Chico Anysio interpretou o personagem professor Raimundo, conhecido pelo bordão: “E o salário ó” (Foto: Reprodução/ Internet)

Uma discussão sobre o princípio de liberdade, da dignidade e a condenação em segunda instância ganhou destaque na mídia e nas rodas de conversa dos brasileiros nos últimos dias, tudo graças aos posicionamentos divergentes dentro do Supremo Tribuna Federal (STF) sobre o assunto. Não é raro encontrar advogados, colunistas, críticos e especialistas conversando sobre ser contra ou a favor a votação e sobre a hermenêutica da lei constitucional. Essa questão ganha grande importância quando envolve personagens poderosos, que torna o foco nesta pauta exagerada e nubla outros princípios constitucionais que devem entrar no debate, como a dignidade da pessoa como consequência imediata e lógica de uma boa remuneração.

O salário mínimo deveria, segundo a própria lei e a carta republicana, garantir e atender as necessidades vitais de todo cidadão e sua família. O que inclui: alimentação, moradia, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência social. Mas o que se assiste hoje é que o salário mínimo não consegue atender sequer a alimentação do brasileiro.

O que nos leva a analisar como personagens importantes conduzem um debate em todas as esferas da sociedade sobre o princípio da dignidade humana e existe uma omissão nos temas que iriam beneficiar e proteger um maior número de pessoas. Não que a discussão deveria ser invalidada, mas que outras pautas ganhem a relevância no Brasil, ainda mais por terem o mesmo aspecto de abordar a dignidade humana.

Na literatura judaica do século XII, o sábio e filósofo conhecido como Maimônides escreveu que o maior nível de projeto social é a busca pela justiça social. Essa busca não se tratava de fazer caridade (ou um projeto social para a extinção da fome), mas sim de entregar um emprego para que a pessoa possa, com a sua remuneração, ter dignidade. Mas o cenário do Brasil é desfavorável. De acordo com uma projeção feita pelo Departamento Intersindical de estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o salário do brasileiro deveria ser de R$ 3.706,44 (em março de 2018), algo bem distante da nossa realidade de R$ 954.

Existe um histórico preocupante no Brasil. Sabemos que durante o período militar houve um distanciamento do salário mínimo para o ideal. Com a retomada da democracia e a entrada do plano Real ocorreu uma melhora, que continuou durante o governo Lula. Mas toda essa melhoria ainda ficou muito aquém do que deveria ser, mesmo com uma promessa do governo Temer de ultrapassar o valor de mil reais em 2019, forma de compensar o reajuste abaixo da inflação de 2018.

Mas quando se olha para o que Maimônides disse sobre a busca pela justiça social no século XII e para o salário mínimo brasileiro atual e não debatemos essa questão, ignoramos uma situação que fere a dignidade humana. Neste cenário que as pessoas são levadas ao desespero e buscam soluções cada vez menos prestigiadas e, em alguns casos, até ilícitas.

É preciso debater sobre esse tema com grande urgência. Os três poderes no Brasil não podem ficar só nos itens que atualmente vem ocupando a mídia, que envolve os grandes personagens da política. É preciso refletir sobre como levantamos a questão da dignidade humana nas discussões quando milhões de pessoas necessitam de uma remuneração digna. É dever do Estado garantir, respeitar e fomentar com princípio fundamental a dignidade da pessoa humana.

Prof. Dr. Samy Pinto