Imagine um grande monte de tiras de papel, de várias cores, de vários tipos, sendo despejado de uma só vez a cada minuto em rios e mananciais? Catadores e cooperativas em todo o país trabalham diariamente para evitar que o material tenha esse destino, em prol do meio ambiente e da sustentabilidade. Este é apenas um dos exemplos da prática de reciclagem.

No entanto, esta importante ferramenta de economia circular e pró-meio ambiente pode estar em risco. Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se haverá ou não a volta da cobrança de PIS/Cofins sobre a venda de insumos e produtos recicláveis no Brasil.

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A isenção existe há 15 anos, mas desde o ano passado o STF analisa um processo judicial proposto por uma indústria de papel (RE nº 607.109), e acabou julgando inconstitucional o benefício existente na Lei nº 11.196/2005, a chamada “Lei do Bem”, que prevê que a venda de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, papel, vidro, ferro ou aço, cobre, entre outros materiais recicláveis, fosse isenta de PIS/Cofins.

Para a presidenta da cooperativa Cooper Rama, localizada em Goiânia, Dulce Helena do Vale, seria grande o impacto econômico que o retorno da cobrança poderia causar ao setor. “Se voltar essa porcentagem, haverá uma baixa muito grande na renda dos catadores. A renda de recicláveis é muito baixa, eu digo que a gente sobrevive de centavos. Se partir para um imposto que vai ser acima de R$ 12 em um produto que a gente vende hoje a R$ 0,15, o que vai sobrar para a gente?”, questiona.

STF

No fim do último mês de outubro, o julgamento dos recursos foi iniciado. No entanto, acabou suspenso em razão de um pedido de vistas feito pelo ministro Dias Toffoli, imediatamente após o ministro Gilmar Mendes apresentar seu voto pela manutenção da decisão.

Caso o STF julgue procedente o processo, as operações de venda desses materiais, inicialmente, passarão a ser tributadas normalmente pelas contribuições de PIS/Cofins nas alíquotas de 3,65% ou 9,25%. “Tem certos tipos de produtos que a gente vai estar pagando para vender. Não vamos conseguir sobreviver com essa taxação desse imposto”, argumenta Dulce Helena.

O papel misto, por exemplo, segundo a presidenta da Cooper Rana, é vendido a R$ 0,15 o quilo. Por ser muito baixo, ela teme que a taxação elimine qualquer possibilidade de lucro por parte das empresas de reciclagem. “É um produto que já foi taxado o imposto lá atrás. Isso vai virando uma bola de neve e quem vai pagar somos nós, catadores, e então se tornar a parte mais fraca da cadeia de reciclagem”, analisa.

Sustentabilidade

Entre os maiores benefícios da reciclagem e do reaproveitamento de materiais para o meio ambiente é evitar o descarte desses resíduos em rios, córregos, encostas e lixões, como medida de combate à poluição, enchentes e desastres ambientais.

“Nem as empresas deveriam pagar isso [PIS/Cofins], porque é um bem que a gente está fazendo ao meio ambiente, à natureza. Nós estamos fazendo um reaproveitamento de matéria-prima”, contesta a presidenta da cooperativa.

A expectativa dos contribuintes, agora, é que os demais ministros que ainda não votaram reavaliem o caso. Dulce Helena teme que o mercado prefira buscar produtos elaborados diretamente a partir da extração de recursos naturais e que os trabalhadores do setor de reciclagem abandonem as atividades em busca de outros empregos.

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“Se eu não tenho uma renda digna, por que trabalhar com isso? Quem tira a maior parte dos recicláveis da natureza são os catadores. Vai ser melhor procurar outros empregos. Por que reciclar se não vai compensar?”, indaga.

Uma esperança de cooperativas e catadores, por outro lado, é o Projeto de Lei nº 4.035/2021, que tramita na Câmara dos Deputados e propõe isentar expressamente de PIS/Cofins as operações com materiais recicláveis, mantendo a isenção do artigo 48 da Lei 11.196/2005 e permitindo o crédito a quem adquiri-los. O assunto, no entanto, ainda promete mais desdobramentos na Casa.

Impacto na inclusão

De acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o Brasil possui cerca de 782 mil pessoas trabalhando ou ligadas às famílias no setor de recicláveis. A taxa de analfabetismo desses trabalhadores, que é de 20%, é bem superior à registrada para o restante da população, de apenas 6%.

A população de catadores é composta, em sua maioria, por mulheres (cerca de 70%), e o trabalho de coleta de recicláveis propicia uma renda familiar média baixa, em torno de R$ 930 mensais, segundo o levantamento.

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