Que tal um alimento fresquinho na mesa, saudável e sem agrotóxico? O produto orgânico é aquele produzido sem o uso de agrotóxicos, adubos químicos sintéticos, sementes transgênicas e drogas veterinárias. Nesta reportagem você vai conhecer diversos benefícios do orgânico, tanto para a natureza, quanto para o ser humano.

Na casa da engenheira agrônoma, Janice Morais, só entra produto orgânico. O hábito mudou em 2013 e ela disse que comer esse tipo de alimento mudou a vida dela.

“Eu consumo coisas que antes não consumia. Então, estou sendo ‘obrigada’ a fazer uma salada litreralmente todo dia. Vou lá no alface, beterraba, cenoura, rúcula e mando ver, mesmo sem ter vontade, porque se não vai estragar. Tem que comer”, revelou.

(Janice Morais | Foto: Reprodução/Sagres TV)

Tudo bem, mas qual a diferença entre o produto orgânico ou o agroecológico daquele convencional? O engenheiro agrônomo e coordenador Institucional do Instituto do Fortalecimento da Agropecuária em Goiás (IFAG), Leonardo Machado, explica os pontos de divergências, por exemplo, o controle de pragas e doenças.

“A diferença quando a gente fala em produtos orgânicos e não orgânicos é a questão do controle de pragas e doenças, e também muito sobre a fertilização. Quando você tem produto orgânico, você não utiliza produtos sintéticos na sua atividade, ou seja, você utiliza produtos naturais para evitar que pragas e doenças ataquem e causem prejuízo na produtividade”, diferenciou.

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Leonardo Machado
(Foto: Reprodução/Sagres TV)

Para entender melhor, o Sistema Sagres de Comunicação foi visitar uma propriedade com plantações orgânicas. Cláudio de Castro, que era professor, é o dono, e ele contou que depois de uma experiência ruim com alimentação, decidiu apostar as fichas na agricultura.

“Cerca de seis ou sete anos atrás, eu tive uma intoxicação alimentar bastante séria. Passei no verdurão, comprei couve, que gosto muito, e comi bastante no almoço, fizemos um suco e tive que ir para o hospital, essa coisa toda. Fiquei pensando, tenho uma chácara, nessa época eu era professor, e ficar comprando alimentos contaminados, é um contrassenso muito grande. Então, decidi parar com a profissão de professor e vim cultivar meu orgânico”, revelou.

(Produtor Cláudio de Castro | Foto: Reprodução/Sagres TV)

Logo quando chegamos na propriedade, avistamos um milharal. Nele, Cláudio explicou que um dos segredos para se ter uma boa plantação e colher adequadamente está relativo ao cuidado com a terra.

“É a questão da nutrição do solo, então a gente nutre bem, utilizando somente adubo orgânico, esterco de galinha, bovino, mas não se aplica nenhum produto químico. O solo fica todo forrado por uma palhada que é do próprio capim, a gente mantém isso para que o solo esteja preservando mais água e a atenção com essa nutrição. Um esterco com boa qualidade dá resultados impressionantes”, explicou Cláudio.

(Plantação de milho de Cláudio de Castro | Foto: Reprodução/Sagres TV)

Cláudio relatou que para ter um bom esterco, também há um bom segredo. Ele cita que é preciso ter uma relação da planta com a matéria orgânica e desta forma, o vegetal vai crescendo forte e saudável.

“A nutrição do solo é feita com matéria orgânica. Então, é o esterco de galinha, por exemplo, aí você faz uma compostagem, aproveitando restos de alimentos que já estão entrando em decomposição. Você junta isso com o esterco de galinha, cinza e deixa promover essa compostagem. Depois disso, o resultado é um adubo extremamente rico em nutrientes que a planta precisa e isso prescinde de adubação química totalmente”, pontuou Cláudio.

(Esterco curtido pelo produtor Cláudio de Castro | Foto: Reprodução/Sagres TV)

Na sua propriedade junto com o milho, Cláudio também plantou feijão e abóbora, em um sistema de consórcio, que segundo ele, é justamente para evitar a monocultura e um desequilíbrio ecológico.

“No meu caso, eu tenho plantação de milho, abóbora e feijão, tudo ao mesmo tempo. Você planta esses três produtos e mantém todo sistema a partir de uma irrigação com gotejamento, que consome bem menos água, que também é uma preocupação. Esse sistema que você tem mais de uma cultura ao mesmo tempo no mesmo metro quadrado atrai insetos que são bons para uma cultivar, bons para outra e produz esse equilíbrio”, justificou Cláudio.

(Abóbora e feijão, respectivamente | Foto: Reprodução/Sagres TV)

Caminhando mais pela propriedade, Cláudio foi mostrando outras culturas orgânicas, como bananeiras, sabugueiro, café, cajuzeiro, pés de jiló, berinjela. Tudo isso no chamado sistema de consórcio.

“A gente divide a terra em talhões e em um deles fazemos o plantio consorciado de plantas que permitem você fazer uma recuperação do solo, manter o bioma mais equilibrado. Então, a gente planta uma série de produtos dentro de uma mesma área, evitando a ideia da monocultura. Isso a gente planta em forma de linhas e vai monitorando ao longo do tempo. Aí você tem todo tipo de inseto, porque todos são bons, eles têm o papel dentro da natureza, mas o desequilíbrio, especialmente pela monocultura, é que faz com que prolifere somente aquele inseto, tendo uma praga que acaba com a lavoura”, ressaltou Cláudio.

(Bananeira, sabugueiro, pé de café, cajuzeiro, jilós e berinjelas, respectivamente | Foto: Reprodução/Sagres TV)

No local, uma planta amarela chamou a atenção. Trata-se de uma crotalária e, com a presença dela, Cláudio disse que não precisa aplicar nenhum produto quimicamente manipulado.

“No caso da crotalária, ela serve de adubação verde e atrai diversos tipos de insetos que são benéficos à lavoura, como libélulas, abelhas, que vão possibilitar a fertilização das outras plantas. Ao mesmo tempo que fica bonito também, uma plantação de orgânicos que você olha e fica encantado com ela, com a produção e a beleza da diversidade de cores”, explicou Cláudio.

(Foto: Crotalária | Reprodução/Sagres TV)

Saúde

A especialista em produtos orgânicos e professora da Universidade Federal de Goiás, Graciella Corcioli, apontou os benefícios desse tipo de alimento à saúde, tanto de quem come quanto de quem produz. Para ela, é importante ter a preocupação quanto à intoxicação.

“Esses alimentos são importantes porque tem menor possibilidade de virem contaminados com agrotóxicos ou outros produtos químicos que podem causar uma série de doenças à saúde do ser humano. A gente tem também uma questão associada à saúde do produtor rural, uma série de intoxicação do trabalhador que manuseia esses produtos químicos na hora de produzir e muitas vezes ele tem uma intoxicação aguda”, explicou.

(Graciella Corcioli | Foto: Reprodução/Sagres TV)

Vale ressaltar ainda que o cultivo do produto orgânico é bom também para o meio ambiente. “Esse agrotóxico gera um resíduo que muitas vezes é muito difícil de tirar do planeta. Então, a gente tem, por exemplo, produtos químicos aplicados no solo, que vamos encontrar depois no peixe, porque lixiviou, veio uma chuva e levou para dentro da água e ele se acumulou na carne do peixe. Então, temos problemas relacionados ao solo, água e muitas vezes ao próprio alimento, como o peixe, que vai ter que deixar de consumir por estar contaminado. Sem contar outros vários danos ambientais”, argumentou Graciella.

Mesmo assim, Leonardo Machado defende que o agrotóxico pode ser usado na agritultura, desde que seja com a dosagem, aplicação, ou seja, da maneira correta.

“O produto para ser utilizado no Brasil precisa passar por um criterioso processo de licença no Ministério da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura. Somente se ele não causar impacto ao meio ambiente, à saúde e for eficiente agronomicamente, ele será liberado. A gente fala esses conceitos quando o produto é bem utilizado. Ou seja, apliquei em um tomate, por exemplo, tenho um período entre a utilização e a colheita. Se eu respeitar e utilizar a dosagem correta, não causa mal nenhum a quem consome e nem mesmo para quem utiliza, se usar EPI”, afirmou.

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Por outro lado, Graciella Corcioli destacou que é preciso julgar caso a caso. “A gente vai ter uma gradação na toxicidade desses produtos e no perigo que vai trazer, tanto na saúde humana, quanto ao meio ambiente. Claro que tem produtos que têm um potencial de causar algum risco muito menor do que outros, então não dá simplesmente para falar que utilizando da maneira que está na bula está tudo certo. Não é bem assim, porque a gente tem uma quantidade de resíduos que podem ser encontrados nesses alimentos”, pontuou.

“Se a gente pegar o feijão, a quantidade de resíduo que a gente é autorizado aqui no Brasil de resíduos de agrotóxico é 300 vezes maior do que na União Europeia. Então, só disso dá para pensarmos o motivo. Será que o organismo humano no Brasil é mais resistente? Não, é porque aqui existe uma abertura maior para liberar esses produtos e aceitá-los com altas quantidades de resíduo”, exemplificou.

Além disso, Cláudio lembra que a produção orgânica também vai além de uma simples utilização ou não de insumos químicos e chama a atenção para toda uma cadeia produtiva.

“Há um outro eixo que a gente se preocupa muito, que é a social. Quando você tem um funcionário trabalhando dentro desse sistema orgânico, ele tem que estar devidamente equipado, precisa também estar com a carteira registrada, além de também pagar melhor, mais justa. Então, é uma série de coisas, é um sistema que está em atividade, ao invés de ser simplesmente plantar sem agrotóxico”, destacou.

Comercial

No aspecto comercial, o coordenador do IFAG, Leonardo Machado, acredita que a produção orgânica dificilmente tem chances em larga escala. “É um nicho de mercado excelente para muitos produtores que querem mais renda, porque é um produto que tem um valor agregado maior, que querem atender um público que necessita desse produto. Mas, pensar em solução para uma agricultura maior dificilmente vai se tornar realidade”, afirmou.

Contudo, na visão da especialista, existe um mito por trás disso tudo. “Isso é algo que a gente escuta desde a década de 1970, quando falava em modernização da agricultura. Por muito tempo, nós acreditamos que precisava utilizar esses insumos químicos para matar a fome da população mundial. Hoje o agronegócio continua com essa história”, criticou.

“A ciência evoluiu muito de 1970 para cá, então a gente tem possibilidade de produzir sim, mesmo nesses sistemas de monocultura. É mais complicado, sem dúvida. Quando você coloca um mar de soja, a possibilidade de ter uma quantidade de insetos que vai atacar aquela lavoura e vai causar prejuízo econômico é muito maior. Mas, hoje a gente já têm bioinsumos, inclusive em lavouras de soja. O próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desenvolvem a produção de arroz orgânico e já começaram a de soja orgânica”, completou.

Se o alimento convencional tem mais vendas, o que fazer para incentivar o produtor orgânico e o consumo desse tipo de alimento? Graciella Corcioli traz alguns pontos tais como a diminuição de impostos para produtos químicos.

“Incentivando uma redução nos impostos desses insumos biológicos, que não é o que acontece no Brasil. Hoje a gente diminui o imposto de produtos químicos, porque o governo incentiva esse tipo de cultivo convencional. Isso deveria ser ao contrário, incentivar o agroecológico, o orgânico, porque traz menos prejuízo à saúde e ao meio ambiente”, pontuou.

“Hoje a sociedade já está bem mais ligada nisso, que é comprar um produto que é menos processado possível. Tem essa comercialização direta do agricultor com o consumidor, que está sendo bastante priorizado pelas famílias que tem possibilidade de ir a uma feira, conhecer o agricultor que produz. Isso é muito importante, é o que a gente chama de circuito curtos de comercialização, você conhecer quem está te vendendo. Isso faz toda a diferença, porque você acaba selecionando o produtor que tem um compromisso com a saúde. Quando a gente fala em comercialização direta, automaticamente falamos de agricultura familiar”, afirmou.

Como consumidora há quase 10 anos, a Janice também tem suas dicas. “Eu recomendo que a pessoa frequente feiras. No nosso caso, na região de Goiânia, é a feira da Adal, que ocorre aos sábados no Mercado Municipal da 74. Então, lá você consegue preços bem mais agradáveis, porque você elimina o atravessador, o intermediário. O empório é um lugar bacana, mas ele também é um intermediário. Então, quando você vai para a feira de produtos certificados, você elimina essa possibilidade”, ressaltou.

“Quando você participa de uma feira e você olha para aquele agricultor, está vendo quem está lá, debaixo do sol, chuva, produzindo para você comer, é muito diferente. Vai para além de um valor maior que você tem que pagar, muito além de uma relação comercial, a relação acaba sendo humana”, revelou.

Vivendo exclusivamente do campo, o Cláudio conta com a ajuda da família para preparar a terra, plantar, cuidar, colher e vender. A vida de todos mudo, e para melhor.

“É uma guinada gigantesca, não tem como nem mensurar, porque viver do campo, tem uma sensação de isolamento do meio urbano e a vida é mais desacelerada. Você lidar com a terra, parece que ela chama a gente, vê uma planta crescendo, aprender a trabalhar com ela, isso é extremamente gratificante. Então, a qualidade de vida é infinitamente superior”, avaliou.

Repense

Esta reportagem integra a série Repense desenvolvida pelo Sistema Sagres de Comunicação com o apoio da Fundação Pró Cerrado. Ao longo de 12 episódios vamos aprofundar sobre temas relativos ao combate à fome e formas alternativas de produção de alimentos, ligados ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 02 da Organização das Nações Unidas (ONU), que é “Fome Zero e Agricultura Sustentável.

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