do trabalho que estamos fazendo frente a essa pequena queda que a nota de matemática apresentou, haja vista também que, apesar de ter caído, a nota de matemática se manteve superior às outras, com exceção de redação”.

Média 2024Média 2023Média 2022Média2021Média 2020Média 2019Média 2018
  Linguagens528516(não encontrada)501,83523,98520,9526,9
Matemática529535(não encontrada)533,72520,73523,1535,5
Ciências humanas517522(não encontrada)519,61511,64508,0569,2
Ciências da natureza495497(não encontrada)491,05490,39477,8493,8
Redação660645(não encontrada)634,16588,74592,9522,8
Tabela mostra a proficiência média das áreas de conhecimento do Enem de 2018 a 2024 (Fonte dos dados: MEC/Inep)

O professor está destacando na fala que a prova de Redação apresentou o maior aumento na proficiência média: 15 pontos. Saiu de 645 em 2023 para 660 pontos em 2024. A outra área de conhecimento que também aumentou a proficiência média foi Linguagens, códigos e suas tecnologias, que era de 516 e agora é de 528 pontos. A média de Ciências da Natureza ficou em 495 e a de Ciências Humanas em 517. Portanto, mesmo com a queda, Matemática tem a melhor média entre as áreas de conhecimento, 529, abaixo apenas da média da Redação.

Possível causa do problema

Cláudia indicou que há um histórico ruim dos estudantes brasileiros na disciplina e Beto concordou que o ensino da matemática é um desafio no país, destacando em especial a formação dos professores.

Beto Penachia (Foto: Canal YouTube/@penachia1983)
Beto Penachia (Foto: Canal YouTube/@penachia1983)

“A área da docência é uma área que a cada ano está menos atrativa para novos profissionais e também tem o advento do EAD [Ensino a Distância] que impacta negativamente a qualidade da formação do profissional professor. Então, somando todos esses fatores o ensino da matemática é mesmo desafiador”, contou.

No entanto, otimista, Penachia destacou que “o Brasil produz matemática de excelente qualidade”, segundo ele, numa frente talvez não muito divulgada, com resultados positivos em olimpíadas internacionais da disciplina e com materiais de qualidade desenvolvidos aqui no país e que se tornam referência no mundo.

“Então há realmente uma discrepância na matemática de ponta que o Brasil apresenta e a matemática de base que o país apresenta com essas crianças”, defendeu.

Efeitos da pandemia

Um ponto de concordância entre os profissionais é que os efeitos da pandemia ainda estão aparecendo nos indicadores da educação e, por isso, a aprendizagem da matemática também está ainda em recomposição. 

Penachia lembrou que algumas estimativas colocam 10 anos para a recuperação da aprendizagem e que os alunos que fizeram o Enem nas últimas duas edições estudaram remotamente e tem possível defasagem.

“Foram dois anos importantíssimos para o processo de conhecimento dos alunos de sétimo ano e oitavo ano pra matemática, em especial é a parte algébrica que é onde os alunos se desenvolvem o seu raciocínio algébrico e qualidade sobre escrita algébrica e isso foi fortemente prejudicado”, disse. 

Cláudia Costin disse que a pandemia acabou, mas os efeitos do período continuam e também destacou que os jovens são da geração de escolas fechadas. “Foram dois anos com uma educação precária que afetou a aprendizagem dos alunos”, pontuou.

O que revela uma média?

A proficiência média do Enem cresceu em 2024. Para o Ministério da Educação (MEC) isso mostra que a qualidade da educação está no caminho certo. A média de matemática caiu seis pontos, mas para o professor Beto Penachia ela está dentro de uma estabilidade da disciplina, enquanto para a educadora Cláudia Costin ela é parte de um problema grave que também é demonstrado por outros levantamentos.

Tanto Cláudia quanto Beto concordam com o argumento do ministro, que também é defendido pelo professor de biologia, Luiz Primandade. A disciplina dele faz parte da área de Ciências da Natureza e suas tecnologias, que tem também física e química.

Essa área de conhecimento também apresentou queda, mas foi de apenas dois pontos. Era de 497 em 2023 e caiu para 495 em 2024. Primandade afirmou que o aumento de participantes em relação ao ano anterior pode ter contribuído junto com outros fatores para a diminuição. Mas assim como Beto, ele avaliou bem a média.

“Estatisticamente o resultado não foi drástico assim como alguns estudantes acharam. Vale ressaltar que ciências da natureza engloba a biologia, química e física, o que acaba exigindo uma atenção maior do estudante ao responder e correlacionar estes componentes curriculares”, argumentou.

Estabilidade da média

Observando o histórico percebemos que a proficiência média da área de Ciências da Natureza e suas tecnologias cresce anualmente e de certa forma com um salto um tanto exponencial e estável. As últimas médias dessa área de conhecimento foram de 495 (2024); 497 (2023); 491,05 (2021); 490,39 (2020); 477,8 (2019) e 439,8 (2018). 

O crescimento é evidente, com a primeira queda em anos. Por isso, Luiz Primandade analisa que a queda está de fato ligada ao aumento do número de participantes e que a estabilidade permanece.

Professor Luiz Primandade (Foto: Marcelle Alves)

“A estabilidade pode estar relacionada à constância que o Enem vem apresentando nos últimos anos em relação aos conteúdos e a Base Nacional Comum Curricular. E ainda acredito que o engajamento dos Estados e da União com a implementação dos currículos do Ensino Médio poderão auxiliar o aumento deste desempenho dos estudantes nos próximos anos”, projetou.

Aplicação do conhecimento

Um pouco mais rígida que o professor, Claudia Costin argumentou que a queda da média na área de conhecimento tem exatamente o mesmo motivo que entende que houve na matemática. 

“A gente não ensina a pensar matematicamente e o Enem cobra isso. Não basta decorar fórmula porque não é isso que o Enem cobra, decorar fórmulas, fazer análises superficiais, não,  o aluno tem que aprender a usar o conhecimento científico em situações que ele ainda não vivenciou antes”, explicou.

A especialista explicou que o Enem cobra domínio das áreas de conhecimento para além da forma “conteudista”, ou seja, as questões exigem que o conhecimento seja aplicado concretamente.   

“Que é o que a vida traz pra gente. A vida não é um grande exame conteudista, aquilo que você aprendeu na educação básica você tem que aplicar em situações concretas que são as mais diferentes que a vida te apresenta. Então a gente precisa melhorar a qualidade da educação brasileira”, disse. “A gente precisa fazer com que os professores saibam não só o conteúdo que eles ensinam, mas conhecimento pedagógico de conteúdo, ou seja, como é que eu ensino matemática e ciências”, acrescentou.

enem
Estudantes a caminho do Enem (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Mercado profissional

A nota do Enem é a porta de entrada para muitas instituições de ensino superior no Brasil e no mundo. Isso significa que a prova, com todo o seu nível de dificuldade, é um demonstrativo do que esperar no ensino universitário. Luiz Primandade destacou que muitos estudantes começam a perceber a conexão entre as disciplinas da educação básica e sua área de trabalho gradativamente quando ingressam na faculdade e precisam dos conteúdos.

“É muito comum que meus estudantes de ensino médio ingressem em medicina, por exemplo, e depois entrar em contato comigo para contar que muitos dos conceitos e conteúdos que estudamos ele está vendo na faculdade com maior aprofundamento”, disse.

Para Beto Penachia há uma percepção da importância da matemática “tardia” quando os estudantes chegam à universidade. Ele ressaltou a importância da matemática na vida de todos os adultos e destacou a necessidade de construir a conexão entre as fórmulas matemáticas e suas aplicações reais desde os anos iniciais da escola.

“É um grande desafio tentar reduzir essa percepção tardia dos nossos alunos, mas os nossos adolescentes precisam despertar para verem que matemática não é só uma equação que o professor coloca no quadro, mas abrir a cabeça pra ver que ela ajuda no desprendimento cognitivo necessário para desenvolver e organizar uma resposta”, disse.

Investimento em educação

Todos concordam com o argumento do Ministério da Educação de que o resultado do Enem foi positivo para a qualidade da educação brasileira, mas avaliam que ainda são necessários muitos investimentos para melhorar o ensino no país.

“O resultado da matemática mostra que temos um longo caminho a trilhar para que a gente consiga melhorar”, destacou Beto. “A maneira da correção das provas do Enem não é sobre a quantidade de questões acertadas, mas sobre a qualidade da maneira como o aluno responde. Então, quando a gente receber as estatísticas do Inep, a gente vai conseguir entender melhor o escopo desta nota e seu reflexo”, acrescentou.  

Cláudia Costin não é indiferente ao festejo com o aumento da proficiência média do Enem 2024, mas afirmou que é preciso avaliar as duas realidades. 

“É preciso entender que o aluno está saindo em média mais preparado para um exame que vai dizer se ele está pronto para uma universidade e do outro lado vê onde que a gente precisa fazer um investimento maior para melhorar. Na minha avaliação esse investimento deveria ser em matemática porque nós estamos muito frágeis em matemática”, finalizou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.

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