Dois times americanos, um da National Football League (NFL) e outro da Major League Baseball (MLB), mudaram seus nomes na tentativa de evitar a propagação de termos racistas contra indígenas. Palavras como denegrir, magia negra, índio, entre outras, fizeram parte de nosso vocabulário por muitos anos sem nem refletirmos sobre seus significados.

Isso é um claro reflexo do racismo estrutural em nossa sociedade, em que muitas vezes reproduzimos termos que ofendem determinadas minorias. Sendo assim, no esporte isso não é diferente. Pelo contrário, está mais presente do que imaginamos.

O Washington Commanders, como é chamado atualmente, é uma equipe profissional de futebol americano que tinha um nome e uma logo que serve de exemplo. Do mesmo modo, o atual Cleveland Guardians, time de beisebol dos Estados Unidos, também mudou seu nome e brasão para evitar a reprodução do racismo.

Nesse sentido, no passado, a equipe da capital americana se chamava Washington Red Skins. Traduzindo para o português, ‘Red Skins‘ quer dizer pele vermelha, apelido pejorativo dado aos povos nativos da região. Do mesmo modo, no outro caso, o time do estado de Ohio tinha o nome de Cleveland Indians, além de usar a representação de um indígena na logo.

Início

Antes de 1932, o Washington Redskins tinha o nome de Boston Braves e também possuía uma conexão com os nativos americanos. A franquia era sediada na cidade de Massachusetts e jogava no Braves Park, compartilhando o estádio com o time de beisebol Boston Braves.

Entretanto, é importante destacar que, depois de algumas mudanças ao longo dos anos, esse time de beisebol agora é o Atlanta Braves. No ano de 1933, George P. Marshall, que na época era o presidente dos Braves, decidiu transferir a equipe para o Fenway Park, casa do Boston Red Sox na MLB, deixando o Braves Park.

Com a mudança, tornou-se necessário também alterar o nome, para evitar possíveis confusões com o Boston Braves. Existem várias versões sobre como ocorreu a mudança de nome, sendo a mais conhecida relacionada ao técnico da equipe.

Segundo Marshall, a decisão de mudar o nome da equipe foi uma homenagem ao técnico William Henry Dietz, apelidado de “Lone Star”. Dietz, que era um dos principais treinadores do futebol americano universitário e liderou o time entre 1933 e 1934, afirmava ser membro da tribo Sioux.

Décadas depois, o atual proprietário da franquia, Dan Snyder, usou a origem nativa-americana de Dietz como uma confirmação da escolha do novo nome como uma homenagem.

Dúvidas

Apesar disso, a ESPN publicou um artigo confirmando as dúvidas levantadas sobre a origem de Dietz ao longo de décadas. De acordo com a reportagem, Dietz teria inventado sua ascendência nativa-americana.

O objetivo era evitar a convocação para o Exército dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919, ele foi julgado por essa fraude e duas testemunhas afirmaram que ele era filho de imigrantes alemães.

Uma das figuras importantes nesta história é a historiadora Linda Waggoner, que se aprofundou na vida de Dietz e sua esposa, Angel De Cora, uma artista nativo-americana. De acordo com a reportagem da ESPN, Waggoner disse uma frase reveladora: “(Dietz) não era quem ele disse a ela (De Cora)”. A historiadora afirmou que o treinador assumiu a identidade de James ‘One Star’, um veterano do Exército e membro da tribo Sioux Oglala.

Washington

Em 1933, Marshall informou à Associated Press que mudou o nome da equipe de Boston Braves para Boston Redskins para dissociar a franquia da NFL do time da MLB. Quatro anos depois, ele optou por realocar a franquia em Washington e manteve o nome Redskins, pedindo ajuda à sua esposa, Corinne Griffith, para escrever um tema para o time.

A música ‘Hail to the Redskins’ é ainda usada atualmente, e durante mais de 30 anos, incluía uma frase controversa que foi alterada em 1972, após líderes nativo-americanos pedirem ao então presidente do time, Edward Bennett Williams. A letra original tinha o trecho “scalp ‘um”, que pode ser traduzido como “escalpele eles”, e hoje é cantada como “beat ‘em”, ou “batam eles”.

Essa afirmação é controversa e ainda é debatida pelos estudiosos. Michael Taylor, professor assistente na Colgate University, é uma das vozes que argumentam que o termo ‘redskin’ poderia estar associado à prática de pagamento de recompensas pela morte de nativos americanos, com o escalpelamento sendo uma forma de comprovar a morte para receber a recompensa, durante a era colonial norte-americana. No entanto, não há consenso acadêmico sobre essa teoria.

Um anúncio veiculado em 1863 no jornal Winona Daily Republican, em Minnesota, corrobora a tese de Michael Taylor, cuja família tem origem na tribo Seneca, que aponta a possível origem do termo ‘redskin’ na prática colonial norte-americana de pagamento de recompensas pela morte de nativos americanos, sendo o escalpelamento uma das formas de comprovar a morte para receber a recompensa. O anúncio mencionado afirma que “a recompensa governamental por nativos americanos mortos subiu para US$ 200 por cada ‘red-skin’ enviado ao purgatório”.

Polêmica

Um dos argumentos dos defensores da manutenção do segundo nome da franquia é sobre uma pesquisa do Washington Post em 2016. Segundo a pesquisa, nove em cada 10 nativos americanos entrevistados afirmaram não se sentirem ofendidos com o uso do termo pelo time da NFL.

Alguns argumentam que, se os próprios nativos americanos e seus descendentes não se sentem ofendidos, por que outras pessoas têm o direito de exigir mudanças? No entanto, é importante lembrar que a opinião dos nativos americanos não é unânime e muitos consideram o termo ofensivo e prejudicial para a comunidade.

Além disso, a pesquisa em questão também recebeu críticas por sua metodologia e por não representar a totalidade das opiniões e experiências dos nativos americanos nos Estados Unidos.

Cada argumento é passível de um contra-argumento. Um estudo conduzido pela Universidade da Califórnia – Berkeley e publicado no início de 2020 no Social Psychology and Personality Science Journal mostrou que mais da metade dos mil nativo-americanos pesquisados se sentem ofendidos pelo termo e mascote utilizados pela franquia.

Jogadores do Washington Redskins em partida da NFL | Foto: NFL

Mudança

A ESPN relatou que pelo menos 15 líderes ou representantes de organizações vinculadas ao movimento dos nativos-americanos reforçaram o pedido de mudança do nome. Eles assinaram uma carta enviada a Roger Goodell, comissário da NFL, pressionando por uma alteração imediata no nome da franquia associada à capital dos Estados Unidos.

Durante uma entrevista em 2014 para o programa “Outside the Lines”, Dan Snyder defendeu a versão que homenageia Dietz, afirmando que a ouviu inicialmente de seu pai, o jornalista Gerry Snyder. No entanto, um ano antes, ele afirmou ao USA Today que não ia mudar nada em relação ao nome da franquia.

Apesar disso, em 2020, a equipe alterou seu nome de Washington Redskins para Washington Football Team. O nome temporário foi até a escolha de um novo nome oficial, que atualmente é Washington Commanders. A franquia também removeu o nome Redskins de todas as propriedades relacionadas à equipe, incluindo o estádio, uniformes e presença digital, além da logo utilizada há 87 anos.

Uniforme do atual Washington Commanders | Foto: Reprodução/commanders.com

Red Skins

A primeira aparição do termo “redskin” remonta ao século XVIII. Segundo o jornal The Washington Post, o chefe Mosquito, líder de uma tribo indígena da região do Mississippi, utilizou o termo em uma carta enviada a um oficial britânico. Nancy Shoemaker, autora do artigo “How Indians got to be red”, afirma que o termo se popularizou durante o período em que os cristãos passaram a ser referidos como “brancos”.

No início do século XIX, James Madison, que era presidente dos Estados Unidos na época, usava o termo “redskin” para se referir aos nativos americanos, de acordo com o The Washington Post.

Na segunda metade do século, o termo começou a ser pejorativo, como foi prescrito pela edição de 1898 do Webster’s Collegiate Dictionary. Ele definia “redskin” como uma pessoa “geralmente indolente”. Atualmente, muitos dicionários classificam o termo “redskin” como ofensivo, incluindo o Cambridge Dictionary, o Merriam-Webster e o Collins English Dictionary.

Cleveland

Assim como o time de futebol de Washingotn, o atual Cleveland Guardians do beisebol também tem um passado com termos racistas contra indígenas. A mudança ocorreu após 105 anos utilizando o nome Indians, traduzido “índios”, que foi alvo de críticas por comunidades de nativos americanos pelo seu caráter racista.

Uma das mudanças mais significativas foi a remoção da imagem do Chief Wahoo, um dos mascotes do time. Durante muito tempo, essa figura foi objeto de críticas por ilustrar um nativo americano com uma pele vermelha e características exageradas com estereótipos ofensivos. Em seu lugar, criaram um novo logotipo com duas letras “G” envolvendo uma bola de beisebol, que é atualmente.

As letras nas camisas também passaram por mudanças, deixando de ter um formato quadrado para adotar um design mais pontiagudo. Além disso, a mesma fonte está em outro logotipo, que consiste simplesmente na letra “C”, e está nos uniformes para jogos fora de casa.

A alteração do nome ocorreu no ano passado, mas a logo já tinha sido substituída por um “C” de Cleveland em 2018. O nome “Guardians” faz referência às estátuas localizadas na ponte Lorain-Carnegie em Cleveland, popularmente conhecido como “Guardiões do Tráfego”.

Jogador arremessando pelo antigo Cleveland Indians | Foto: John Kuntz/cleveland.com

Racismo

A equipe de Cleveland adotou o nome de Indians em 1915, após já ter passado por cinco outras mudanças de nome desde sua fundação em 1894. Antes de Indians, eles já foram Rustlers, Lake Shores, Bluebirds, Broncos e Naps. Este último é em homenagem ao jogador e gerente Nap Lajoie, que hoje é membro do Hall da Fama da MLB.

Depois da temporada de 1914, o proprietário do clube, Charles Somers, pediu aos escritores de beisebol que escolhessem um novo nome para a equipe, já que o jogador e gerente Nap Lajoie havia deixado o time. Foi então que escolheram o nome Cleveland Indians, que supostamente era um ressurgimento do apelido que os fãs deram ao Cleveland Spiders enquanto Louis Sockalexis, um nativo americano, jogava pelo time.

As mudanças, tanto em Cleveland, quanto em Washington, ocorrem no contexto de uma mudança cultural nos Estados Unidos. Ela se intensificou após a morte de George Floyd, um homem negro, pelas mãos do policial Derek Chauvin. Desde então, diversas marcas têm reavaliado o uso de caricaturas racistas e nomes que estereotipam grupos raciais.

Deb Haaland, secretária do Interior dos Estados Unidos e primeira americana indígena a ocupar o cargo, elogiou a decisão como sendo uma mudança necessária e bem-vinda. “Estou alegre que o time de beisebol de Cleveland está finalmente mudando o seu nome. O longo uso de americanos nativos como mascotes e imagens nos esportes eram danosos para as comunidades indígenas”, argumentou Haaland em 2021.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 10 – Redução das Desigualdades

Pitcher do Cleveland Guardians em arremesso durante jogo do time | Foto: Reprodução/Cleveland

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