“Goiânia é uma cidade de grandes amigos, acolhedora, uma cidade de família, o interior em uma cidade grande. A Goiânia que a gente quer, que a gente conhece é aquela em que a gente sempre se sente em casa. Nunca conheci alguém que tivesse vindo aqui e que não tivesse gostado. Goiânia é maravilhosa. Estamos passando por dificuldades, com certeza estamos, assim como em qualquer outro lugar, mas sei que aqui a gente consegue desenvolver, temos melhores oportunidades, pessoas que nos acolhem, que nos reconhecem”.

O relato acima é da designer e fotógrafa Carol Ongaratto, e mostra que este é um aniversário de Goiânia diferente. Em meio à pandemia de Covid-19, a capital goiana completa 87 anos neste sábado (24). Oitenta e sete foi o ano de outro acontecimento que marcou a história da cidade: o Césio-137.

A psicóloga e conselheira da Fundação Pró-Cerrado (FPC), Raquel Barbosa, que nasceu na região do Vale do São Patrício, veio para Goiânia 20 anos antes do maior acidente radiológico do planeta. Ela acompanhou o crescimento da capital, cidade que teve para si os olhos do mundo no episódio que começou em um ferro-velho, no Setor Aeroporto.

“Foi crescendo bairro após bairro, expandindo região após região. Enfrentou o problema do Césio, enfrentou outras questões estruturais muito sérias. Hoje estamos inseridos nesse contexto da Covid, que tem trazido muita dor, sofrimento, mas também um movimento positivo em benefício da vida. Providências emergenciais, movimentos coletivos, e isso faz com que a nossa cidade venha rompendo de maneira positiva nesse cenário tão hostil e difícil”, afirma.

Aprendizado

Em 1987, o episódio do Césio teve início em um 13 de setembro, um domingo, 41 dias antes do 54º aniversário de Goiânia. Em 2020, mais de oito meses se passaram e a cidade ainda vive a pandemia de Covid-19.

O professor de Geografia e Geopolítica, Carlos Dias, afirma que o acidente radiológico de 33 anos atrás ajudou a população goianiense a entender o momento que a capital passa hoje.

“Houve sim muita solidariedade em torno de nós. Houve sim também preconceitos, mas o sentimento de solidariedade que prevaleceu no passado, acho que prevaleceu agora também, no sentido de nós nos tornamos mais solidários. Essa reinvenção fez com que nós fôssemos para as nossas casas e procurássemos através da tecnologia, estar próximos de quem naquele momento não estava tão próximos de nós”, avalia.

Empatia e solidariedade

São dois dos maiores presentes que os moradores de Goiânia podem dar à 10ª maior capital do país, segundo o IBGE. Sentimentos que só as perdas e mudanças drásticas da pandemia fizeram aflorar ainda mais entre a população goianiense. É o que destaca o professor e psicólogo Wadson Gama.

“A pandemia chegou e cancelou muitos sonhos. Muito objetivos que você estava traçando e, de uma hora para outra, isso foi cancelado. Trouxe muitas angústias e sofrimento mental. E muitas pessoas negam isso, vão para a rua, não usam máscara. A gente tem que cuidar do outro, das pessoas que são mais vulneráveis, que estão no grupo de risco. Os goianienses precisam entender e compreender que o vírus da Covid está aí. Que a gente realmente exerça a empatia e o respeito pela comunidade”, pondera.

Retomada

Aos poucos, mês a mês, as flexibilizações foram retomando as atividades em Goiânia. O comércio, os eventos esportivos sem público, as igrejas, os shoppings centers, foram reabrindo as portas e recuperando aos poucos o tempo perdido.

Mas as vidas levadas pela Covid-19, essas não voltam mais. O Wender Coimbra sabe bem os impactos que a pandemia causou na capital, e respeita ao máximo o isolamento social.

“Nessa pandemia pode-se contar as vezes que eu saí de casa. Tenho muito respeito por essa doença. A disciplina de ficar em casa, de não se aglomerar, de conviver com menos pessoas possível. Claro que por telefone e pela internet a gente segue conversando bastante. Estamos chegando no fim dessa luta e tenho certeza que sairemos vencedores”, vislumbra.

Para o psicólogo Wadson Gama, essa mudança de comportamento, esse isolamento social em Goiânia, foi mais respeitado no início da pandemia.

“Estamos em uma mesma tempestade, mas navegando em barcos diferentes. Cada sujeito vai responder de uma maneira diferente a isso tudo o que está acontecendo em relação à pandemia de Covid-19. No início da pandemia, as pessoas realmente cumpriram melhor com essa questão do distanciamento e em relação aos cuidados que precisamos ter”, avalia.

Reinvenção

Aos 87 anos, em plena pandemia, Goiânia vê seus filhos literalmente se reinventando, buscando novos meios, trabalhando em casa, estudando em casa, empreendendo, criando, se modernizando, se conectando, chamando a responsabilidade, valorizando a educação. Ao mesmo tempo, a capital da música, dos grandes shows sertanejos, dos festivais de rock e música alternativa, do chorinho, e de tantos outros estilos, criou novos palcos, novas formas de se divertir, sem aglomerações.

“As pessoas entenderam e compreenderam a importância da relação, de cuidar do outro. Antes da pandemia, estávamos vivendo de forma muito automática, terceirizando tudo, colocando sempre responsabilidade no outro, responsabilidade da educação só para a escola, e de repente pais e mães estão junto com seus filhos acompanhando as lições de casa. O goianiense com certeza vai sair diferente desta pandemia, sabendo valorizar mais as relações humanas”, afirma.

Na cidade que une e reúne gente de todo o país, esses 87 anos ficam marcados pela distância que aproxima cada um de quem se ama e de si mesmo. Um novo comportamento, um novo jeito de olhar para a cidade. Seria esse o legado positivo da pandemia para os goianienses? A nossa querida Livia Baylão responde.

“Eu me torno uma pessoa mais paciente, mais compreensiva, escuto mais, tolero mais as outras, julgo menos. Quando adoto esse padrão de pensamento e sentimento, eu colaboro com o padrão coletivo de que vale a pena estar no mundo tornando-o uma morada mais prazerosa. Assim, eu cuido de onde estou, da minha cidade, respeitando-a em todos os níveis”, conclui.

Parabéns, goianienses. Parabéns, Goiânia, hoje e sempre.

Esta reportagem teve a produção de Luciana Maciel e edição de áudio de Roberval Silva