LUCAS LACERDA / SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nove entre dez brasileiros acham que vão sofrer impactos das mudanças climáticas na vida pessoal, e dois terços da população enxergam que a vida será muito prejudicada por eventos climáticos extremos nos próximos cinco anos.

Também há consenso sobre a distribuição desse impacto: 95% das pessoas acham que a parcela mais pobre sofrerá com esses efeitos. Os dados fazem parte de pesquisa do Datafolha que ouviu 2.028 pessoas, de 126 municípios, com mais de 16 anos, nos dias 29 e 30 de março. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Enquanto a maioria acha que as mudanças climáticas vão prejudicar muito a parcela mais pobre da população (82%), uma minoria acha que a população rica vai sofrer da mesma forma (24%).

Quando avaliam a preocupação com os impactos na vida pessoal, 70% das mulheres afirmam que haverá muito prejuízo -índice que cai para 62% entre os homens.

Um motivo possível é o dano desigual da crise do clima, que, como já identificado em estudos, gera problemas sociais como migração, violência infantil e casamentos forçados, que afetam mais a população feminina.

Para Lori Regattieri, senior fellow da Mozilla Foundation, o destaque indica ainda que as mulheres podem estar mais atentas a riscos para a saúde própria e da família, além de reagirem mais rápido.

“Elas despontam em nível de preocupação principalmente quando temos questões que envolvem a saúde delas, da família e dos filhos”, diz a pesquisadora, que estuda comportamento digital e desinformação na agenda climática e socioambiental.

Regattieri destaca que a percepção também precisa considerar aspectos de cor e renda. “Quando falamos de mulheres negras, há maior probabilidade de morarem em áreas de risco. É onde se percebe o racismo ambiental.”

A percepção de muito prejuízo na vida pessoal foi apontada por 69% das pessoas pretas e pardas ouvidas na pesquisa, contra 61% entre pessoas brancas. A margem de erro é de três pontos percentuais para pessoas pardas, e quatro e seis para brancos e negros, respectivamente.

A pesquisa revela ainda uma preocupação com as mudanças climáticas muito similar entre quem declarou voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e quem disse ter votado no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições de 2022. Os percentuais também são próximos quando comparam-se os de apoiadores de PT e PL (quando citadas apenas as siglas, sem mencionar os candidatos em questão).

O prejuízo na vida pessoal decorrente de mudanças no clima é apontado por 89% dos eleitores de Lula e 88% dos de Bolsonaro. A pesquisa, assim, pode indicar que o medo de impactos na própria vida supera o posicionamento político -em campanha, Lula disse que priorizaria a agenda climática, enquanto a gestão Bolsonaro promoveu um desmonte das políticas públicas ambientais.

Na visão de Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de organizações socioambientais, isso ocorre porque a relação entre o apoio político e mudanças climáticas ainda não é tão direta no Brasil quanto problemas de emprego, fome, pobreza e saúde. “Para a composição do voto, a questão de clima e ambiente não é tão decisiva [no Brasil] como em países que já venceram esses problemas”, diz.

Astrini opina ainda que os eleitores de Bolsonaro não creditam o enfraquecimento da política ambiental à figura do ex-presidente.
“O que verificamos é que há uma narrativa criada para esse público: que o Bolsonaro não é uma pessoa ruim para a agenda de meio ambiente, que as acusações são invenção de esquerdistas, que o movimento ambiental do mundo é bancado por comunistas contra o desenvolvimento do país.”

Os danos imediatos que possam ser causados por uma chuva extremamente forte são outra preocupação em destaque na pesquisa. Para mais da metade da população (61%), a precipitação extrema é um risco para a casa onde moram, e 86% apontam risco para a infraestrutura -ruas, pontes e avenidas- da cidade em que vivem.

A percepção ampla sobre mudanças climáticas não é novidade no Brasil, de acordo com pesquisas anteriores do Datafolha. Levantamento realizado em 2010 mostrou que 75% dos brasileiros achavam que as atividades humanas contribuíam muito para o aquecimento global -o que é um consenso científico, amplamente difundido. Em 2019, esse índice caiu para 72%.

O mais recente relatório do painel científico do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês), lançado em 20 de março -poucos dias antes da realização da pesquisa do Datafolha, portanto-, enfatiza que o mundo vive sob pressão climática sem precedentes e que alguns danos já são irreversíveis.

Os cientistas alertam que o prazo para agir e frear o aquecimento do planeta em 1,5°C, meta do Acordo de Paris, é curto e exige ações rápidas dos países.

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