A pandemia e a necessidade de isolamento social impulsionaram grandes transformações nas relações e nos formatos de trabalho, como o surgimento do nomadismo digital. Uma das mudanças mais significativas foi a popularização do home office, que foi adotado por várias empresas e continuou sendo uma prática comum mesmo após o fim do período de quarentena.

O modelo de trabalho gerou uma intensificação do processo de globalização, uma vez que agora é mais fácil trabalhar para uma empresa sediada em outro país. Como resultado, temos testemunhado o crescimento dos nômades digitais, pessoas que abandonam suas bases fixas e vivem em diferentes lugares ao redor do mundo, apoiando-se no trabalho remoto.

Atualmente, estima-se que cerca de 35 milhões de pessoas adotaram o nomadismo digital em todo o globo. De acordo com o Relatório Global de Tendências Migratórias de 2022, da Fragomen, esse número deve chegar a 1 bilhão até 2035. Esse aumento significativo reflete a crescente aceitação do trabalho remoto, bem como a busca por maior flexibilidade e liberdade na forma como as pessoas vivem e trabalham.

Nesse sentido, o professor Ildeberto Rodello, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, afirma que as novas gerações possuem esse perfil social. “Hoje, temos um perfil menos apegado à família, o que pode influenciar. De maneira geral, é uma oportunidade interessante, principalmente para os mais jovens”, comenta.

Nomadismo digital x Home office

Em entrevista ao Sistema Sagres de Comunicação, Ildeberto Rodello explica que nomadismo digital é uma forma de trabalho em que o colaborador não precisa estar presencialmente na sede da empresa em um horário específico.

“Existe uma confusão considerando o nomadismo digital com home office, aquele que você está em sua casa, na mesma cidade da empresa, mas você tem uma casa fixa. O nomadismo digital é um tipo de home office, mas você não tem uma casa fixa. Você executa seu trabalho independente do local em que esteja, então hoje posso estar em uma cidade x e amanhã em outra y fazendo o mesmo trabalho”, afirma.

Obviamente, optar pelo nomadismo digital depende do trabalho que a pessoa tem, ou seja, aquela atividade que é possível fazer de forma remota. Além disso, é necessário ter uma flexibilidade de horário, como explica o professor.

Ildeberto Rodello – Foto: FEA-RP

“A principal motivação da pessoa em ser um nômade digital é a possibilidade de ter liberdade de executar seu trabalho onde quiser. Pode ser um quarto de hotel, coworking, um restaurante ou uma padaria que ofereça conexão Wi-Fi. Essa parte da infraestrutura também é importante”, destaca.

Turismo

Muitas outras pessoas optam por investir em uma vida sem uma base fixa e exploram novas cidades constantemente. Segundo Rodello, esse constante movimento também tem o potencial de impactar a realidade econômica de diversas comunidades ao redor do mundo. Sendo assim, ele reconhece que o nomadismo digital está se tornando uma tendência cada vez mais relevante.

“A pessoa praticando nomadismo digital tem a flexibilidade de aproveitar períodos de baixa temporada, em termos de turismo, trabalhar e aproveitar aquela região. Em geral, o nômade não vai ficar por uma semana, mas um mês ou dois. Ele precisa se programar, ter uma reserva financeira”, acrescenta.

A ideia de aproveitar a baixa temporada é justamente aproveitar preços mais baixos em cidades turísticas que tendem elevar seus custos em grande fluxo de turistas. Outro destaque do professor é para países que estão procurando atrair os nômades digitais.

“O nomadismo pode ser nacional, que fica viajando dentro do Brasil, ou internacional, migrando de país em país. Tem que prestar atenção basicamente em duas coisas: a questão do visto, inclusive existem países que estão concedendo vistos especiais para nômades digitais; e o fuso-horário. Essa flexibilidade pode envolver reuniões em equipe e a pessoa tem que estar ciente disso”, pontua.

Sacrifícios

Optar pelo nomadismo digital requer alguns sacrifícios também. Se a pessoa tem um perfil mais fixo, possui familiar, Ildeberto Rodello acredita que dificilmente esse trabalhador vai conseguir se adaptar como um nômade.

“A pessoa não tem que ter apego a bens materiais, porque não vai ter a casa dela, pode não ter o veículo. A gente não vê, na maioria das vezes, nômades digitais com família, que tenham filhos, porque isso envolve uma questão sentimental de estar próximo. Um dado interessante que tenho visto em estudos é que o nomadismo digital está subindo em virtude da quantidade de casamentos estar caindo”, relaciona.

“Então, basicamente eu vejo que dificuldades tem a questão do fuso-horário, bens, família e a infraestrutura. A pessoa não vai ter aquela estrutura fixa, então tem que prestar atenção onde ela vai trabalhar. Não sou nômade digital, mas tenho um exemplo que me atrapalhou no trabalho. Estava em São Paulo para uma reunião, mas a janela do meu quarto ficava ao lado de um heliporto, então não conseguia fazer videoconferências ou me concentrar”, finaliza.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 08 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico

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