A coordenadora do CARa, Martha Almeida, a jornalista Cileide Alves e o médico do CARa, José Willian de Oliveira (Fotos: Johann Germano/Sagres On)

Trinta e dois anos depois, as lembranças do maior acidente radiológico do planeta ainda seguem vivas, mas também permeadas de muita incerteza e preconceito. No dia 13 de setembro de 1987, dois catadores de recicláveis acharam um aparelho de radioterapia abandonado, desmontaram e o venderam a um ferro-velho de Goiânia. Eles não tinham noção de que se tratava do Césio-137.

Altamente radioativo, o pó de coloração azul, que ficava dentro do equipamento, causou quatro mortes e contaminou, pelo menos, 249 pessoas. Doze mil indivíduos chegaram a ser monitorados. No Debate Super Sábado (14) desta semana, a jornalista Cileide Alves, que cobriu amplamente o dia-a-dia do acidente e o sofrimento das vítimas, relata que o temor e a incerteza eram dominantes. Ela relata que chegava a tomar banho de vinagre depois de trabalhar na cobertura do Césio-137.

“Ninguém tinha conhecimento do que era aquilo. Havia um monte de técnicos, físicos e médicos nucleares, cientistas de todas as partes do mundo. E tudo o que eles falavam era de aprendizagem teórica, que saiu dos livros. Eles não tinham vivenciado aquilo. Isso fez com que a gente fica extremamente inseguro. Essa história eu nunca esqueço, eu ficava o dia inteiro fazendo a cobertura”, afirma. “Meu filho tinha três anos. Eu chegava em casa e não sabia se podia abraçar meu filho. Tinha um temor muito grande. Enquanto eu estava trabalhando, eu não tinha medo. Claro, eu não iria me expor, mas eu fazia o que precisava ser feito”, relembra. “Eu tomava banho e me enxaguava com vinagre, que era uma dica da época para fazer a descontaminação. É um perigo invisível”, acrescenta.

Os radioacidentados de Goiânia, de acordo com os protocolos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), têm a saúde assistida pelo CARa, conforme a forma de contato (contaminação ou irradiação), direta ou indireta e dose de exposição da época. Por esse motivo, estão dispostos nos grupos 1 e 2 — e seus descendentes — e o grupo 3.  

A coordenadora técnica do Centro de Assistência aos Radioacidentados (CARa) Leidi das Neves, Martha Almeida, destaca que a incerteza também faz parte ainda do cotidiano das vítimas, que estão distribuídas em três grupos. 

“Foi uma ruptura muito grande, de todas as redes sociais deles. Moradia, trabalho, renda, isso tudo mudou na vida deles. Eles têm traumas e incertezas, isso faz com que esse preconceito aflore mais”, afirma.

Segundo a coordenadora, 193 integram os grupos 1 e 2, e 1.021 no grupo 3. Este último agrupamento continuar crescendo. “Seiscentas pessoas recebem pensão estadual e por volta de 340 pessoas recebem pensão federal. Algumas recebem as duas pensões juntas”, explica Martha Almeida, que frisa que o CARa ainda sofre com a falta de medicamentos. 

De acordo com o médico do CARa José Willian de Oliveira, um estudo da ex-superintendente Maria Paula Curado está em andamento para ajudar a identificar vítimas do acidente radiológico. “Ela (Maria Paula) está em São Paulo e está com um projeto, aguardando uma liberação de verba dos Estados Unidos. É um projeto mundial, e o Brasil vai entrar com o césio”, destaca. “Vai aprofundar mais. Poderemos ver se esse câncer pode estar relacionado à radiação ou não”, pontua.

O CARa é atualmente uma unidade integrante da estrutura da Superintendência de Políticas sobre Drogas e Condições Sociais Vulneráveis da SES-GO que foi criada em 2011 para assumir as competências da extinta a Superintendência Leide das Neves Ferreira (Funleide), monitorando e atuando na promoção da saúde, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento de doenças dos radioacidentados.

Para o médico José Willian de Oliveira, o Césio-137 ainda deverá atravessar muitas gerações. “Nós vamos morrer e o césio vai ficar aí. Só o depósito (em Abadia de Goiás) deve durar em torno de 300 anos, onde estão armazenados os rejeitos. Nós vamos morrer, nossos filhos, nossos netos, e alguém vai ficar com esse césio ainda”, conclui.