“Tinha tudo a ver dentro do contexto social”, afirma professor sobre tema da redação do Enem

A primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 foi aplicada neste domingo (22), com 90 questões e a redação, que neste ano teve como tema a “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Em entrevista à Sagres, nesta segunda-feira (22), o professor de gramática, leitura e redação Ademar Nogueira analisou que a temática foi bem elaborada e, ao contrário da maioria dos comentários em redes sociais, não considerou o tema tão difícil.

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“Vejo muito mais um reclame geral em todo tema, pela minha experiência, do que especificamente neste. Fico muito feliz quando o tema vem com viés social. Temos mais de 3 milhões de pessoas no Brasil que sequer têm seu primeiro direito civil. Eu não vejo um terrorismo, nesse sentido, de que foi um tema impossível de escrever. E é preciso ressaltar que, além do tema, há uma coletânea com quatro textos, para que haja um entendimento geral da prova para que esses meninos possam se concentrar. Posso te garantir, tecnicamente, que os textos estavam em perfeita sintonia. Tinha tudo a ver dentro do contexto social”, explicou o professor.

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Segundo Ademar, quando se tratar do Enem, os temas da redação sempre vão parecer inusitados, mas vão causar impacto na sociedade. “Nos últimos três certames, tivemos as seguintes temáticas: ‘O Estigma Associado às Doenças Mentais na Sociedade Brasileira’; o antepenúltimo foi a ‘Democratização do acesso ao cinema no Brasil’, um tema relacionado à arte; e antes, nós tivemos um tema que aí, para mim, foi mais complicado ainda, que foi a ‘Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet'”, detalhou.

Outro ponto positivo, na visão do professor, é que a temática escolhida esteve em alta recentemente e foi bastante abordada em sala de aula. “Ano passado, quando saiu o auxílio emergencial, muito foi debatido pela falta de documentação de muitos brasileiros e brasileiras que sequer puderam se candidatar para receber esse benefício por não terem CPF, não serem registrados, que não tiveram a sua certidão de nascimento”, lembrou.

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Ademar reforçou ainda que o registro civil é um direito, assim como a vida, liberdade, igualdade, segurança, saúde e alimentação. “Tudo isso se inicia com a certidão de nascimento. É um dos primeiros atos que o brasileiro tem direito, tanto é que quando os pais são desconhecidos o Conselho Tutelar tem o dever de registrar essa criança, mesmo que o registro tenha nomes de pais e mães desconhecidos, porque o brasileiro começa a ter os seus direitos sociais, dentre eles, inclusive, o direito à vacinação”, detalhou.

Jogada de Marketing

Na última segunda-feira (15), na semana do Enem, o presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) afirmou que as questões do Enem “começaram a ter a cara do governo”. Isso após haver uma debandada de servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), entidade responsável pela elaboração do Exame.

Apesar de reconhecer os problemas causados pela declaração do presidente, o professor Ademar Nogueira afirmou que, depois de conferir a prova, percebeu que o exame “teve a cara do INEP” e que Bolsonaro fez uma jogada de marketing para seus seguidores.

“Não teve nada com um viés mais de direita ou de ultradireita. Pelo contrário, o que se mostrou foi que o INEP é uma instituição forte […] Em outras questões, tivemos textos que eram até contra ideologia do governo atual. Tivemos a famosa “Admirável Gado Novo” do Zé Ramalho, que é uma música de pauta de luta do próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”.

Porém, diante das declarações, o professor contou que os educadores do Brasil tiveram uma semana difícil, com alunos experientes de cursinhos pré-vestibular e estudantes da 3ª série do Ensino Médio desestabilizados e questionando se tudo havia mudado.

“Esse é um momento em que meninos e meninas precisam de estabilidade emocional e vem uma pessoa que tem uma autoridade nacional dizer que a prova estava modificada, que tinha a cara dele. Isso nos gerou um pouco de trabalho, da parte da psicologia, da parte do apoio emocional para esses meninos. Não foi fácil”, declarou Ademar Nogueira.

Assista à entrevista no Sagres Sinal Aberto: